Amigas e amigos,
O poeta, tradutor e crítico literário paulistano Carlos Felipe Moisés (1942-2017) estava na lista de futuros boletináveis do poesia.net desde o lançamento de seu Dádiva Devolvida – Poemas Escolhidos (2016). Adquiri o livro no início deste ano. Li os poemas, marquei alguns para o boletim.
Contudo, meu processo foi demasiado lento, e a indesejada das gentes chegou primeiro: sem aviso, levou o poeta em agosto último. Assim, este boletim transformou-se inapelavelmente numa homenagem póstuma.
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Carlos Felipe Moisés desenvolveu uma longa e profícua atividade literária. Em 1961 começou a colaborar no “Suplemento Literário” do jornal O Estado de S. Paulo, escrevendo artigos e resenhas. No ano seguinte, entrou no curso de letras da USP, onde se graduou e também
fez o mestrado e o doutorado. Professor universitário,
lecionou na Faculdade de Filosofia de São José do Rio Preto (SP), na PUC-SP e também na USP.
Como crítico, Carlos Felipe publicou numerosos livros, dedicados
principalmente à análise da poesia moderna e contemporânea. Seus trabalhos mais recentes foram Frente & Verso – Sobre Poesia e Poética (2013), Tradição e Ruptura (2012) e Balaio: Alguns Poetas da Geração 60 (2012).
Como poeta, estreou em 1960, com o livro A Poliflauta, ao qual, ao longo dos anos, seguiram-se várias outras coletâneas. As mais recentes foram Disjecta Membra (2014) e Noite Nula (2008). No já citado Dádiva Devolvida, de 2016, o poeta organizou uma antologia com poemas de toda a sua trajetória.
Todos os textos da seleção ao lado foram extraídos dessa antologia.
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O primeiro poema de nossa seleção é “Um Copo Sobre a Mesa”. Publicado no livro Disjecta Membra (2014), esse poema exibe um momento da refinada sensibilidade do poeta. Em resumo, o sujeito lírico diz que, ao curvar-se para pegar um copo sobre a mesa, foi assaltado por lembranças íntimas, quase eróticas.
Diante da emoção, ele próprio se espanta: “como pode um simples / copo sobre a mesa / abrigar, vadia, tanta luz?”
O poema seguinte, “Desenho” (do livro Lição de Casa, 1998), é outro exemplo de
leveza e refinamento. Aqui, a poesia se equilibra com apoio da imaginação visual. O desafio é tentar pintar ou esculpir
uma figura contando com a inabilidade de
um não artista. A solução parece vir com os devaneios do poeta, que afinal faz o pássaro — o objeto a ser desenhado — vir pousar em sua mão.
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O poema “Carrego as Estações” provém, originalmente, do livro Círculo Imperfeito (1978). Neste
texto de lirismo bucólico, o poeta reflete sobre nossa relação com o passar do tempo. “Pasto de segredos, / mescla de memória e desejo, / meu corpo caminha com a chuva”... E no fim o que sobra de nós vai parar num mar onde nos espera a memória.
“Clima”, o próximo poema, é mais sucinto. Compara áreas de extremo rigor climático do planeta (desertos, geleiras) com a desconhecida região onde ferve “a lava hibernada / das paixões extintas”.
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No poema “Carpe Diem”, Carlos Felipe Moisés assume um diálogo com o heterônimo pessoano Ricardo Reis. No texto, assim como nas odes de Ricardo Reis, os pensamentos são dirigidos a uma interlocutora de nome Lídia. A sintaxe é a mesma de Reis. Até o verso “Abandona de vez essas volucres (Lídia) rosas / e deixa-as fanar” é similar à interrupção parentética da frase no poema de Reis onde aparece o termo “volucres”.
Conforme o dicionário, “volucre” é variante de “vólucre” e significa efêmero, transitório, que tem vida curta — palavra perfeitamente aplicada às rosas. O texto de Ricardo Reis é: “As rosas amo dos jardins de Adônis, / Essas volucres amo, Lídia, rosas, / Que em o dia em que nascem, / Em esse dia morrem”.
Há também uma reacomodação da ode ao contexto brasileiro. Ricardo Reis diz: “Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio”. Carlos Felipe, amazonicamente, convida: “Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do igarapé”. Ele também destoa de Reis
em mais de um trecho, e especialmente quando reclama: “Vem, Lídia, vem e esquece / as mãos que o diabo do Reis desenlaçou. / De que te serve a lembrança do que não foi?”.
Se, aos olhos de Reis, a relação com Lídia é platônica, apenas motivo para filosofar, Carlos Felipe, ao contrário, acredita que é possível aproveitar o dia. Traz até para o enredo a presença dos “fogosos pavões vermelhos / do baiano poeta Sosígenes”, uma referência a Sosígenes Costa (1901-1968). Aliás, o pavão vermelho de Sosígenes corresponde exatamente à alegria, sentimento que também
é estranho ao modo taciturno de Reis.
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O poema “Manuel/Manoel” configura uma homenagem aos dois grandes Manu(o)éis da poesia brasileira: o pernambucano Bandeira, com U, e o mato-grossense de Barros, com O. Por fim, vem “Não eras mais”, um bonito poema dedicado a um garoto de nome Rodrigo que viveu apenas cinco ou seis anos, talvez algum parente ou amigo do poeta.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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