Amigas e amigos,
A poeta mineira Adriane Garcia (Belo Horizonte, 1973) já esteve aqui no poesia.net, na edição n. 334,
em junho de 2015. Artista de múltiplas artes — além de poesia, escreve ficção, textos teatrais, e é atriz —, ela tem um talento
especial para descobrir novas minas de exploração poética.
Sua coletânea mais recente, Fábulas para Adulto Perder o Sono, é um exemplo disso. Lançado em 2013, esse livro conquistou o
Prêmio de Literatura do Paraná - Helena Kolody. Agora foi relançado pela editora carioca Confraria do Vento, em versão ampliada
por um punhado de poemas inéditos.
Em suas histórias destinadas a assombrar adultos, Adriane Garcia recria fábulas de Esopo e La Fontaine e também o contexto de personagens
conhecidos, como heróis de filmes e figuras da tradição oral. Contudo, em lugar de propor ensinamentos morais conforme a tradição
fabulística, a autora ruma para o desvio, com maciças doses de ironia e desvelamento da realidade. Portanto, ao ler essas fábulas,
o leitor não encontrará exemplos edificantes. Afinal, quem disse que o mundo real dá prêmios aos bonzinhos? Aqui, as histórias não têm moral
nem piedade.
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Para este boletim, selecionei algumas das dezenas de fábulas reinventadas pela poeta. No poemeto “Para a Enteada”, baseado na história
da Cinderela, a heroína descobre, tardiamente: o espelho que a “má-drasta” lhe dera sempre mentira sobre sua beleza. O espelho,
claro, era o porta-voz das ideias da mulher que a escravizava.
O poema “A princesa e o mentiroso”, por sua vez, parte do conto infantil O Gato de Botas. Mais uma vez, revela-se uma fraude,
descoberta pela ludibriada consorte (ou sem sorte?) do Marquês de Carabás. Em “A Fera e a Fera”, o título já diz tudo: trata-se de
uma história de amor na qual a mulher que deveria ser “a bela” também se converte em fera. Tudo por causa do “amor”.
“O Sapo e a Princesa” é outra fábula de Adriane Garcia em que o título já faz supor que algo está fora de lugar. Em vez de anunciar o
príncipe encantado na forma de sapo, o título dá a entender que o batráquio é quem assume o primeiro plano da história. Mas há ainda
outras esquisitices, que eu prefiro deixar que você mesmo(a) descubra.
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O “Patinho Feio” é hilariante. A ave, pobrezinha, nasce toda fora do esquadro. Não resisto ao trocadilho: é um pato cheio de patologias.
E seu destino entre as aves de sua convivência não pode ser dos mais gloriosos. Nesta fábula ele não encontra consolo nem ajuda. Aqui,
o pato é quem paga o pato.
No poema “Os Três Porquinhos”, os protagonistas são os conhecidos personagens dos relatos infantis. Mas quem tira o sono dos porquinhos
não é o Lobo Mau, mas os fazendeiros, seus donos. O trio suíno sabe muito bem que seu destino é o abatedouro. E trata de
inventar outro caminho.
No último texto da seleção, “O Pesadelo”, a promessa de tirar o sono de adultos se cumpre integralmente. A pessoa que fala no poema é
assombrada por um sonho angustiante, no qual está para ser executada num cadafalso. Adriane Garcia sabe cumprir o que promete.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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POESIA.NET: 15 ANOS
Como se pode ver no cabeçalho do boletim, começamos aqui a comemoração
dos 15 anos deste poesia.net, que serão cumpridos no próximo dia 12
de dezembro. Já enviei a todos os assinantes uma mensagem pedindo sua
opinião. A resposta foi vasta e emocionante.
Há surpresas a caminho até a data do aniversário.