Amigas e amigos,
Uma semana atrás, no dia 12/12, este boletim completou 16 anos em circulação. No ano passado, na época dos 15 anos, organizei edições festivas, das quais
participaram diretamente mais de uma centena de leitores. Desta vez é diferente. Dezesseis, claro, não é um número tão significativo. Depois, os
tempos estão mais para preocupação do que para festas. De todo modo, fica o registro do aniversário.
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É importante destacar que, como sempre fizemos, este é o último boletim do ano. O poesia.net entra em recesso de verão.
Esperamos voltar com mais poesia em fevereiro de 2019.
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Para esta edição, decidi revisitar a obra da poeta e professora universitária Iracema Macedo (Natal-RN, 1970), autora que já esteve aqui em duas
outras ocasiões: no poesia.net número 321,
de outubro/2014, e no número 193, de dezembro/2006.
O que me faz retornar a Iracema Macedo é uma observação pessoal: penso que a poesia dela está entre as que mais representam o universo
feminino nestes primeiros anos do século XXI. Os versos de Iracema incorporam múltiplas histórias de mulheres, com suas lutas e dúvidas,
conquistas e desalentos.
São de fato numerosas as figuras femininas que visitam seus poemas, desde nomes da mitologia grega e personagens históricas até pessoas
completamente desconhecidas. É como se, com essa população, Iracema quisesse abranger todas as mulheres do mundo.
Poemas que destacam outras mulheres podem ser encontrados nos boletins anteriores. Ali aparecem, por exemplo, a conhecida Dona Chica, aquela que se admirou
com o berro do gato na cantiga infantil. Também lá estão a arquiteta-paisagista brasileira Lota de Macedo Soares; Clara, a santa católica; e Eurídice, a
amada do poeta Orfeu na mitologia grega. Esta última personagem, aliás, dá título ao livro Invenção de Eurídice (2004), no qual Iracema Macedo
inverte o gênero da epopeia de Jorge de Lima, Invenção de Orfeu.
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Passemos à seleção deste boletim. No primeiro poema, “Luíza”, apresenta-se uma mulher que se autodefine como uma figura “imprecisa”: “não tenho fórmula / não me equaciono / não tenho lógica”.
E, para deixar seu pretendente mais tonto, Luíza afirma: “não tenho siso nem senso / e ando vestida de vento”.
Outra figura surpreendente e rebelde vem na “Canção da Mulher que Virou Barco”. Trata-se de uma criatura que se reconhece como trangressora e que, transformada
em barco, vale-se do amante como um farol que guia sua navegação jorrando luz sobre seus seios.
O poema “Carpe Diem”, como anuncia o próprio título, constitui um convite a aproveitar a convivência amorosa, no aqui e agora, sem grandes devaneios: “Não precisa ser um longa
metragem / pode ser um curta / sem nenhuma tempestade”.
Na bela “Canção de Amor para uma Moça Judia”, alguém se apaixona pela mulher, Rosinha Palatnik, que conhece apenas pelo retrato dela mostrado num túmulo,
onde também lê a informação de que ela morreu em 1936, aos 20 anos de idade.
O último poema da seleção é “Beatriz”, mulher que espera incansavelmente o amado que não retorna. Ou será que retorna?
Um abraço, e até fevereiro.
Carlos Machado
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ARTEMISIA GENTILESCHI
Para fazer o título deste boletim “rimar” ainda melhor com as ricas personagens de Iracema Macedo, decidi ilustrar a página com quadros da pintora barroca
italiana Artemisia Gentileschi (1593-1656), a primeira mulher a se tornar membro da Academia de Belas Artes de Florença.
A vida de Artemisia foi marcada por um evento traumático. Seu pai contratara o paisagista Agostino Tassi para lhe dar aulas de pintura. Tassi violentou a aluna
e prometeu casar-se com ela, mas desistiu da promessa. Artemisia prestou queixa do estupro. Para comprovar a acusação, ela teve de se submeter a exame
ginecológico e foi torturada. Tassi acabou condenado a um ano de prisão, mas não cumpriu a pena,
pois o juiz lhe deu a opção de ir para o exílio.
O episódio marcou a vida e a arte de Artemisia, que passou a pintar mulheres fortes e
guerreiras, em geral extraídas da Bíblia. Em seu primeiro trabalho, ela pinta o episódio bíblico Susana e os Anciões (1610) — veja ao lado. Conforme a
Bíblia católica, Susana, uma esposa judia, é chantageada por velhos que a espionam enquanto se banha no jardim. Os anciões ameaçam denunciar falsamente que
a moça vem se encontrando com um amante, caso ela não concorde em entregar-se a eles.
Outros quadros de Artemisia vão mais longe ainda. Na tela Jael e Sísera, mostrada ao lado,
ela apresenta o episódio bíblico no qual uma mulher israelita chamada Jael (ou Yael) mata Sísera, chefe de exército inimigo, cravando-lhe uma estaca
na cabeça, com um martelo, enquanto ele dorme. Há ainda telas de Artemisia chamadas Judite Decapitando Holofernes; e Salomé com
a Cabeça de João Batista. Com essas obras, a artista lembra a todo momento — simbolicamente, e com a ajuda da Bíblia — a força do chamado sexo frágil.
Muitos consideram Artemisia Gentileschi a primeira protofeminista da História.
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CANÇÃO QUE VIROU MÚSICA
Em alguns casos, reenvio o boletim quando cometo um erro que demanda correção imediata. Desta vez acontece o contrário: a versão 2 deste boletim se deve
a um acerto. Não meu, mas de um grupo de artistas de Currais Novos-RN e da própria poeta Iracema Macedo.
Em resposta à primeira versão do boletim, a poeta Iara Maria Carvalho,
de Currais Novos, me enviou uma mensagem informando que o compositor Wescley Gama musicara o poema “Canção de amor para uma moça judia”, citado no boletim.
Nada melhor que ampliar e adaptar o boletim para uma versão 2, agora incluindo
música e vídeo. No clipe, com cenas filmadas na Necrópole do Alecrim, em
Natal-RN, as vozes são da cantora Paula Érica e de Wescley Gama, integrantes —
assim como a poeta Iara Maria Carvalho — do grupo de ação cultural Casarão de
Poesia, de Currais Novos.
Um grande abraço e obrigado aos amigos potiguares.
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