Amigas e amigos,
O poeta, jornalista e crítico literário português Rui Knopfli (1932-1997) nasceu em Moçambique, estudou em Lourenço Marques
(hoje Maputo) e em Joanesburgo, África do Sul. Filho de portugueses, contava em sua ascendência com um bisavô suíço, de quem herdou o sobrenome, segundo ele mesmo, “estranho”.
Durante as lutas pela independência de Moçambique, Knopfli integrou um grupo de
intelectuais que se opôs ao regime colonial. Jornalista, dirigiu o
diário A Tribuna no período 1974-1975. Também, junto com João Pedro Grabato
Dias (nome literário do pintor Antônio Quadros), publicou, entre 1971 e 1972, a
revista de poesia Caliban. Editou ainda o caderno Letras e Artes
da revista Tempo, no qual publicou traduções de numerosos poetas, a exemplo
de T.S. Eliot, William Blake, Sylvia Plath, Kaváfis, Dylan Thomas, Ezra Pound,
René Char e Octavio Paz.
Rui Knopfli viveu em Moçambique até os 43 anos. Em março de 1975, insatisfeito com os rumos do processo de descolonização do país, passou a viver em Londres como conselheiro de imprensa junto à embaixada de Portugal. Dedicou-se a essa atividade durante 22 anos, até
a morte, em 1997. Knopfli retornou à terra natal apenas uma vez, em 1989.
Existe até hoje uma polêmica sobre a “nacionalidade” da poesia de Rui Knopfli. Por ser filho de europeus nascido num país colonizado, alguns entendem que sua poesia não pode ser considerada moçambicana.
Contudo, o próprio poeta considerava-se africano. Em seu livro de estreia, escreveu, no poema “Naturalidade”: “Não sei se o que escrevo tem a raiz de algum / pensamento europeu. / É provável... Não. É certo, / mas africano sou.”
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Especificamente em poesia, Rui Knopfli publicou: O País dos Outros (1959); Reino Submarino (1962); Máquina de Areia (1964); Mangas Verdes com Sal (1969); Ilha de Próspero (1972); O Escriba Acocorado (1978); Memória Consentida – Vinte Anos de Poesia 1959-1979; O Corpo de Atena (1984); e O Monhé das Cobras (1997).
Os poemas ao lado foram extraídos do livro Antologia Poética, publicado em 2010 pela Editora UFMG, organizado por Eugénio Lisboa. A obra integra a coleção Poetas de Moçambique, dessa editora universitária mineira, que também já deu a público antologias de José Craveirinha e Luís Carlos Patraquim.
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Uma curiosidade sobre a poesia de Rui Knopfli é sua leitura dos brasileiros, especialmente Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Em diversos poemas do luso-moçambicano é possível localizar ecos desses dois poetas. São, às vezes, referências discretas. Mas há casos, como no poema “Terra de Manuel Bandeira”, em que as citações são explícitas.
Nesse poema, publicado em 1959, o poeta diz que também gostaria de ir-se embora pra Pasárgada, como propõe a mais famosa página de Bandeira. Mas ele se sente preso à família, à cidade e às recordações pessoais. De forma bem-humorada, lembra
ainda que a entrada em Pasárgada seria limitada e que seus amigos e familiares não são amigos do rei.
No poema “Ginástica Aplicada”, Rui Knopfli diz: “Meu verso cínico é minha terapêutica / e minha ginástica". Isso nos traz à mente o Carlos Drummond de Andrade de “Explicação” (Alguma Poesia, 1930): “Meu verso é minha consolação. / Meu verso é minha cachaça”.
A sombra de Drummond também está presente em “Então, Rui?”, poema no qual o autor traça um autoperfil caregado de ironia. A mesma irrisão aparece em “Posteridade?”. O poeta não acredita na consagração. “Então / meu nome começará aparecendo / nas selectas e, para tédio / de mestres e meninos, far-se-ão / edições escolares de meus livros. / Nessa altura estarei esquecido”.
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Mas nem só de ironia vive o poeta. Há também momentos de reflexão sobre a própria arte de escrever poesia. É o caso do poema “Programa”, que termina com uma fórmula interessante: “Fácil é fazer difícil, / difícil fazer o fácil”. Há ainda essa declaração de lusitanidade,
expressa no poema “Autorretrato”. Nele o poeta destaca uma longa lista de heranças portuguesas. Do episódico bisavô suíço, restaram-lhe apenas “um relógio de bolso antigo e um vago, estranho nome”.
Poemas como “Ginástica Aplicada”, “Então, Rui?” e “Posteridade?” fazem parte do livro Mangas Verdes com Sal, de 1969, considerado
pelos críticos a obra na qual o poeta começa de fato a apresentar sua produção mais madura.
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No balanço de vida traçado no poema “Derrota”, Rui Knopfli põe em primeiro plano sua “mágoa índica, doída saudade ao sol- / poente de praias na distância”. Em toada de gosto lusitano, o poeta padece a nostalgia do litoral de Moçambique. Inclui-se entre “argonautas privados de deuses e mitos” e, além de tudo, “na pátria indesejados”. E conclui, com tristeza: “Ainda que cantar seja seu modo, / não canta, chora meu canto”.
“A Casa da Areia”, o último texto da seleta ao lado, é outro poema marcado pela saudade de Moçambique. Lembra uma casa onde se reuniam parentes e amigos. A segunda estrofe, aos meus ouvidos, reverbera a “Quadrilha” de Drummond: “a Isilda casaria com o Freitas / a Ermelinda ia ficar para tia / e o Horácio dava em droga. / O Neca, o Tino e o Mando foram / à vida, cada qual para seu lado”.
Como se vê, os nomes são bem parecidos com os nossos, e também os destinos. Só faltou aparecer aí um certo J. Pinto Fernandes, com seu nome de pessoa jurídica estabelecida no ramo de secos & molhados. Um detalhe: “o Horácio dava em droga” quer dizer: fracassou, “não deu pra nada”.
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Vale destacar, por fim, que Rui
Manuel Correia Knopfli (este o nome completo do poeta) sentia-se completamente à vontade na questão das
influências. No poema “Contrição”, incluído em Mangas Verdes com Sal,
ele deixa bem claro: “Aqui se detecta Manuel Bandeira e além / Carlos Drummond de Andrade também /
brasileiro”. Mais adiante, após a citação de vários poetas internacionais, escancara: “também furto em Vinicius /,
Eliot, Robert Lowell, Wilfred Owen, / e Dylan Thomas”.
E a lista de autores “furtados” não para por aí. Tanto que o poeta proclama:
“sou o Robin Hood dos Parnasos e das Pasárgadas”.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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