Número 340 - Ano 13 |
São Paulo, quarta-feira, 30 de
setembro de 2015 |
«Uns expiram sobre cruzes,
/ outros, buscando-se no espelho.» (Cecília
Meireles) *
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Patrícia Hoffmann
Amigas e amigos,
Nascida em São Paulo, a poeta Patrícia Claudine Hoffmann (1975) mora em Santa Catarina desde
os seis anos de idade. Fez o curso de letras em Joinville e trabalha como professora de língua
portuguesa.
Sua estreia em livro deu-se com a coletânea Água Confessa, publicada em 2001. Veio em
seguida o título Sete Silêncios (2004), um trabalho focado no silêncio e no número
sete. São sete capítulos (silêncios), cada qual contendo sete poemas. Esse último livro também
foi publicado em formato digital e está disponível desde 2010 no site
Bookess.
Os poemas de Patrícia Hoffmann que selecionei
para a pequena amostra ao lado foram extraídos de três fontes: seu livro de estreia; uma
antologia de poetas da região Sul chamada Moradas de Orfeu, organizada por Marco
Vasques; e um blog mantido pela autora, o Espólio do Sol.
•o•
Poeta de muitas leituras, Patrícia Claudine Hoffmann tende, quase sempre, para a poesia de
recorte abstrato, recheada de imagens desconcertantes que ficam entre o surrealismo e o
absurdo. O que está em jogo é uma incessante busca existencial, a indagação de significados em
meio ao espanto e às dissonâncias do mundo. Com suas metáforas que desnorteiam as expectativas
do leitor, talvez a poeta queira mesmo apontar para essas dissonâncias.
Embora eu insista em destacar as imagens perturbadoras, na antologia ao lado enveredei por um
caminho diverso. Selecionei, de propósito, poemas da autora marcados por uma expressão mais direta. De todo
modo, considerável amostra dos textos de feição mais abstrata encontra-se em seu blog
e também no livro digital Sete
Silêncios, cujos endereços foram indicados acima.
•o•
Passemos aos poemas. Como sempre, os títulos apresentados entre colchetes referem-se a textos
sem título. O primeiro de nossa miniantologia é "[Quebro Ampulhetas]". Depois que encontrei
esse poema na internet, decidi saber quem era a poeta. Com apenas cinco versos curtos Patrícia
Hoffmann monta uma fábula na qual envolve alguém que — aparentemente revoltado com o tempo —
despedaça ampulhetas e ainda se lembra de alertar às borboletas que viver é perigoso. Não só
para os papilionídeos, claro.
Em "[Não Procures o Amor]", o tom oscila entre a ironia e o desconsolo. "O tal
de Amor quando se
perde / deixa rastros de navio", e o sujeito lírico não sabe se chora ou se ri diante desse
rastro fluvial — talvez marítimo — deixado pelo amor extraviado. Se aqui as
perdas se dão com o amor que navega, em "[Abro os Alçapões da Loucura]" aparecem os "amores de
artifício", entre insetos e escombros, depois que o sujeito mergulha nos alcapões da loucura
numa excursão ao escuro da alma.
•o•
ESPÓLIO DO SOL
Os três últimos textos foram todos garimpados no blog Espólio do Sol. Do poema "Escorpião de Nuvens", que é longo, extraí apenas o trecho inicial. O que se destaca aí é a beleza das imagens. A pessoa que fala sente-se caçada
noite adentro, até a madrugada — "até o sangue da neblina" — por um escorpião de nuvens.
Insônia? Preocupação? Segue-se um doloroso embate, que envolve visões distorcidas e gelo no
coração.
Vem aqui nova fábula, "Violino-marinho". À semelhança do cavalo-marinho, esse ser está
associado à infância. É o companheiro de alguma criança que, entre segredos, "costumava /
chorar / durante toda a chuva". Mas, como estamos na infância, é um choro de brinquedo.
Quando se lê com atenção uma boa quantidade de poemas de Patrícia Hoffmann, nota-se a
inclinação da poeta para as metáforas marinhas. Somente nos poemas aqui apresentados, elas
aparecem em "Não Procures o Amor]" (aqui na forma de rio), em "Violino-marinho" e agora
ressurgem em "Refúgios para Guardar Meu Pai".
Neste último poema, uma espécie de réquiem, a poeta lembra o pai morto. Observa-se que
aparentemente ele praticava a pesca marítima. Daí talvez venha parte das metáforas associadas
ao oceano. "A saudade desenha seus estiletes, pai. / De dentro para fora". Belo e doído
poema.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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LANÇAMENTOS
Cada bicho
com seu capricho • Carlos Machado, poemas • Geraldo Valério, ilustrações
Convido os amigos de São Paulo para o lançamento de
meu livro de poemas para crianças, Cada bicho com seu capricho, publicado pela Editora MOVpalavras,
especializada em literatura infantil.
