Halina Poswiatowska em Nova York, 1961
Amigas e amigos,
A poeta polonesa Halina Poswiatowska (1935-1967) é considerada um dos nomes mais importantes da literatura de seu país. Sua vida, muito breve, foi marcada por uma doença cardíaca congênita.
Em 1958, aos 23 anos, Halina foi submetida a uma cirurgia cardiológica em Philadelphia, nos Estados Unidos. Bem-sucedida, a intervenção lhe permitiu viver mais nove anos. Sua viagem (de navio, porque estava muito doente e não suportaria seguir de avião) e despesas médicas foram pagas pela solidariedade de poloneses residentes nos EUA.
Após a cirurgia, ela experimentou notável recuperação, mas não retornou imediatamente à Polônia.
Ainda sem saber inglês, matriculou-se no Smith College, em Massachusetts, e concluiu um bacharelado em 1961. Obteve em seguida bolsa para cursar filosofia na Universidade Stanford. Contudo, decidiu voltar para seu país natal. Halina Poswiatowska morreu, seis anos depois, aos 32 anos, em decorrência de uma segunda cirurgia do coração.
Escritora prolífica, teve suas obras reunidas na Polônia, em 1997. São quatro volumes, dois com centenas de páginas de poesia, um de prosa e outro de cartas. Poeta popular entre os poloneses, a autora tem muitas edições escolares e reedições de seus livros.
Um detalhe: o nome Poświatowska contém esse S com acento agudo do idioma polonês, que é pronunciado como uma espécie de sh. Contudo, para simplificar, vamos continuar escrevendo-o sem o acento.
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Halina Poswiatowska pertenceu à chamada Geração 56 da Polônia, grupo de escritores que começou a rejeitar as prescrições literárias do realismo socialista e passou a incluir em suas obras a subjetividade, até então indesejada. Halina estreou exatamente em 1956, em jornais, e com a coletânea Hino idolátrico. A autora publicaria ainda mais três livros de poemas: O dia de hoje (1963); Ode para as mãos (1966); e Mais uma lembrança (póstumo, 1968).
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Descobri a poesia de Halina Poswiatowska lendo na internet a (n.t.) Revista Literária em Tradução, publicação editada em Florianópolis e dedicada ao ofício do tradutor, em vários idiomas. Lá encontrei poemas de Halina vertidos para o português por Magdalena Nowinska, doutora em literatura e língua germânica pela USP. Magdalena nasceu na Polônia, cresceu na Alemanha e mora no Brasil.
Conhecendo-se os traços gerais da biografia de Halina Poswiatowska, fica mais fácil entender as palavras da tradutora Magdalena Nowinska: “Sua poesia, uma espécie de ‘diário lírico’ de sua existência, contrasta um ávido desejo de viver e de amar com um pressentimento da inevitabilidade da morte.”
De fato, a alegria de viver e a sombra da morte parecem traçar o ambiente no qual se move a criação lírica de Halina. “[Gosto de sentir saudade]”, por exemplo, constitui uma celebração dos sentidos, com referências a cores e sons e ao contato corporal (“abraça o céu com as mãos”, “pisa descalço na neve”).
Em “[Não tenho a antiga ternura]”, dor e alegria se misturam num bailado que, mais uma vez, gira em torno do corpo: “e lembro do gosto único de lágrimas / tão parecido com o de sangue”. No poema seguinte, “[A minha ocupação]”, o ato de desenhar as sobrancelhas ou pentear os cabelos (coisas do corpo) se entrelaça com observações cotidianas das ruas e da natureza.
“[Sempre quando quero viver]” é um hino desesperado de amor e atracação à vida. “penduro-me no pescoço dela / grito // morrerei se você me deixar”. O lirismo tocante de “[A minha sombra é uma mulher]” constitui um momento de pura epifania. Contrasta um pouco com o tom do poema seguinte, “[Pássaro do meu coração]”. Neste, a leveza ainda é a mesma, porém o final é melancólico. Aliás, sendo Halina Poswiatowska a autora, não se poderia esperar outro desfecho de um poema em que o sujeito lírico se dirige ao pássaro de seu coração.
Por fim, vem o poema “[Vivemos por um momento apenas]”, integrante do livro póstumo de Halina. A autora constrói doídas definições: “o amor é uma palavra / o cérebro uma caixa de metal / à qual diariamente dá-se corda / com a chave prateada da ilusão”. E conclui, logo no início, que “o tempo / é uma pérola transparente / repleta de respiros”.
Abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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MAIS HALINA POSWIATOWSKA
Para os eventuais interessados em saber mais sobre Halina Poswiatowska, há um site,
HalinaFAQ, no qual está reunida parte substancial de sua poesia, em traduções para o inglês e no original polonês.
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LANÇAMENTOS
Dois lançamentos e quatro eventos em dezembro: em São Paulo (dois), Belo Horizonte e Juiz de Fora.
Por Enquanto
• Izacyl Guimarães Ferreira
O
poeta carioca Izacyl Guimarães Ferreira lança seu novo volume de poemas, Por Enquanto,
na sede da União Brasileira de Escritores (UBE), em São Paulo.
Quando: Quinta-feira, 01/12/2016,
às 19h00
Onde:
Sede da UBE
Rua Rego Freitas, 454, 6º and. cj 61 República
São Paulo, SP
Estação das Clínicas
• Iacyr Anderson Freitas
O
poeta mineiro Iacyr Anderson Freitas sua nova coletânea de poemas, Estação das Clínicas (coedição Escrituras/ Funalfa), em três
eventos no mês de dezembro.
