Lêdo Ivo
Amigas e amigos,
Nascido em Maceió (AL) em 1924, o poeta Lêdo Ivo foi jornalista, ficcionista,
tradutor e ensaísta. Fez os cursos primário e secundário em sua cidade natal e
transferiu-se para o Recife em 1940 e, dois anos depois, para o Rio de Janeiro.
Na capital federal, Lêdo Ivo concluiu o curso de direito e passou a trabalhar
como jornalista profissional. Sua estreia na poesia se dá em 1944 com a
coletânea As Imaginações, seguida de Ode e Elegia, no ano seguinte. Escritor
prolífico, ele publicaria muitos outros volumes nos anos seguintes, entre
romances, contos, crônicas e ensaios.
Lêdo Ivo faleceu em Sevilha,
Espanha, em 2012, aos 88 anos. Deixou um acervo que, somente na área de poesia,
chega a quase três dezenas de títulos, sem contar as antologias. O essencial de
seu trabalho está reunido em Poesia Completa (1940-2004), volume com mais de
1100 páginas.
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Em sua longa aventura poética, o poeta alagoano passou por
diferentes fases. Nos dois livros de estreia, a poesia de Lêdo Ivo é marcada por
extensas odes e elegias — poemões de métrica fixa ou caudalosas composições
em versos livres que ocupam até oito páginas.
Não é à toa que, no prefácio da
Poesia Completa, o também poeta Ivan Junqueira chega a chamá-lo de “autor
opulento e às vezes desmedido”. Muitos veem nesse Lêdo Ivo da fase inicial uma
postura similar à do estreante Vinicius de Moraes nos anos 30, ambos talvez muito
influenciados pelo Rilke das Elegias.
Em todo o trajeto, é verdade, o
poeta alagoano também desenvolve poemas mais curtos, sem jamais descurar, por
exemplo, dos sonetos e baladas. Com o passar do tempo, ele vai, pouco a pouco,
abandonando os poemas mais esparramados e abraça como norma uma dicção mais
concisa.
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Não é a primeira vez que Lêdo Ivo comparece a este
boletim. Ele já esteve aqui na
edição n. 139, em outubro de 2005.
Para a microantologia ao lado
selecionei sete poemas dele. O primeiro é “Soneto Puro”, um texto que vem de
Cântico, coletânea de escritos entre 1947 e 1949. Aí o poeta, ainda na casa dos
vinte anos, exibe mão segura na condução desses catorze versos. “Fique o amor
onde está; seu movimento / nas equações marítimas se inspire / para que, feito o
mar, não se retire / das verdes áreas de seu vão lamento”. Detalhe que constatei
agora: este soneto já foi incluído no primeiro boletim. Mas vale a repetição.
Agora, damos um salto bem longo. Os
dois poemas seguintes vêm do livro Curral de Peixe, produzido no início dos anos
90. Nesses poemas o poeta exercita sua aparente facilidade de partir de um ponto
e, de ideia em ideia, de palavra em palavra, ir construindo sua teia. É o que se
vê em “Duração”. À leveza dos versos opõem-se as afirmações sombrias: “toda vida
é treva”, “todo fruto é amargo”, e “toda eternidade / não dura um minuto”.
Em “Na Estação Leopoldina”, as contradições criam momentos estonteantes.
“Quem quer não quer, quem sonha nada sonha / exceto o próprio sonho que se
esgarça / na fronha amarfanhada, na enfadonha / cadeira em que se senta a vida
esparsa”. Em todo o texto, o não e o sim — que são “dois trilhos paralelos” —
vão e vêm, debatem-se e afinal não saem do lugar. Um belo soneto.
Chegamos ao poema número quatro. Trata-se de “O Dia dos Homens”, um brevísssimo
epigrama proveniente da coletânea O Rumor da Noite, produzida na segunda metade
dos anos 90. Mais uma vez, o poeta trabalha com um contraponto entre a leveza da
expressão e a gravidade do tema. “Não existe Inferno / nem Paraíso. // Apenas o
chão”. Aí está a pesada chave. Para aliviar a sobrecarga, uma chuva de verão.
Os dois próximos textos também vêm de O Rumor da Noite. Ambos certamente
foram inspirados em viagem à Itália. Em “O Pedido”, o poeta imagina receber a
mensagem de um anjo nos degraus da igreja de Santa Maria degli Angeli,
provavelmente em Assis (há outras igrejas da mesma santa em várias outras
cidades italianas).
