Número 357 - Ano 14 |
São Paulo, quarta-feira, 13 de
julho de 2016 |
«Uns expiram sobre cruzes, / outros,
buscando-se no espelho.» (Cecília
Meireles) *
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Da esq. para a dir. e de cima para baixo: Cassiano Ricardo; Giuseppe Ungaretti;
Cacaso; Emílio Moura; Eugénio de Andrade; Affonso Manta; Mario Quintana; Emily
Dickinson; Lêdo Ivo; Adriane Garcia
Amigas e amigos,
Este boletim, mais uma vez, baseia-se no acervo do poesia.net. Aqui vai, portanto, mais uma edição centrada numa ideia. Desta vez, o eixo é: poemas curtíssimos, que conseguem dar seu recado lírico em pouquíssimas palavras.
Após vasculhar o histórico do boletim, selecionei dez micropoemas de dez autores diferentes. Não se trata de dizer que são os melhores poemas curtos já publicados. Foi difícil selecionar estes, inclusive porque tomei o cuidado de não pinçar textos de poetas publicados muito recentemente, inclusive na edição passada.
Mas tenham certeza: deixei de lado muitos outros “poemínimos” interessantes e resolvi ficar com apenas dez.
Portanto, repito: este boletim, assim como o anterior, inclui apenas poemas que já foram publicados no
poesia.net. Representam uma seleção mais ou menos arbitrária e não querem sugerir que sejam “os melhores” sob nenhum critério. Aliás, a sequência deles ao lado segue apenas a ordem cronológica das edições.
Os poemas são mínimos. Então, por uma questão de coerência, também não me estenderei nos comentários. Seria, de certo modo, um contrassenso. Vamos a eles.
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Cassiano Ricardo
poesia.net n. 2
O poemeto “Serenata Sintética”, do paulista Cassiano Ricardo (1895-1974), abre a seleção. Com seis palavras, que formam versos monossilábicos, o poeta, como sugere o título, sintetiza uma seresta à moda antiga.
Aliás, “seresta” e “à moda antiga” são termos redundantes. Ainda existem serestas? Pode o cantor metropolitano, na calçada, soltar a voz para a namorada que mora no vigésimo andar?
O poema de Cassiano foi publicado originalmente no livro Um Dia Depois do Outro, de 1947.
•o•
Giuseppe Ungaretti
poesia.net n. 143
O italiano Giuseppe Ungaretti (1888-1970), uma das vozes poéticas mais destacadas de seu país no século XX, escreveu o poema “Manhã” em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial. Não apenas
durante, mas na guerra.
Essa pequena joia de concisão — apenas quatro palavras — foi escrita enquanto o poeta era soldado na frente de batalha. Ungaretti é preciso na data e no lugar da composição: “Santa Maria La Longa, 26 de janeiro de 1917”.
•o•
Cacaso
poesia.net n. 199
Mineiro de Uberaba, o poeta, ensaísta e letrista Cacaso — apelido de Antonio Carlos Ferreira de Brito (1944-1987) — viveu desde criança no Rio de Janeiro. Deixou, na minha opinião, o legado mais consistente da chamada poesia marginal.
O poemínimo “Lar Doce Lar” saiu pela primeira vez no livro Na Corda Bamba, de 1978.
•o•
Emílio Moura
poesia.net n. 285
Também mineiro — porém da geração de Drummond, de quem era amigo —, Emílio Moura (1902-1971), no texto “Às vezes", reflete sobre a chegada da poesia. O amigo itabirano classificava sua poesia como música de câmara: “Peculiar surdina, íntimo violino, jeito manso de ser”.
•o•
Eugénio de Andrade
poesia.net n. 286
O poemeto “Espera”, do português Eugénio de Andrade (1923-2005) é de uma beleza extraordinária. Trata de amor usando um lirismo inventivo com traços de surrealismo. Foi publicado no livro
As Mãos e Os Frutos, de 1935.
•o•
Affonso Manta
poesia.net n. 297
No texto “De um rabisco”, o baiano Affonso Manta (1939-2003) oferece uma reflexão sobre a natureza do poema — a composição em verso. Para ele, o poema tem de ser perfeito, caso contrário come o poeta.
É curioso notar como esse pensamento se afina com as ideias do poeta e ensaísta mexicano Octavio Paz (1914-1998). Nos ensaios de
O Arco e a Lira, Paz defende que o poema é quem faz o poeta, e não o contrário. Para os menos avisados, isso parece um disparate.
Mas, analisando com cuidado, a dialética de Paz é firme e consistente. Afinal, só quem já escreveu um poema merecedor desse nome pode se dizer poeta. Portanto, o poema vem primeiro e, desse modo,
cria o poeta.
•o•
Mario Quintana
poesia.net n. 301
O haikai (ou haicai), de origem japonesa, é certamente a forma de poema breve mais celebrada no mundo inteiro. Nesta seleção, o poeta gaúcho Mario Quintana comparece com um texto chamado “Haikai”, embora não seja exatamente um haikai nos moldes clássicos: três linhas de 5-7-5 sílabas, além de outros detalhes.
No poemeto quintaniano, o que se destaca é uma bela metáfora para o nascimento da lua. “Haikai” foi publicado no livro
A Cor do Invisível, de 1989.