Belo Horizonte:
Quando: Quinta-feira, 01/12/2016,
das 19h30 às 21h30
Onde:
Espaço Cultural Letras e Ponto
Rua Aimorés, 388, s. 501/502 Funcionários
Belo Horizonte, MG
Juiz de Fora:
Quando: Terça-feira, 06/12/2016,
a partir das 19h30 (com show de Luizinho Lopes)
Onde:
Bar da Fábrica
Praça Antônio Carlos, s/n Centro
Juiz de Fora, MG
São Paulo:
Quando: Quarta-feira,14/12/2016,
das 19h00 às 21h00
Onde:
Bar Canto Madalena
Rua Medeiros de Albuquerque, 471 Vila Madalena
São Paulo, SP
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Uma pérola transparente
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Halina Poswiatowska
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Tradução: Magdalena Nowinska |
Jennifer Yoswa, pintora americana, Mulher com um segredo
[GOSTO DE SENTIR SAUDADE]
gosto de sentir saudade
escalar o corrimão do som e da cor
captar com lábios abertos
cheiros congelados
gosto da minha solidão
suspensa mais alto
do que uma ponte
que abraça o céu com as mãos
e do meu amor
que pisa descalço
na neve
De O dia de hoje (1963)
Jennifer Yoswa, Moça com uma tigela de mirtilos
[NÃO TENHO A ANTIGA TERNURA]
não tenho a antiga ternura pelo meu corpo
mas o tolero como um animal de carga
que é útil apesar de exigir muitos cuidados
e traz dor e alegria e dor e alegria
às vezes fica imóvel de tanto prazer
e às vezes serve de abrigo ao sono
conheço os seus corredores sinuosos
sei por qual deles chega o cansaço
e quais tendões o riso estica
e lembro do gosto único de lágrimas
tão parecido com o de sangue
os meus pensamentos — um bando de pássaros assustados
eles alimentam-se do campo do meu corpo
não tenho para ele a antiga ternura
mas sinto mais forte do que antes
que não alcanço nada além das minhas mãos esticadas
e nada acima daquilo ao qual me levantam as pontas dos meus pés
De Ode para as mãos (1966)
Jennifer Yoswa, Kate com um cigarro, uma coroa e uma blusa melhor
[A MINHA OCUPAÇÃO]
a minha ocupação principal é desenhar minhas sobrancelhas
desenho minhas sobrancelhas com a concentração
de mulheres já aterrorizadas
que furam as superfícies dos espelhos com olhares atentos
a esquina da casa pela qual passo toda manhã
a curva da rua que cruzo
os frágeis dedos do mofo abraçam os grãos de areia
as trincas nas paredes aumentam as trincas no chão crescem
ruas desmoronam, caem aos pedaços
o vento as dispersa para os quatro cantos
o vento brinca de esconde-esconde com elas
penteando o cabelo em volta do rosto
vejo as pedras serem encobertas por relva
De Ode para as mãos (1966)
Jennifer Yoswa, Willow
[SEMPRE QUANDO QUERO VIVER]
sempre quando quero viver grito
quando a vida me deixa
agarro-a
falo — vida
não me deixe ainda
a mão quente dela na minha mão
os meus lábios perto dos lábios dela
sussurro
vida
— como se a vida fosse um amante
que quer me deixar —
penduro-me no pescoço dela
grito
morrerei se você me deixar
De Ode para as mãos (1966)
Jennifer Yoswa, pintora americana, Mae
[A MINHA SOMBRA É UMA MULHER]
a minha sombra é uma mulher
descobri isso na parede
ela sorria com a ondulação das linhas
e o pássaro do quadril, de asas encolhidas,
cantava no galho do sorriso
árvore em flor
repleta de papagaios verdes
pendurados pelas asas
uma laranja madureza dourada
o sol brilha nas gotas
na chuva
árvore estreita e nua
meus lábios partidos os meus seios
a lua crescente dos meus cílios cintilou
e apagou-se
quando você apagou a chama do fósforo
e apoiou nos meus ombros as suas mãos
a minha sombra foi uma mulher
antes de desaparecer
De Mais uma lembrança (1968)
Jennifer Yoswa, Rosto
[PÁSSARO DO MEU CORAÇÃO]
pássaro do meu coração
não fique triste
jogar-lhe-ei uma semente de alegria
você cintilará
pássaro do meu coração
não chore
jogar-lhe-ei uma semente de ternura
você voará
pássaro do meu coração
com asas abaixadas
não se agite
jogar-lhe-ei uma semente da morte
você adormecerá
De Mais uma lembrança (1968)
Jennifer Yoswa, Gemini
[VIVEMOS POR UM MOMENTO APENAS]
vivemos por um momento apenas
e o tempo
é uma pérola transparente
repleta de respiros
os móveis são quadrados
o corpo, delicado
a terra, toda chata
o céu, inalcançável
o amor é uma palavra
o cérebro, uma caixa de metal
à qual diariamente dá-se corda
com a chave prateada da ilusão
da curiosidade de saber
da vontade de conhecer
do desejo de brilhar
da obstinação de existir
a compaixão é uma flor frágil
uma flor delicada
que às vezes floresce em sonhos
De Mais uma lembrança (1968)
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