Número 331 - Ano 13 |
São Paulo, quarta-feira, 6 de
maio de 2015 |

Dalila Teles Veras
Amigas e amigos,
Uma das características que saltam aos olhos na poesia de Dalila Teles Veras é sua íntima adesão à realidade, ao fato cotidiano, ao acontecimento destituído de contornos previamente convencionados como “poéticos”. Esta observação era verdadeira quando a poeta compareceu pela primeira vez a esta revista eletrônica (no
boletim n. 72, onze anos atrás) e continua válida até agora.
Naquela edição já quase remota, o boletim mostrava poemas de Dalila contidos no volume Vestígios (2003). Nesse livro, a autora reúne poemas escritos com base em uma experiência dolorosa: o desaparecimento da mãe, após a convivência com médicos, hospitais e tecnologias curativas. Peripécias do cotidiano. Desassossego.
•o•
Desta vez, os poemas que compõem a microantologia do boletim foram extraídos de duas outras coletâneas de Dalila Teles Veras:
Retratos Falhados (2008) e Estranhas Formas de Vida (2013). Do primeiro, selecionei quatro momentos breves nos quais a poeta consegue extrair poesia de situações inusitadas. Peripécias do cotidiano. Desassossego.
Em “Becos” faz-se um paralelo entre os prudentes conselhos de mãe e os caminhos que o filho ou filha acaba escolhendo pela vida afora. O conselho manda ir pelo caminho reto, para evitar as surpresas dos becos e veredas tortuosas. No poema percebe-se que “as descobertas se revelam apenas no entrecruzar do caminho” e que só se realizam conquistas depois de completar a “saída do labirinto”. Enfim, cautelosa mamãe: viver é perigoso, como repete o jagunço-filósofo Riobaldo. E sempre se há de correr algum risco.
O poema “Bancos” retrata aquele momento desagradável em que a cidadã ou o cidadão é barrado na porta giratória do banco. Com ironia, diz o texto: “a cidadã é barrada à entrada do recinto destinado aos deuses protetores dos juros e dos índices bovespa e dow jones”.
Na “Sala de Espera Quatro”, ocorre um diálogo trivial e, ao mesmo tempo, técnico ― mais uma vez, orientado pelos imbatíveis cuidados maternos. De mãe para futura mãe, conselhos e informações úteis sobre o bebê e o exaustivo exercício da maternidade. De todo modo, avisa a mais experiente: “Dói, mas passa”.
Dos quatro poemas extraídos de Retratos Falhados, “As Faxineiras do Edifício” representa o momento mais pungente. Sim, as mulheres do título cantam, apesar de tudo.
Vem, por fim, o poema “Dúvidas Amorosas”, pertencente ao volume Estranhas Formas de Vida. Mais uma vez, o ponto de partida é algo trivial (na
rua, não na poesia): um cartaz colado num poste com anúncio de pessoa com poderes mágicos capazes de
trazer de volta a pessoa amada. Pelo que se entende, não só trazê-la como “amarrá-la”, para nunca mais sair. Ao que pergunta, com ironia, a poeta: “amor amarrado ama?”
•o•
Dalila Teles Veras é luso-brasileira. Nasceu na ilha da Madeira (1946), mas vive no Brasil desde 1957. Poeta e cronista, tem mais de uma dúzia de títulos publicados. Ativista cultural, coordenou diversos projetos de divulgação literária. Foi diretora e secretária-geral da União Brasileira de Escritores (SP). Desde 1992, Dalila criou e dirige um ambiente cultural próprio, a Alpharrabio, um misto de livraria, editora e espaço para eventos, com sede em Santo André, na área metropolitana de São Paulo.
Para saber mais sobre a escritora, visite seu site:
www.dalila.telesveras.nom.br
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
•o•
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Com a poesia, no meio da rua
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Dalila Teles Veras
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Sarah Sedwick,
americana, Tigela com ameixas vermelhas
BECOS
quem tem caminho reto não se mete em vereda, aconselhava- me a mãe, o
medo do sobressalto a escorrer do afeto, sem saber que as descobertas se
revelam apenas no entrecruzar do caminho e a conquista à saída do
labirinto
os becos e seus inocentes nomes de santos não atendem à
demanda de mercado, insignificantes artérias esquecidas, deixam que a
cidade cresça ao seu redor e ficam ali, pulsantes e vingados, tênues
sopros de resistência e muda contestação, negação ao gigantismo, sedução
para o não cumprimento do conselho
Sarah Sedwick, O vestido marrom
BANCOS
a despeito de todas as precauções em depositar no lugar apropriado
tudo aquilo que lhe pareceu suspeito (óculos, celular, chaves), o
autoritário equipamento detector de metais dispara. a cidadã é barrada à
entrada do recinto destinado aos deuses protetores dos juros e dos
índices bovespa e dow jones. espoliada de sua dignidade, a humilhada ré
descobre que um prosaico batom esquecido na bolsa fora o causador do
suposto atentado. finalmente liberada, resta ainda enfrentar os olhares
em fila, irados pela demora e que, ato contínuo, despem-se de seus
pertences, rumo à esperança da própria liberação
Sarah Sedwick, Lírio cor-de-rosa junto
à janela
SALA DE ESPERA QUATRO
mãe recente, bebê ao colo, para a mãe em vias de: — cresce cinco
milímetros por dia, engorda trezentos gramas ao mês, emagrece depois de
nascido, mas recupera o peso após o primeiro mês de vida. engordei quinze
quilos, um horror! dura espera, dói, mas passa... a vida-matemática,
certeira e fatalista
Sarah Sedwick, Beleza cor-de-rosa
AS FAXINEIRAS DO EDIFÍCIO
surpreendentemente (não
obstante os dez mil, quatrocentos e trinta e um degraus, os oito mil,
trezentos e vinte metros quadrados de piso, as quatrocentas e quinze
vidraças e as três toneladas de lixo à espera de varrição, transporte e
limpeza) cantam...
Sarah Sedwick, Nia
DÚVIDAS AMOROSAS
Vê como os búzios caíram Virados p'ra Norte Pois eu vou mexer no
destino Vou mudar-te a
sorte Os búzios, Jorge Fernando
AMARRAMENTO INFALÍVEL TRAGO A PESSOA AMADA EM 7 DIAS (cartaz
colado em poste de luz)
que tipo de corda amarra o amor? qual o tipo
de nó?
(marceneiro marinheiro escoteiro construtor?)
depois de amarrado, que é feito do amor?
(sete dias para atar —
quantos para desatar?)
amor amarrado ama?
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poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado,
2015
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Dalila Teles Veras
* "Becos", "Bancos", "Sala de Espera Quatro", e "As Faxineiras
do Edifício" In
Retratos Falhados
Escrituras, São Paulo, 2008 * "Dúvidas Amorosas" In
Estranhas Formas de Vida Dobra/Alpharrabio, São
Paulo, 2013
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* Dante Milano, de "Poemas de um verso", in Obra Reunida, ABL, Rio de
Janeiro, 2004
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- Imagens: trabalhos da jovem pintora americana
Sarah
Sedwick (Ohio, 1979)
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