Número 380 - Ano 15
|
São Paulo, quarta-feira, 12 de
julho de 2017
|
T.S. Eliot
Amigas e amigos,
Esta edição constitui uma revisitação ao boletim n. 149, publicado em fevereiro de 2006. O poeta em primeiro plano é T.S. Eliot, uma das vozes mais representativas da língua inglesa de todos os tempos e influência primordial para a poesia no século XX.
Nascido em 1888 na cidade de Saint Louis (Missouri, EUA), o crítico, ensaísta, poeta e dramaturgo Thomas Stearns Eliot era filho de uma família importante. As condições da família lhe permitiram estudar em Harvard, em Paris (na Sorbonne) e em Oxford, na Inglaterra. Em 1915, na Inglaterra, Eliot casou-se com Vivienne Haigh-Wood, uma compatriota americana, de quem se separaria em 1933.
Na segunda metade dos anos 20, ele, formado na igreja unitarista — seita protestante que negava o dogma da Trindade, reconhecendo Deus em uma só pessoa —, converte-se ao anglicanismo. Na mesma época, assume a cidadania britânica. Em 1957, Eliot casa-se com Esmé Valerie Fletcher, 38 anos mais jovem, que fora sua secretária. O poeta, prêmio Nobel de 1948, morre no início de 1965, aos 76 anos de idade.
•o•
Eliot foi um americano que escolheu ser inglês. Ele chegou a se descrever como “classicista em literatura, monarquista em política e anglo-católico em religião”. Suas obras mais marcantes são o poema
“The Love Song of J. Alfred Prufrock" (A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock), de 1917, e os volumes The Waste Land (A Terra Desolada), de 1922, e Four Quartets (Quatro Quartetos), de 1945.
Com referências cultas — Dante, Shakespeare, religiões orientais —, Eliot dedicou-se a experimentações poéticas que conquistaram grande influência na literatura moderna. Em
“J. Alfred Prufrock”, destaca-se o chamado “fluxo de consciência" do narrador (Prufrock), que apresenta imagens de seu subconsciente. É um poema eminentemente modernista, marcado pelo refrão
“In the room the women come and go / Talking of Michelangelo” (No saguão as mulheres vêm e vão / A falar de Miguel Ângelo").
•o•
Em The Waste Land (“Abril é o mais cruel dos meses”), Eliot traça um ambicioso painel poético sob a influência das desilusões deixadas pela Primeira Grande Guerra. Difíceis de enquadrar como gênero poético, os Quatro Quartetos compõem-se de quatro poemas longos que originalmente foram publicados em separado:
“Burnt Norton” (1936), “East Coker” (1940), "The Dry Salvages” (1941) e “Little Gidding” (1942). Os títulos correspondem a localidades inglesas. Cada um desses poemas contém cinco seções. No texto, há reflexões religiosas, históricas, físicas e metafísicas. Os versos longos são uma característica marcante da poesia de Eliot. Na pequena amostra ao lado, selecionei trechos de A Terra Desolada e dos Quatro Quartetos.
Eliot já foi extensamente vertido para o português. No Brasil, seu tradutor mais destacado é o poeta carioca Ivan Junqueira
(1934-2014). Primeiro, Junqueira trouxe para o nosso idioma a coletânea Poesia, publicada pela Nova Fronteira em 1981, que reúne os textos mais representativos do autor anglo-americano.
Depois, em 2004, Junqueira publicou uma edição bilíngue, T.S. Eliot – Obra Completa – Volume I (Editora Arx), que reúne toda a poesia do autor de Quatro Quartetos.
•o•
Leitor de Eliot há pelo menos três décadas, tenho apenas uma coisa a dizer a respeito desse poeta: é leitura para a vida inteira.
Abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
•o•
Curta o poesia.net no Facebook:
•o•
LANÇAMENTOS
Dois novos livros, um de contos e um de poesia, em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Primeiramente
(contos)
• Sonia Nabarrete e Vanessa Farias (orgs.)
Primeiramente...
Sim, é isso mesmo que você pensou: fora, Temer! Trata-se de uma coletânea de 17
contos, de 17 autores, todos ambientados em uma manifestação contra o desgoverno golpista de
Temer, na Avenida Paulista. As organizadoras, Sonia Nabarrete e Vanessa Farias, também são autoras.