Será, na verdade, um lançamento
coletivo, com sessão de autógrafos de sete autores:
• Carlos Machado – Cada bicho com seu capricho
• Cristiane Tavares e Chris Mazzota – Aos olhos do mar
• Dani Gutfreund – Olha lá a Ana!
• Danilo Gusmão – céu-tamanho
• Laura Teixeira – Bolinha
branca
e Pássaro-desenho
• Marcelo Cipis – Meus tipos esquecíveis
• Renato Zapata - Menino Semente
Quando: Domingo, 04/10/2015, das 15h às
18h
Onde: Livraria da Vila Rua Fradique Coutinho, 915 São Paulo - SP
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Escorpião de nuvens
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Patrícia Hoffmann
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José Pancetti (1902-1958), brasileiro, Mar Grande (1954)
[QUEBRO AMPULHETAS]
Quebro ampulhetas.
Aviso às borboletas:
cuidado ao voar.
Há areia na vida,
cacos de vidro no ar.
José Pancetti,
Lagoa do Abaeté (1952)
[NÃO PROCURES O AMOR]
Não procures o amor
na solidez de teu vazio.
O tal de Amor quando se perde
deixa rastros de navio.
Por isso às vezes choro,
às vezes.
Rio.
De Água Confessa,
2001
José Pancetti,
Farol da Barra (1952)
[ABRO OS ALÇAPÕES DA LOUCURA]
Abro os alçapões da loucura:
a janela escura de toda alma.
E eis que não sei mais lidar com a luz.
— a claridade sempre te foi burra —
Esbarro as mãos
em qualquer coisa que sobrou
na superfície:
alguns livros entre os escombros,
insetos e amores de artifício.
O cadáver mais difícil
é o de si mesmo.
De Moradas de Orfeu (antologia), 2011
José Pancetti,
Mangaratiba, "Toca da Velha" (1946)
ESCORPIÃO DE NUVENS
(trecho inicial)
Caça-me à noite o escorpião de nuvens.
Escolta-me até o sangue da neblina.
Ensina-me a delicadeza do golpe,
a flor coagulada entre os dedos.
Decepo a estrela decadente e bruta
lançada ao olho da minha noite
absoluta.
Constelação de vidro em forma de dor,
dissolvida a íris: membrana alucinógena da antevisão.
No coração, alçapões de gelo
labirintam o sol em despedida.
Toda felicidade é cega de ausência.
José Pancetti,
Paisagem com Dunas" (1947)
VIOLINO-MARINHO
A infância coleciona
coisas pequenas.
Ele guardava em segredo
uma miniatura do mar.
Dentro dela morava um
violino-marinho
com quem ele costumava
chorar
durante toda a chuva.
Chorar de brinquedo.
José Pancetti,
Barco e Pescadores" (1933)
REFÚGIOS PARA GUARDAR MEU PAI
— in memoriam —
A saudade desenha seus estiletes, pai.
De dentro para fora.
Teus molinetes, agora
ornamentam a casa
com inconformável beleza:
procuram tua pesca.
Nenhuma fresta entre nós.
Nenhuma isca.
Na antifesta de estar,
o mar desfeito
não comemora comigo:
estamos sós.
E não há pacto
de anzóis que capture
a precocidade de tua ausência
ou te devolva
como devolvíamos os peixes para a água.
— Lembras?
Apareceram uns cansaços nas paredes.
Onde antes teu descanso
sobre o dorso das redes,
agora memórias rendadas
avarandam a chuva
em chamamento.
Enquanto o vento motiva algum sol,
embala-me ainda teu riso
nos braços já fracos
da infância.
— As tarrafas cresceram, pai.
Ainda não aprendi a dobrá-las.
Do blog
Espólio do Sol
|
poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado,
2015
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Patrícia Hoffmann
* "[Quebro
Ampulhetas]", "[Não Procures o Amor]" In
Água Confessa Letradágua, Joinville-SC, 2001 * "[Abro
os Alçapões da Loucura]" In
Moradas de Orfeu - antologia poética Marco Vasques, organização
Letras Contemporâneas, Florianópolis, 2011 * "Escorpião de Nuvens", "Violino-Marinho" e "Refúgios para
Guardar Meu Pai" In blog
Espólio do
Sol
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* Cecília Meireles, "Mulher ao Espelho", in Mar Absoluto (1945)
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- Imagens: pinturas do paulista Giuseppe Giannini Pancetti, conhecido como
José
Pancetti (1902-1958)
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