Amigas e amigos,
O poeta paulista Tarso de Melo (Santo André-SP, 1976) já apareceu nesta página quando o poesia.net estava
dando seus primeiros passos (boletim
n. 31). Naquela ocasião, agosto de 2003, o boletim destacou o quarto livro do poeta, Carbono (2002).
Dali até este momento, o poeta — escritor inquieto e prolífico — já
publicou um bom punhado de livros. Em 2015, lançou
Poemas, uma reunião dos títulos que produziu de 1999 a 2014. Agora, volta à carga com novo livro, Íntimo Desabrigo
(Dobradura/ Alpharrabio, 2017).
Em toda a sua trajetória, um traço que se mantém na poesia de Tarso de Melo é a ligação visceral com a realidade. No boletim
de 2003, esse ponto foi ressaltado. Agora, tendo nas mãos a reunião de Poemas
até 2014 e o novíssimo Íntimo Desabrigo, constato essa louvável
permanência.
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Foi o modernismo que trouxe, de fato, o cotidiano para a poesia. Antes, o poeta se encastelava em sua torre de marfim e, armado
de rimas esplêndidas, tratava de ouvir e decifrar estrelas. O modernismo lançou o poeta no meio da rua,
fazendo-o pisar o chão dos mortais.
Tarso de Melo é um dos aedos da nova geração que mais se pautam por esse
olhar pedestre instalado na poesia
desde Baudelaire. Se há transcendência, ela salta do pó, da convivência das pessoas, dos seus embates em busca da sobrevivência
e da felicidade.
Outro aspecto que se destaca na poesia de Tarso de Melo é o tom crítico, o inescapável sentimento de mal-estar diante da realidade,
das injustiças e da vida (para a maioria) levada sem chance de voo ou plenitude. O título Íntimo Desabrigo, de certo modo,
retrata esse desconforto.
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Para este boletim, selecionei alguns poemas de Tarso de Melo. Começo com dois textos do livro mais recente, Íntimo Desabrigo.
O primeiro é “Maria”, poema dedicado a uma tia do autor que foi “curtir o Natal noutras estrelas”. Fiel a sua poética do cotidiano,
Tarso de Melo consegue inserir o passamento de uma pessoa querida nas tramas do dia a dia.
Diz que ela possuía um “coração-fortaleza” — mas corrige rapidamente: opa, fortaleza, não, “coração-recife” (tanto quanto sei,
os ascendentes do poeta são pernambucanos). Mas, fortaleza ou recife, fica valendo a ideia do coração inquebrantável da saudosa tia.
O poema seguinte é “Manu”. São apenas três versos e — diante de tantos descalabros no destroçado Brasil dos últimos meses
— a vontade de ver a ação de um deus “que desfizesse” tanta destruição, tanto malfeito, tanta desfaçatez.
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Vem depois o poema “B. Brecht”, uma
referência ao poeta e dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956). Aqui o autor
enfeixa uma série de indicadores da sociedade de consumo: “não sabemos como veio
o homem sem isto até hoje”. Entre essas maravilhas disponíveis no mercado,
encontra-se até “o cirurgião que nos redimirá / de encontrar sempre a mesma pessoa no espelho”.
Como se vê, pessoas são também itens do varejo — compram-se, vendem-se.
A seleção prossegue com dois poemas, “Dez” e “Um”, extraídos do livro Lugar Algum (2007). No primeiro, certas “aves” de mau agouro da
paisagem urbana “(com suas fomes / e camisetas de eleições passadas, / cobertores encharcados / e distintos cães pessoais)” são vistas a
rondar a saída dos restaurantes após o almoço (não delas, mas de outras aves de
melhor fortuna). Mais uma vez, são as sensíveis antenas do poeta que captam
um instantâneo de nossa triste e secular desigualdade.
Pertencente à mesma série de “Dez”, o poema “Um” apresenta fotografia similar. Agora é um pedinte (homem? mulher?) com suas pernas disformes
exibidas na rua junto às atrações de uma vitrine comercial. “Mercadoria estranha” que provoca alguns segundos de constrangimento forçado
para quem passa preocupado com as alegrias e urgências do consumo.
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Transcrevo, por fim, o poema “Ready-made”. Nesse texto, o poeta recolhe no noticiário de fofocas uma infinidade de manchetes a respeito da
supermodelo britânica Naomi Campbell. Todas as frases pertencem à imprensa. Ao poeta coube apenas o olho crítico de juntá-las. O
texto
foi publicado originalmente no livro Caderno Inquieto (2012).
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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POESIA.NET: 15 ANOS
Continua a festa dos 15 anos do boletim. Agora, uma
novidade: um site especial só para as
comemorações. Homenagens aos poetas e aos leitores.
Se você respondeu à carta que enviei há duas semanas,
seu nome está lá. Confira:
Site poesia.net 15 anos.
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LANÇAMENTOS
A Rosa Branca
• Plínio Junqueira Smith
O poeta
e professor Plínio Junqueira Smith lança em São Paulo sua nova coletânea de poemas, A Rosa Branca, publicada pela Chiado Editora.
Quando:
Terça-feira, 05/12/2017,
às 18h30
Onde:
Livraria da Vila
Alameda Lorena, 1731 - Jardim Paulista
São Paulo, SP