Amigas e amigos,
Esta edição do poesia.net reúne dois poetas mineiros com poemas que tratam de um dos problemas mais graves que hoje afligem seu
estado natal: os rompimentos de barragens com rejeitos de mineração, a exemplo do que ocorreu em Mariana (novembro de 2015) e em Brumadinho (janeiro de 2019).
Os poetas são velhos conhecidos desta página: Iacyr Anderson Freitas (edições n. 373
e n. 29) e Carlos Drummond de Andrade
(n. 411, n. 375,
n. 352 e várias outras).
Tive a ideia de juntar os dois neste boletim ao ler a edição especial (março 2019) da revista Correio das Artes, suplemento
literário do jornal A União, do governo da Paraíba. Com justo orgulho, o Correio está comemorando 70 anos de publicação
ininterrupta — o que lhe dá o título de suplemento de artes e literatura mais antigo do país. Parabéns ao Correio das Artes.
Pois bem, nessa edição da revista encontrei o poema “Vale quanto lesa”, de Iacyr Anderson Freitas, escrito no calor da hora, em 21/02/2019,
logo após a catástrofe em Brumadinho. Mais de 220 mortos confirmados, cerca de
70 desaparecidos e uma devastação social, econômica e ambiental
de proporções dantescas. Pior ainda: uma série de outras barragens de mineração também apresentam risco de rompimento em cidades mineiras como
Nova Lima, Barão de Cocais e Ouro Preto.
Pensei, inicialmente, em montar o boletim apenas com base no poema de Iacyr. Obtive dele a autorização para usar o texto. Depois, percebi que
era o momento de voltar a Drummond, que durante décadas se dedicou a criticar a forma predatória como a Vale — ex-Companhia Vale do Rio Doce —
processa a exploração do minério de ferro em sua cidade natal, Itabira. Conforme o noticiário,
lá também há dúvidas oficiais quanto à estabilidade
de seis barragens com rejeitos minerais.
Não posso tocar neste assunto sem citar o excelente livro de José Miguel Wisnik Maquinação do Mundo — Drummond e a Mineração (Cia. das
Letras, 2018). Nesse ensaio o autor discute a obra literária de Drummond e sua relação com a história da mineração em Minas Gerais,
especialmente da Vale em Itabira.
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Mas chega de prolegômenos. Vamos aos poemas.
Sob o impacto da catástrofe, Iacyr Anderson Freitas, em “Vale quanto lesa”, procede a uma análise lírica dos caminhos da mineração. Para assegurar
os altos lucros do negócio, “vales vilas vidas” são apenas “insumos/ ou meros/ acidentes/ de percurso”.
O poeta foi feliz na caracterização do objetivo central da mineradora: lucro. Na primeira vez, ele diz: “com zeros/ muitos zeros/ à direita
do lucro”. Mais adiante, retorna: “com os zeros/ à direita/ sempre à direita/ do lucro”. Mesmo que custe vidas humanas, cidades, gado,
plantações. O lucro acima de tudo. Ou, como escreveu Drummond, “a arte do cifrão mais forte”.
Em momentos como os que estamos vivendo, é importante ver como a poesia teima em reafirmar o mínimo de valores éticos em meio à lama e ao luto.
Logo após ler esse vigoroso “Vale quanto lesa”, anotei: “Um poema sinuoso, insinuante e, ao mesmo tempo, preciso, duro, resoluto: ciente do que
veio dizer”.
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Passemos ao poema de Drummond. Antes, é importante notar como o poeta,
mais de 30 anos após sua morte, mostra-se sempre presente, cada vez mais vivo e atual. Os embates que travou durante
décadas contra a mineração predatória mostram-se agora não somente corretos como até premonitórios. Aqui mesmo, no poesia.net,
já destacamos essa faceta. Foi em dezembro de 2015, após o desastre de Mariana, na edição
n. 345.
O poema de Drummond é “Correio Municipal”. Foi publicado originalmente em
12/10/1955 — quase 64 anos atrás! — no Correio da Manhã,
diário carioca em que o poeta escreveu crônicas de 1954 a 1969. O texto consiste numa carta que um certo Nico Zuzuna, de Itabira, envia a C.D.A.
