Amigas e amigos,
A poeta Patrícia Claudine Hoffmann já apareceu aqui no poesia.net
dois anos atrás, na edição n. 340. Nascida na capital paulista em 1975, Patrícia Hoffmann mora em Santa Catarina desde os seis anos de idade. É formada em letras e trabalha como professora de língua portuguesa.
Na seara poética, quem observa a incessante produção dessa paulistana-catarinense tem a impressão de que ela escreve tanto quanto respira. De fato, há sempre novos poemas dela no Espólio do Sol, seu blog pessoal, no Facebook e também em livros.
Agora, a autora retorna ao poesia.net, graças ao lançamento de dois títulos recentes: Matadouro Imperfeito, de 2016, e Feito Vértebras de Colibris, deste ano. No primeiro boletim, observei que Patrícia Hoffmann tende, quase sempre, a escrever uma poesia de traços abstratos,
meio surrealistas, marcada por imagens desconcertantes.
Na ocasião, escrevi: “O que está em jogo é uma incessante busca existencial, a indagação de significados em meio ao espanto e às dissonâncias do mundo. Com suas metáforas que desnorteiam as expectativas do leitor, talvez a poeta queira mesmo apontar para essas dissonâncias”.
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Após a leitura dos dois livros novos, mantenho essas impressões e acrescento alguns aspectos que somente agora se tornaram aparentes para mim. Em ambos os volumes recentes, observa-se que a poeta desenvolveu uma forte conexão com o mar. Numerosos poemas ou se referem diretamente ao mar ou, tratando de outros temas, lançam mão de metáforas marítimas, com peixes, redes, anzóis, barcos, escamas, espumas, naufrágios.
Para o presente boletim, pincei três poemas de Matadouro Imperfeito e três de Feito Vértebras de Colibris. Vamos aos textos do primeiro livro. Comecemos com
“[Nomenclatura Exausta]”. Lembro aos que não conhecem os procedimentos adotados aqui: quando o poema não tem título, usamos seu primeiro verso ou algumas palavras iniciais entre colchetes, à guisa de título, para facilitar as referências.
Nessa “nomenclatura exausta”, aparece outro tema que é repetidamente explorado nos dois livros recentes da autora. Trata-se da infância perdida, ou da infância como raiz das incompletudes e angústias existenciais do adulto. É como se objetos ou desejos perdidos no passado infantil fossem peças faltantes num quebra-cabeça que precisa ser montado agora. O tom é de perda: “A criança e suas escavações na praia: / castelos e costelas, /
e uns peixes já sem guelras”. E a perspectiva é sombria: as coisas perdidas na guerra —qual guerra? talvez os solavancos da vida — “convocam cemitérios”.
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No poema “[E Esses Cães no Vento]”, surgem, mais uma vez, a infância e a
paisagem marinha. Os cães que vêm no vento reconstroem “as patas da infância”.
Trazem assim o sal que “treina” nos olhos do personagem. O sal da lágrima, o sal
do mar. E me vem à lembrança a velha canção do italiano Gino Paoli: Sapore di sale /
Sapore di mare / Un gusto un po’ amaro / Di cose perdute...
Em “[Para as Navegações]”, o sujeito lírico invoca alguma entidade poderosa não nomeada
para que restaure seu nascimento, talvez como uma forma de começar tudo outra vez, e de forma correta, já
que seus “inícios” foram quebrados. E então vem o pedido patético de reconstrução dos objetos da infância: “meus animais de plástico / com rodinhas nas patas”.
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Passemos aos poemas de Feito Vértebras de Colibris. Em “De Onde me Aguardo”, a pessoa que fala parece ser a mesma do outro livro. Ou, se não a mesma, tem preocupações e buscas similares. Neste poema, ela apanha conchas na praia para fazer
um colar. Mais uma vez, o mar.
Em “Paisagem na Lagoa”, o ambiente é também marinho e o clima psicológico já se sabe: não é de festa. As redes de pesca têm
a forma de grades e o pescador solitário envolve-se com seus mantras de vento.
No último poema, “Respirações Possíveis Sobre o Amor”, a paisagem ainda é marinha. As definições do sentimento amoroso são primorosas. Há várias. Ele é “um rumor de remos / lançados em mares / nunca pequenos”. É
ainda “éter de atar vontades” e (ao que parece, depois que acaba) transforma-se
num “avatar envolto na selva / da saudade”. O amor também pode renascer. Mas,
vivo ou morto, sempre se mostra contraditório, como já
cantava Luís Vaz de Camões. É relento e alento. Mantimento e fome. E, para
completar, também é perigoso "gume entreaberto". Belo poema.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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