O livro sai pela Alink Editora.
Quando: Sábado, 15/07/2017,
às 16 horas
Onde:
Sensorial Cerveja, Café & Discos
Rua Augusta, 2389 - Cerqueira César
São Paulo, SP
Precisamos Conversar
• Helena Ortiz
Precisamos Conversar é o título do novo livro
que a poeta e editora Helena Ortiz, gaúcha radicada no Rio de Janeiro.
O título sai pela Editora da Palavra, dirigida pela autora.
Quando: Terça-feira, 25/07/2017,
a partir das 19 horas
Onde:
Espaço Cultural Olho da Rua
Rua Bambina 6 - Botafogo
Rio de Janeiro, RJ
•o•
Renato e Patricia
FERNANDO PESSOA DÁ SAMBA?
A dupla mineira Renato Motha (violão, voz) e Patricia Lobato (voz, percussão)
prova que sim. Os dois já musicaram 50 poemas de Pessoa, que estão em dois
álbuns duplos intitulados Dois em Pessoa (vols. I e II). O vol. II está sendo
lançado agora. Gravaram também um disco chamado Rosas para João, em homenagem
a Guimarães Rosa, além de mantras orientais, jazz, bossa nova, Clube da Esquina.
Há muitas canções deles no
YouTube. Conheça melhor Renato Motha e Patricia Lobato
visitando seu sítio artístico:
Renato Motha e Patricia Lobato.
•o•
|
Quatro quartetos
|
• T.S. Eliot
|
|
William Schneider, americano, Mulher à espera
A Terra Desolada - IV
MORTE POR ÁGUA
Flebas, o Fenício, morto há quinze dias,
Esqueceu o grito das gaivotas e o marulho das vagas
E os lucros e prejuízos.
Uma corrente submarina
Roeu-lhe os ossos em surdina. Enquanto subia e descia
Ele evocava as cenas de sua maturidade e juventude
Até que ao torvelinho sucumbiu.
Gentio ou judeu
Ó tu que o leme giras e avistas onde o vento se origina
Considera a Flebas, que foi um dia alto e belo como tu.
DEATH BY WATER
Phlebas the Phoenician, a fortnight dead,
Forgot the cry of gulls, and the deep sea swell
And the profit and loss.
A current under sea
Picked his bones in whispers. As he rose and fell
He passed the stages of his age and youth
Entering the whirlpool.
Gentile or Jew
O you who turn the wheel and look to windward,
Consider Phlebas, who was once handsome and tall as you.
William Schneider, A prática faz a perfeição
Quatro Quartetos
BURNT NORTON
(trecho inicial da parte III)
Aqui é um lugar de desamor
Tempo de antes e tempo de após
Numa luz mortiça: nem a luz do dia
Que reveste formas de lúcida quietude
Transfigurando sombras em beleza transitória
E cuja lenta rotação sugere permanência
Nem a escuridão que purifica a alma
Esvaziando o sensual com privação
Purgando de afeto o temporal.
Nem plenitude nem vazio. Um bruxuleio apenas
Sobre faces tensas repuxadas pelo tempo
Distraídas da distração pela distração
Cheias de fantasmagorias e ermas de sentido
Túmida apatia sem concentração
Homens e pedaços de papel rodopiados pelo vento frio
Que sopra antes e depois do tempo, vento
Fora e dentro de pulmões enfermos
Tempo de antes e tempo de após.
Eructação de almas doentias
No ar estiolado, miasmas
Carregados pelo vento que varre as lúgubres colinas de Londres,
Hampstead e Clerkenwell, Campden e Putney,
Highgate, Primrose e Ludgate. Não aqui
Não aqui a escuridão, neste mundo de gorjeios.
Here is a place of disaffection
Time before and time after
In a dim light: neither daylight
Investing form with lucid stillness
Turning shadow into transient beauty
With slow rotation suggesting permanence
Nor darkness to purify the soul
Emptying the sensual with deprivation
Cleansing affection from the temporal.
