Número 351 - Ano 14 |
São Paulo, quarta-feira, 13 de
abril de 2016 |
«Ó Deus de Bilac, Abraão e Jacó, / esta hora
cruel não passa?» (Adélia
Prado) *
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Antonio Brasileiro
Amigas e amigos,
Não é a primeira vez que o poeta, ensaísta e pintor baiano Antonio Brasileiro (1944-) enriquece com sua
lírica as páginas deste boletim. Ele já esteve aqui nas edições
n. 26,
em 2003, e n. 293,
dez anos depois. Retorna agora, graças ao lançamento recente de seu livro Lisboa 1935,
publicado pela Editora Mondrongo, de Itabuna-BA.
Lisboa 1935 envolve uma óbvia referência à cidade e ao ano de morte do múltiplo Fernando Pessoa,
poeta da admiração de Antonio Brasileiro. Não me lembro de já ter ouvido da boca do autor
baiano ou lido algum escrito seu a esse respeito. Mas quem conhece sua obra pode, sem medo,
identificar essa conclusão.
A própria trajetória poética de Brasileiro contém muito das indagações filosóficas que são
igualmente uma das marcas da poética pessoana. Para Elieser Cesar, outro poeta baiano, em
Lisboa 1935 Brasileiro deixa um pouco de lado as perquirições "incômodas e dolorosas"
e trafega por veredas mais amenas.
É verdade. Contudo, embora em tom mais atenuado, quem se apresenta nesse novo livro é o mesmo
autor que, no boletim de 2013, sugeri que pudesse ser visto como "o poeta da dúvida".
•o•
No poema que dá título ao volume, transcrito ao lado, Brasileiro é todo ternura com o múltiplo poeta
lisboeta. Considera sua idade atual e percebe que em 1935 Fernando Pessoa poderia ser seu filho.
Sem dúvida, um poema de pura sensibilidade. Leve, breve, suave (aqui, cito Pessoa), é um recado
no âmbito das almas e da poesia, um abraço lírico de Antônio para Fernando António (embora
Brasileiro não use o acento circunflexo).
No entanto, a leveza é relativa. Vejam o texto seguinte, "Mas talvez estejamos certos". O velho método
filosófico-dubitativo manifesta-se a partir da diferença sutil entre o título e o
primeiro verso, que são iguais, exceto por uma palavra: "não". Para início de leitura, as duas linhas
se negam. Mais: cada uma delas parece dar sequência a uma conversa ou indagação anterior.
Tudo começa com uma adversativa seguida de um advérbio de dúvida. Sugere-se, portanto, que alguma
ideia ou argumento já foi avaliado antes. Então, pode ser. Ou não.
Com base nessa indecisão, o poema convida ao sossego num cais próximo, "de onde navios não
partem". Eliminam-se, portanto, as ânsias de partir, os arroubos de enfrentar mares indômitos, descobrir
terras nunca dantes visitadas. Sim, mas o recolhimento proposto ainda não está à vista,
pois sobrevém outra dúvida: "E o cais, quem sabe não esteja / aqui perto!" De novo, a construção
dessa frase com o advérbio não dá margem a ambiguidades. Talvez o cais de fato esteja próximo.
Mas talvez não.
O poema "Velas" é outro momento de profundo lirismo, sem o nó das indagações. Uma canção
triste como a brisa do mar quando o sol vai sumindo no horizonte. "Eu, como ondas, vim. /
Como ondas, breve / vou voltar". Palavras que pedem música. Alô, compositores!
•o•
Lisboa 1935 é dividido em três partes. Da primeira, que tem o mesmo título do volume,
extraí os três poemas que abrem a miniantologia ao lado. As outras duas seções contêm extratos
de livros anteriores de Antonio Brasileiro: Longes Terras (2014) e Desta Varanda
(2011), dos quais extraí os três poemas seguintes.
"Dísticos" e "Estrela Íntima" vêm de Longes Terras. No primeiro texto, voltam as inquietações
do poeta, suas reiteradas tentativas de compreender os desajustes do mundo. Desencontros pessoais,
raivas, perdões. Como se comporta a consciência diante disso? Dizer alguma coisa ou permanecer calado?
No meio, a súmula amarga que, de várias formas, se pode encontrar em toda a obra de Antonio Brasileiro:
"Não há consertar o mundo: / o mundo é um desconcerto".
Um traço que se pode observar nas safras mais recentes da produção brasileiriana é a condensação dos
poemas. É como se o poeta, antes, estivesse empenhado em buscar emendas e reparos para o comboio de
nossas vidas. Mas, ao concluir que a máquina do mundo não admite conserto, o poeta passa a economizar palavras.
