Renata Pallottini
Amigas e amigos,
Poeta, dramaturga, tradutora, a
paulistana Renata Pallottini (1931-) tem longos e variados serviços prestados à
cultura. Formada em filosofia pela PUC-SP em 1951, concluiu também o curso de
direito na USP em 1953. Depois, em Paris, começa a estudar teatro em 1959. De
volta a São Paulo, entra na Escola de Arte Dramática da USP e faz os cursos de
dramaturgia e crítica.
Sua produção de textos para teatro inicia-se em
1960, com a peça A Lâmpada. Depois disso, a autora criou vários outros
espetáculos cênicos. Em 1967, a peça Pedro Pedreiro, com texto dela e música de
Chico Buarque, é levada à Colômbia. No ano seguinte, Renata Pallottini traduz o
famoso musical Hair, dos americanos James Rado e Gerome Ragni. O trabalho
de Renata Pallotini nas artes cênicas estende-se também à televisão, ao cinema e
ao ensino universitário.
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Desviemos para a poesia. Renata
Pallotini publica seus primeiros versos em 1950 nas revistas da Faculdade de
Direito. Estreia em livro dois anos depois, com Acalanto, uma publicação
semiartesanal. Em 1956 sai O Monólogo Vivo, primeiro título incluído pela autora em
sua Obra Poética, de 1995, que contém um total de 14 livros. Depois disso, Renata publica
ainda Um Calafrio Diário (2002), coletânea de poesia, além de outras obras nas
áreas de teatro, literatura infantojuvenil e ensaios.
Para este boletim,
selecionei cinco poemas, todos destacando o aspecto mais lírico da poesia de
Renata Pallottini. Nos dois primeiros, ambos extraídos de Um Calafrio Diário, encontra-se uma proposição de
tudo ou nada em nome do amor. Em "Atira para o mar", a ideia é desfazer-se de tudo e
mergulhar de cabeça na paixão: “O amor só sabe ir de mãos vazias / e só vale se
for / o único projeto”.
Em “Falar contigo”, o clima é o mesmo, defletido
porém para os estados de iluminação e êxtase amoroso que leva o/a amante a ler
sinais incompreensíveis e entender o que não tem sentido. Em certo aspecto, este
poema mantém algum parentesco com o mais célebre soneto bilaqueano, aquele que
defende a ideia de que os amantes são capazes de ouvir e entender estrelas.
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Os poemas seguintes são todos da Obra Poética. Em “Gato em volutas”, Renata
Pallottini tenta penetrar na “psicologia” dos felinos. Para ela, o animal
doméstico “roça no ser humano / sua egoísta subserviência”. Ela também parece
dar mais créditos à fidelidade canina. Os humanos que preferem os gatos
certamente haverão de protestar. Mas coisas de cão e gato só podem mesmo
terminar em rusgas.
“O Grito” é
um poema forte que transforma dor em corajoso desabafo lírico, quase
desesperado. É a busca de alívio de quem se sente sufocado e sem saída. “Se ao
menos esta dor sangrasse”...
Por fim, vem “Poema”, um texto de indagação
existencial. “Por que esta vida? / Por que não uma pedra severa / que não
procura, não erra, não espera (...)?” Ou, de outro ângulo, por que não outra
vida em lugar desta humana, plena de sofrimentos e que, em vez de bálsamo, põe
sal nas feridas?
Não esperem respostas. O poeta é, essencialmente, um
ser que pergunta.
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Para finalizar, quero puxar um pouco da
brasa criativa de Renata Pallottini para a sardinha do poesia.net. Este boletim tem a honra
de merecer a leitura e a atenção da múltipla Renata desde as primeiras edições.
Esta, aliás, é a segunda vez que ela aparece aqui. A primeira foi no
boletim n.
21, em maio de 2003.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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Se ao menos esta dor cantasse...
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Renata Pallottini
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Gustav
Klimt (1862-1918), pintor austríaco, Judith I (1901)
ATIRA PARA O MAR
Atira para o mar as tuas coisas abandona os teus pais muda de nome
esquece a pátria parte sem bagagem fica mudo e ensurdece abre
os teus olhos.
Se o teu amor não vale tudo isso então fica onde
estás gelado e quieto.
O amor só sabe ir de mãos vazias e só
vale se for o único projeto.
Gustav Klimt, O beijo (1908), detalhe
FALAR CONTIGO
Falo contigo
e é como se falasse
com essa qualidade
de luz das árvores.
É perfurar o verde
e emergir do outro lado
(o úmido porvir
dos vegetais).
Falo contigo e
compreendo o estado dos sons
que surgem à noite,
noite-em-claro.
Falo contigo e
entendo o que não tem sentido.
Amor é assim, palavra:
lume comovido.
De Um
Calafrio Diário (2002)
Gustav Klimt, Esperança II (1908),
detalhe
GATO EM VOLUTAS
Chegou-se a mim, com pés forrados de silêncio. Seu rastro sinuoso
marcara-se com plumas. Ei-lo que roça no ser humano
sua egoísta subserviência. Recolhe as unhas, como quem guardasse um
íntimo segredo invulnerável.
Ó gato, quanto mais eu te amaria se
me houvessem rasgado tuas unhas a frágil carne, a de afeição canina!
Afasta-se, seus olhos impossíveis fitos em alguma outra parte.
Quedo, à distância ignora o tempo morto. E em mim a essência morta.
Gustav Klimt,
Retrato de Adele Bloch Bauer (1905), detalhe
O GRITO
Se ao menos esta dor servisse se ela batesse nas paredes abrisse portas falasse se ela cantasse e despenteasse os
cabelos
se ao menos esta dor se visse se ela saltasse fora da
garganta como um grito caísse da janela fizesse barulho morresse
se a dor fosse um pedaço de pão duro que a gente pudesse engolir com
força depois cuspir a saliva fora sujar a rua os carros o espaço o
outro esse outro escuro que passa indiferente e que não sofre tem o
direito de não sofrer
se a dor fosse só a carne do dedo que se
esfrega na parede de pedra para doer doer doer visível doer
penalizante doer com lágrimas
se ao menos esta dor sangrasse.
Gustav Klimt, Retrato de moça (1916)
POEMA
E então, pergunto, por que esta vida de pão e horas moídas?
Por que não somente um pássaro na insciência da tarde
clara,
uma árvore verde embutida no musgo da manhã... Por que esta
vida?
Por que não uma pedra severa que não procura, não erra, não
espera,
ou então outra vida, outra vida que não esta, de sal e
lâminas finas,
que não esta, de sal sobre as feridas?
De
Obra Poética (1995)
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