Trata-se, na verdade, de um alter ego do autor que dirige críticas à Cia. Vale do Rio Doce.
Zuzuna diz claramente que “os pobres itabiranos, / mais fazem, mais são furtados”. Depois,
afirma que a mina de ferro da cidade (lembrem-se:
“Noventa por cento de ferro nas calçadas. / Oitenta por cento de ferro nas almas.”) tornou-se o “conto da mina”. E o “dinheiral formidando”
que sai da mina passa de longe pela cidade e não deixa nenhum benefício para a pobre prefeitura, que o itabirano chama de “faminta”.
Sobre a companhia: “Do Rio Doce se chama, / de pranto amargo ela é, / refletindo um panorama / de onde desertou a fé. // Promete mundos e fundos, /
piscina, cinemascópio, / avião cada dois segundos, / mas promessa aqui é ópio”. Um detalhe: no original do Correio da Manhã, aparece como
está aí: “avião cada dois segundos”. Contudo, na Poesia Completa da Aguilar, o verso é: “avião entre dois segundos”. Preferi, aqui, a
versão do jornal.
O irritado itabirano faz um resumo brilhante da situação: “A exploração leva o suco, / deixa a fome como herança”. Há três nomes citados no texto.
O primeiro é o “doutor Café” — Café Filho, vice-presidente da República, que assumiu a presidência por um ano (1954-1955) após o suicídio de
Getúlio Vargas. O outro, Chico Lessa, corresponde ao engenheiro que ocupava a presidência da Vale. A referência a ele é bem depreciativa: depois
de recusar-se ao diálogo, “divaga pelas Europas”. Aparentemente, a atitude desrespeitosa da empresa vem de longa data.
O terceiro nome é de Juscelino Kubitschek, presidente eleito que assumiria alguns meses após a missiva de Zuzuna. Por se tratar de mais um mineiro (“um
presidente que sabe / as lições de nossa história”), e nascido em Diamantina (Tijuco), espera-se que faça algo a respeito da mineração. Mas
Zuzuna-Drummond, calejado, já admite de antemão que essa expectativa pode ser vã.
No final, ele parece esperar que os itabiranos e mineiros (e brasileiros, em última instância) lutem contra a Vale e o tipo de exploração
mineral que pratica: “No vale já se perscruta / uma sagrada violência / de povo inclinado à luta”. Pelo que se sabe, não deu.
Mas Drummond estava certo. Devíamos ter lutado. E devemos.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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LANÇAMENTOS
Quatro novos livros. Em São Paulo, um de fotos e poemas, mais outro de ficção. Em Brasília, dois de poesia.
Rastros
Atílio Avancini e Sérgio Avancine
O livro Rastros contém fotos e poemas, casados dois a dois. Os autores são Atílio Avancini (fotos) e Sérgio Avancine (poemas),
que lançam seu trabalho pela Com-Arte.
Quando:
Quarta-feira, 10/04/2019,
das 18h30 às 21h30
Onde:
Livraria da Vila
Rua Fradique Coutinho, 915
Vila Madalena
São Paulo, SP
Ordem
Leusa Araujo
A jornalista e escritora paulistana Leusa Araujo lança Ordem, nova edição de um livro publicado em 2010 com o
título Ordem, Sem Lugar, Sem Rir, Sem Falar. Para a autora, trata-se um testemunho literário do que foi ser criança nos anos de chumbo.
A obra é publicada pelas Edições Barbatana e ilustrada pela designer gráfica Angela Mendes.
Quando:
Quinta-feira, 18/04/2019,
a partir das 19h
Onde:
Tapera Taperá
Av. São Luís, 187 - 2º andar, lj. 29
República
São Paulo, SP
• Gravidade das Xananas
• Tinteiros da Casa e do Coração Desertos
Diego Mendes Sousa
O poeta piauiense Diego Mendes Sousa lança em Brasília dois volumes de poemas: Gravidade das Xananas; e Tinteiros da Casa
e do Coração Desertos. Este último é oferecido com duas opções de capa, uma das quais é mostrada ao lado. Os livros saem pela Editora Penalux.
Quando:
Terça-feira, 16/04/2019,
a partir das 19h
Onde:
Bar Beirute
109 Sul
Brasília, DF
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