Neither plenitude nor vacancy. Only a flicker
Over the strained time-ridden faces
Distracted from distraction by distraction
Filled with fancies and empty of meaning
Tumid apathy with no concentration
Men and bits of paper, whirled by the cold wind
That blows before and after time,
Wind in and out of unwholesome lungs
Time before and time after.
Eructation of unhealthy souls
Into the faded air, the torpid
Driven on the wind that sweeps the gloomy hills of London,
Hampstead and Clerkenwell, Campden and Putney,
Highgate, Primrose and Ludgate. Not here
Not here the darkness, in this twittering world.
William Schneider, Tranças
(trecho inicial da parte V)
As palavras se movem, a música se move
Apenas no tempo; mas só o que vive
Pode morrer. As palavras, após a fala, alcançam
o silêncio. Apenas pelo modelo, pela forma,
As palavras ou a música podem alcançar
O repouso, como um vaso chinês que ainda se move
Perpetuamente em seu repouso.
Não o repouso do violino, enquanto a nota perdura,
Não apenas isto, mas a coexistência,
Ou seja, que o fim precede o princípio,
E que o fim e o princípio sempre estiveram lá
Antes do princípio e depois do fim.
E tudo é sempre agora. As palavras se distendem,
estalam e muita vez se quebram, sob a carga,
Sob a tensão, tropeçam, escorregam, perecem,
Apodrecem com a imprecisão, não querem manter-se no lugar,
Não querem ficar quietas. Vozes estridentes,
Irritadas, zombeteiras, ou apenas tagarelas,
Sem cessar as acuam. A Palavra no deserto
É mais atacada pelas vozes da tentação,
A sombra soluçante da funérea dança,
O clamoroso lamento da quimera inconsolada.
Words move, music moves
Only in time; but that which is only living
Can only die. Words, after speech, reach
Into the silence. Only by the form, the pattern,
Can words or music reach
The stillness, as a Chinese jar still
Moves perpetually in its stillness.
Not the stillness of the violin, while the note lasts,
Not that only, but the co-existence,
Or say that the end precedes the beginning,
And the end and the beginning were always there
Before the beginning and after the end.
And all is always now. Words strain,
Crack and sometimes break, under the burden,
Under the tension, slip, slide, perish,
Decay with imprecision, will not stay in place,
Will not stay still. Shrieking voices
Scolding, mocking, or merely chattering,
Always assail them. The Word in the desert
Is most attacked by voices of temptation,
The crying shadow in the funeral dance,
The loud lament of the disconsolate chimera.
William Schneider, Corvo
EAST COKER
(trecho inicial da parte I)
Em meu princípio está meu fim. Umas após as outras
As casas se levantam e tombam, desmoronam, são ampliadas,
Removidas, destruídas, restauradas, ou em seu lugar
Irrompe um campo aberto, uma usina, um atalho.
Velhas pedras para novas construções, velhos lenhos para novas chamas,
Velhas chamas em cinzas convertidas, e cinzas sobre a terra semeadas,
Terra agora feita carne, pele e fezes,
Ossos de homens e bestas, trigais e folhas.
As casas vivem e morrem: há um tempo para construir
E um tempo para viver e conceber
E um tempo para o vento estilhaçar as trêmulas vidraças
E sacudir o lambril onde vagueia o rato silvestre
E sacudir as tapeçarias em farrapos tecidas com a silente legenda.
Em meu princípio está meu fim. Agora a luz declina
Sobre o campo aberto, abandonando a recôndita vereda
Cerrada pelos ramos, sombra na tarde,
Ali, onde te encolher junto ao barranco enquanto passa um caminhão,
E a recôndita vereda insiste
Rumo à aldeia, ao aquecimento elétrico
Hipnotizada. Na tépida neblina, a luz abafada
É absorvida, irrefratada, pela rocha grisalha.
As dálias dormem no silêncio vazio.
Aguarda a coruja prematura.
In my beginning is my end. In succession
Houses rise and fall, crumble, are extended,
Are removed, destroyed, restored, or in their place
Is an open field, or a factory, or a by-pass.
Old stone to new building, old timber to new fires,
Old fires to ashes, and ashes to the earth
Which is already flesh, fur and faeces,
Bone of man and beast, cornstalk and leaf.
