Amigas e amigos,
Poeta, ficcionista e atriz, a mineira Adriane Garcia (Belo Horizonte, 1973) lançou recentemente novo livro de poemas,
Garrafas ao Mar (Penalux, 2018). A autora, que parece encontrar-se em plena primavera criativa, apresenta aí um
volume de fôlego, com — se não contei errado — 129 poemas.
Trata-se de textos curtos que quase nunca excedem a extensão de uma página. A concisão, no entanto, é enganosa.
Adriane Garcia tem o dom de enfrentar temas complexos com poucas palavras. Assim, seus poemas, que parecem leves, são na
verdade pílulas de considerável densidade.
•o•
É o caso de “Constrangimento”, poema com apenas seis versos breves. Um artefato tão condensado que qualquer comentário
pode pôr a perder a surpresa que contém. Outro exemplo é “O Amor Disparado”. Neste a poeta correlaciona
o transtorno físico (ansiedade, taquicardia) ao maravilhoso embaraço íntimo trazido pelo sentimento amoroso.
No poema “Vó Preta”, a autora parte de uma situação-limite — o enterro de uma velha avó — para daí tecer considerações sobre o fim
da vida. Em “Mensagem no Biscoito da Sorte”, o poema se aproxima de questões ecológicas: “O cheiro é fétido do início da baía /
Iemanjá está presa numa ilha / Asfixiada entre os plásticos”.
•o•
No texto “Transição”, Adriane Garcia toca num ponto muito sensível de nossa sociedade, hoje deploravelmente atiçada de forma oficial
para todo tipo de preconceito. O poema trata da homofobia. “Mataram (...) / O menino cor-de-rosa / que pintava o cabelo / De azul.”
É justamente por causa do tipo de tragédia mostrada nesse poema anterior que a poeta não se furta de dizer o óbvio. E para isso recorre
à ciência genética em “Genoma Constrangedor”: “Somos / Da mesma espécie”. De fato, esse tipo de aviso pode parecer redundante — e, portanto,
desnecessário. Mas quando autoridades estimulam o desrespeito a essas regras primárias, é dever da poesia repeti-las.
A pequena amostra do livro Garrafas ao Mar, de Adriane Garcia, encerra-se ao lado com “Este Poema”. No texto, a autora
discorre sobre as limitações da poesia. Por mais que o poeta, indignado, traga para dentro de sua arte as diferentes mazelas
que enxerga à sua volta, o poema não tem, por si só, a força de corrigi-las. “Este poema não vai / Segurar a lâmina /
Não vai arrebentar a corda / Não vai dar de comer à criança / Suja estendendo a mão / Na rua”, consola-se a poeta.
E no entanto o poema se move, esperneia, grita. Qual náufrago na ilha perdida, pede socorro, lança garrafas ao mar.
•o•
Adriane Garcia já esteve aqui no boletim nas edições n. 389
e n. 334.
É graduada em História pela UFMG e especializou-se em Arte-Educação na UEMG. Sua obra poética reúne os títulos
Fábulas para Adulto Perder o Sono (2013, Biblioteca do Paraná); O Nome no Mundo (2014, Armazém da Cultura); Só, com Peixes (2015, Confraria
do Vento); Enlouquecer é Ganhar Mil Pássaros (2015, e-book, Vida Secreta); Embrulhado para Viagem (2016 - Coleção Leve um Livro,
orgs. Ana Elisa Ribeiro e Bruno Brum); e Garrafas ao Mar (2018, Penalux).
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
•o•
Curta o poesia.net no Facebook:
•o•