•o•
Emily Dickinson
poesia.net n. 306
A americana Emily Dickinson (1830-1886) — uma das poetas mais queridas de seus compatriotas e de muitos leitores no mundo inteiro — escreveu centenas de poemas de curtos. Na verdade, de seus 1775 poemas catalogados, a maioria se enquadra na classificação de poemetos.
De Emily escolhi o poema “1222”, com apenas quatro versos. A tradução, de Augusto de Campos, está no livro Emily Dickinson – Não Sou Ninguém – Poemas, de 2008.
•o•
Lêdo Ivo
poesia.net n. 326
O poeta alagoano Lêdo Ivo (1924-2012) acertou em cheio no lirismo quase descomprometido do poemínimo “O Dia dos Homens”. É leve, tranquilo e tem o ritmo de adágio popular rimado.
Esses seis versos saíram originalmente no livro O Rumor da Noite (1996-2000), um dos últimos publicados pelo poeta.
•o•
Adriane Garcia
poesia.net n. 334
“Esculturas Vivas”, da poeta belo-horizontina Adriane Garcia (1973-) tem o jeito
de uma observação captada em ambiente público: mulheres com filhos no colo dormindo.
O poemeto de Adriane saiu no livro O Nome do Mundo, de 2014.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
•o•
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10 poemas mínimos
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Cassiano Ricardo • Giuseppe Ungaretti •
Cacaso • Emílio Moura • Eugénio de Andrade • Affonso Manta •
Mario Quintana • Emily Dickinson • Lêdo Ivo • Adriane
Garcia
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Denis Sarazhin, ucraniano, Luz do sol
• Cassiano Ricardo
SERENATA SINTÉTICA
Lua
morta
Rua
torta
Tua
porta
• Giuseppe Ungaretti
MANHÃ
Santa Maria La Longa, 26 de janeiro de 1917
Ilumino-me
de imenso
MATTINA
Santa Maria La Longa il 26 gennaio 1917
M'illumino
d'immenso.
Denis Sarazhin, Uma memória que vale a pena guardar
• Cacaso
LAR DOCE LAR
p/ Maurício Maestro
Minha pátria é minha infância:
Por isso vivo no exílio.
• Emílio Moura
ÀS VEZES
Às vezes, subitamente, a poesia te visita.
Pura.
Infinitamente pura.
Como uma rosa.
Melhor ainda:
como a ideia de rosa.
Denis Sarazhin, Irmãs
• Eugénio de Andrade
ESPERA
Horas, horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.
Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.
• Affonso Manta
DE UM RABISCO
Há que deixar em paz o poema.
Ou o poema nos afeta.
O poema há de ser perfeito.
Ou ele come o poeta.
Denis Sarazhin, Cachecol
• Mario Quintana
HAIKAI
Silenciosamente
sem um cacarejo
a noite põe o ovo da lua...
• Emily Dickinson
1222
O Enigma decifrado
Despreza-se com pressa —
A Surpresa de Ontem
Já não nos interessa —
1222
The Riddle we can guess
We speedily despise —
Not anything is stale so long
As Yesterday's surprise —
(c. 1870)
Denis Sarazhin, Moça com flores
• Lêdo Ivo
O DIA DOS HOMENS
Viver é preciso.
Não existe Inferno
nem Paraíso.
Apenas o chão.
E uma persistente
chuva de verão.
• Adriane Garcia
ESCULTURAS VIVAS
Repare nas mães
Tendo ao colo filhos dormindo:
Pietás de carne e osso
Carregando destinos.
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poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado,
2016
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• Casssiano Ricardo
"Serenata Sintética" In Um Dia Depois do Outro
Cia. Editora Nacional, 1947 •
Giuseppe Ungaretti "Manhã" / "Mattina" In A
Alegria Tradução e notas de Geraldo Holanda Cavalcanti
Editora Record, Rio de Janeiro, 2003
• Cacaso "Lar Doce
Lar" In Beijo na Boca e Outros Poemas
Brasiliense, São Paulo, 1985 • Emílio
Moura "Às Vezes" In Itinerário
Poético – Poemas Reunidos Editora UFMG, 2a. ed., Belo
Horizonte, 2012 • Eugénio de Andrade
In Poemas de Eugénio de Andrade Seleção, estudo e
notas de Arnaldo Saraiva Nova Fronteira, Rio de Janeiro,
1999 • Affonso Manta
In Antologia Poética org. sel. e notas Ruy Espinheira
Filho Assembl. Legislativa/Academia de Letras BA, Salvador,
2013 •
Mario Quintana "Haikai" In Poesia
Completa Nova Aguilar, 1a. ed., 1a. reimpr., Rio de
Janeiro, 2006 •
Emily Dickinson "1222" In Emily
Dickinson: Não Sou Ninguém - Poemas sel. e trad. de
Augusto de Campos Editora da Unicamp, Campinas-SP, 2008 •
Lêdo Ivo "O Dia dos Homens" In Poesia
Completa (1940-2004) Topbooks, Rio de Janeiro, 2004 •
Adriane Garcia "Esculturas Vivas" In
O Nome no Mundo Armazém da Cultura, Fortaleza, 2014 _____________
* Cecília Meireles,
"Mulher ao Espelho", in Mar Absoluto (1945) _____________ * Imagens: quadros de
Denis Sarazhin (1982-), pintor
ucraniano contemporâneo
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