Houses live and die: there is a time for building
And a time for living and for generation
And a time for the wind to break the loosened pane
And to shake the wainscot where the field-mouse trots
And to shake the tattered arras woven with a silent motto.
In my beginning is my end. Now the light falls
Across the open field, leaving the deep lane
Shuttered with branches, dark in the afternoon,
Where you lean against a bank while a van passes,
And the deep lane insists on the direction
Into the village, in the electric heat
Hypnotised. In a warm haze the sultry light
Is absorbed, not refracted, by grey stone.
The dahlias sleep in the empty silence.
Wait for the early owl.
William Schneider, Primeiro cello
(trecho inicial da parte III)
O escuro escuro escuro. Todos mergulham no escuro,
Nos vazios espaços interestelares, no vazio que o vazio inunda,
Capitães, banqueiros, eminentes homens de letras,
Generosos mecenas de arte, estadistas e governantes,
Ilustres funcionários públicos, presidentes de vários comitês,
Magnatas da indústria e pequenos empreiteiros, todos mergulham no escuro,
E escuros o Sol e a Lua, o Almanaque de Gotha,
A Gazeta da Bolsa, o Anuário dos Diretores,
E frio o sentido e perdido o fundamento da ação,
E todos os seguimos no silente funeral,
Funeral de ninguém, pois a ninguém há que enterrar.
Eu disse à minh'alma, fica tranqüila, e deixa baixar o escuro sobre ti,
Pois que aí tudo será treva divina. Como num teatro,
As luzes se apagam para a troca de cenários
Com um côncavo ribombo de asas, com um movimento de treva sobre treva,
E sabemos que as colinas e as árvores, o distante panorama
E a soberba fachada altiva estão sendo arrastados para longe
— Ou quando, no metrô, um trem se demora entre duas estações
E as conversas se animam e lentamente no vazio tombam
E vês por detrás de cada rosto aprofundar-se o vazio mental
Que semeia apenas o crescente terror de nada haver em que pensar;
Ou quando, sob o éter, o pensamento é consciente, mas consciente de nada —
Eu disse à minh'alma, fica tranquila, e espera sem esperança
Pois a esperança seria esperar pelo equívoco; espera sem amor
Pois o amor seria amar o equívoco; contudo ainda há fé
Mas a fé, o amor e a esperança permanecem todos à espera.
Espera sem pensar, pois que pronta não estás para pensar:
Assim a treva em luz se tornará, e em dança há-de o repouso se tornar.
O dark dark dark. They all go into the dark,
The vacant interstellar spaces, the vacant into the vacant,
The captains, merchant bankers, eminent men of letters,
The generous patrons of art, the statesmen and the rulers,
Distinguished civil servants, chairmen of many committees,
Industrial lords and petty contractors, all go into the dark,
And dark the Sun and Moon, and the Almanach de Gotha
And the Stock Exchange Gazette, the Directory of Directors,
And cold the sense and lost the motive of action.
And we all go with them, into the silent funeral,
Nobody's funeral, for there is no one to bury.
I said to my soul, be still, and let the dark come upon you
Which shall be the darkness of God. As, in a theatre,
The lights are extinguished, for the scene to be changed
With a hollow rumble of wings, with a movement of darkness on darkness,
And we know that the hills and the trees, the distant panorama
And the bold imposing facade are all being rolled away —
Or as, when an underground train, in the tube, stops too long between stations
And the conversation rises and slowly fades into silence
And you see behind every face the mental emptiness deepen
Leaving only the growing terror of nothing to think about;
Or when, under ether, the mind is conscious but conscious of nothing—
I said to my soul, be still, and wait without hope
For hope would be hope for the wrong thing; wait without love,
For love would be love of the wrong thing; there is yet faith
But the faith and the love and the hope are all in the waiting.
Wait without thought, for you are not ready for thought:
So the darkness shall be the light, and the stillness the dancing.
|
poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2017
|
T.S. Eliot • in
Obra Completa
– Volume I
– Poesia
Tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira Editora
Arx, São Paulo, 2004 ______________
* Eugénio de Andrade, "XLIX", in Branco no Branco (1984)
_______________
* Imagens: quadros de
William Schneider (1945-), pintor
americano
|
|