Segue-se o poema “Triunfo”, uma composição em 15
versos de seis sílabas. Aqui, o poeta põe em prática um procedimento que parece
ser uma de suas formas de compor. Diante de um arco do triunfo em Roma, ele faz
a pergunta: “Mas que triunfo, se tudo / é derrota e naufrágio?” E conclui,
melancolicamente, que na cidade coalhada de turistas tudo quanto resta da
grandeza imperial de Roma “é uma folha amarela / alçada pelo vento”.
Agora, o último poema, “Água Fria”. Este encontra-se em Plenilúnio, o último
livro elencado na Poesia Completa. Mais uma vez, o poeta cruza a experiência
cotidiana com as contradições da vida. “A água que bebi / na fria Fontana /
queimou os meus lábios”. E segue, leve e amargo, equilibrando água e fogo, vida,
amor e morte.
Abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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é um boletim — ou este que você recebe quinzenalmente ou uma edição antiga.
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Quem sonha nada sonha
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Lêdo Ivo
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Adilson Santos (1944), pintor baiano, Menina com flauta (2004)
SONETO PURO
Fique o
amor onde está; seu movimento nas equações
marítimas se inspire para que, feito o mar, não se retire das verdes
áreas de seu vão lamento.
Seja o amor como a vaga ao vago intento
de ser colhida em mãos; nela se mire e, fiel ao seu fulcro, não admire
as enganosas rotações do vento.
Como o centro de tudo, não se afaste
da razão de si mesmo, e se contente em luzir para o lume que o ensolara.
Seja o amor como o tempo — não se gaste e, se gasto, renasça, noite
clara que acolhe a treva, e é clara novamente.
De Cântico
(1947-1949)
Adilson Santos, Menina equilibrando ovo
DURAÇÃO
Toda vida é breve por
mais que ela dure entre a areia e o vento.
Todo amor é leve
mais leve que a neve que cai sobre a relva.
Toda vida é treva
por mais que a ilumine a luz de cem velas.
Todo fruto é amargo:
morde-o a morte com seu único dente.
Toda eternidade não dura
um minuto na manhã serena.
De Curral de Peixe (1991-1995)
Adilson Santos, Menina lendo uma carta (2005)
NA ESTAÇÃO LEOPOLDINA
Eu dizia entre mim, enquanto o trem manobrava no pátio da estação: Não e sim são dois trilhos
paralelos. Toda regra é irmã da transgressão.
Quem quer não quer,
quem sonha nada sonha exceto o próprio sonho que se esgarça na fronha
amarfanhada, na enfadonha cadeira em que se senta a vida esparsa.
Partir ou não partir, eis a questão. O trem apita, e a hélice de um barco
me chama em vão em plena escuridão.
E na sala de espera da estação
eu não fico nem parto: permaneço entre a regra que sou e a transgressão.
De Curral de Peixe (1991-1995)
Adilson Santos, Natuureza morta com cajus e bule azul
O DIA DOS HOMENS
Viver é preciso. Não existe Inferno nem Paraíso.
Apenas o
chão. E uma persistente chuva de verão.
De O Rumor da Noite
(1996-2000)
Adilson Santos, jogo de cartas
O
PEDIDO
"Quem não anda com as próprias pernas jamais alcançará a vida eterna", foi o que o anjo me
disse ao me ver sentado num dos degraus da igreja de Santa Maria degli
Angeli. Então me levantei e comecei a caminhar. Avancei na nave
escurecida e pedi a Deus (era o Deus dos turistas) água e fogo.
De
O Rumor da Noite (1996-2000)
Adilson Santos,
Menina com violino (2012)
TRIUNFO
Um Arco do
Triunfo. Mas que triunfo, se tudo é derrota e naufrágio? Os
passados perdidos escorrem pela boca dos leões ultrajados e fossas
de granito. Rodeados de pombos os turistas arrulham os idiomas da
morte. E uma folha amarela alçada pelo vento no ar lavado de outono
é tudo quanto resta da grandeza de Roma.
De O Rumor da Noite
(1996-2000)
Adilson Santos, penteado
ÁGUA FRIA
A água que bebi na
fria fontana queimou os meus lábios.
A água, de tão fria, como
fogo ardia até na minha alma.
Assim é o amor, fogo que se bebe
na fontana fria.
Assim é a morte. A água fria apaga o fogo que
ardia.
De Plenilúnio (2001-2004)
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