Em "Estrela Íntima", ele resume o espanto embutido naquelas velhíssimas perguntas: o que estamos fazendo aqui?
E qual o sentido disso tudo? Nesse poema, os versos curtos e ágeis giram em torno de outra pergunta que exprime
toda a perplexidade: "então, é só isto?"
E plangem "Os sinos da aldeia". Há alguns poemas que têm o condão de conquistar
nossa sensibilidade logo na primeira leitura.
Foi o caso, comigo, de "Estrela Íntima" e também desses sinos de província, que esbanjam clangores e langores. Não há mais o que
dizer sobre esses bronzes e seus impiedosos toques de metal. O poema diz tudo. E a noite vai caindo pouco a pouco.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
•o•
LANÇAMENTOS
* O Príncipe das Nuvens
* Milênios e Outros Poemas
• Ruy Espinheira Filho
O escritor baiano Ruy Espinheira Filho está lançando dois novos livros em São Paulo:
O Príncipe das Nuvens: Uma História de Amor Ditada pelo Espírito do Poeta C.A. Maior,
romance, que sai pela editora Descaminhos; e Milênios e Outros Poemas, pela Editora Patuá.
Quando: Quinta-feira, 14 de abril, 19 horas
Onde:
Patuscada Livraria e Café
Rua Luís Murat, 40 - Vila Madalena
São Paulo, SP
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E tudo entardecendo pouco a pouco
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Antonio Brasileiro
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Georgy Kurasov, russo, Mona Zina (2008)
LISBOA 1935
Eu queria ter vivido
ali.
Quem sabe, avistasse
o Fernando:
Olá, Fernando!
Eu, setenta anos. Ele,
meu filho.
Georgy Kurasov, Passeio de bicicleta (1999)
MAS TALVEZ ESTEJAMOS CERTOS
Mas talvez não estejamos certos.
Talvez só inventemos.
Para que, ao nos perdermos,
nos achemos.
Nos achemos no cais aqui perto.
De onde navios não partem.
E possamos estar finalmente
sossegados.
Mas talvez estejamos certos.
Viver não é inventar?
E o cais, quem sabe não esteja
aqui perto!
Georgy Kurasov, # 216 (2012)
VELAS
Quando estamos tristes,
somos tão só tristes.
Poucas são as velas
de alto mar.
Eu, como ondas, vim.
Como ondas, breve
vou voltar.
De Lisboa 1935 (2015)
Georgy Kurasov, A rainha de espadas (2002)
DÍSTICOS
Há os silêncios ocultos
e o não ter o que dizer.
Há o vulto dos passados
e a consciência calhorda.
A corda para enforcar
sustém os sinos da igreja.
Não há consertar o mundo:
o mundo é um desconcerto.
Há as tuas e as minhas raivas
e os meus e os teus perdões.
Ao cabo somos nós mesmos
inventando as soluções.
Georgy Kurasov, No café (2015)
ESTRELA ÍNTIMA
Quando, então, dizias
que é nosso o mundo
só estamos aqui
por acasos ínfimos
e nada mais somos
que o pó de uma estrela
que sequer existe —
eu ficava triste
e sentia medos:
então, é só isto?
E eu me recolhia
repensava uns fados
buscava uns amigos
amava as amadas
e taças de vinho —
e o mundo andava
por acasos ínfimos
pó de estrela ínfima
que sequer existe.
De Longes Terras (2014)
Georgy Kurasov, Culto ao Sol (2009)
OS SINOS DA ALDEIA
São tantos os caminhos desandados
e tantos os amores não havidos —
e a música do mundo nos ouvidos
esboroando-se contra rochedos;
são tantos os segredos não guardados,
tantas as moças tristes nos jardins —
e nós na ponte pênsil sobre nadas
e tudo entardecendo pouco a pouco;
ah, tantos os encontros soterrados
no mais fundo do peito iniludido —
tantas as vozes que jamais se calam
e falam e falam e falam e falam e falam!
E os sinos desta aldeia, clangorosos,
chamando-nos, chamando-nos, chamando-nos.
De Desta Varanda (2011)
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poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado,
2016
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Antonio Brasileiro In Lisboa 1935
Mondrongo, Itabuna, 2015 _____________
* Adélia Prado, "Ausência da Poesia", in O Coração Disparado (1978) _____________
* Imagens: obras do pintor russo
Georgy Kurasov (1958-)
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