Número 426 - Ano 17

São Paulo, quarta-feira, 10 de julho de 2019

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«Como vencer o oceano / se é livre a navegação / mas proibido fazer barcos?» (Carlos Drummond de Andrade) *

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16 inicios2
16 Poetas



Amigas e amigos,

Duas edições atrás, no boletim n. 424, publiquei aqui, sob o título “A força do início”, uma coleção de trechos iniciais de poemas. Conforme expliquei, em minha opinião aqueles primeiros versos “praticamente nos forçam a ler o texto inteiro”. Eram as aberturas de poemas escritos por 16 autores.

Para quem está chegando agora, esclareço que a ideia era reunir — com base num ponto de vista meu, pessoal — um punhado de inícios arrebatadores. Versos de abertura que empurram o leitor para dentro do poema, como certas introduções que conquistam o ouvinte para escutar o resto da canção. Como o critério era pessoal, sugeri que os leitores apresentassem outras sugestões de aberturas poéticas.

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A acolhida dos leitores foi surpreendentemente calorosa. Chegaram muitos e-mails e contatos via Facebook. As reações variaram da simples saudação à indicação da ausência de poemas e poetas, chegando até ao envio de listas com inícios que, na visão do leitor, deveriam ter sido incluídos naquele número.

Assim, a presente edição foi apenas editada por mim. O conteúdo vem da sugestão de leitores. Na verdade, incluí um poeta: o simbolista francês Paul Verlaine. Minha intenção era deixar tudo nas mãos dos leitores, mas fiz essa interferência por um motivo prático, o número de poetas.

Para produzir a foto multitudinária aí em cima, seria mais fácil trabalhar com quatro, nove ou 16 poetas. Escolhi este último número (o mesmo do primeiro boletim) porque seria melhor eu adicionar um poeta do que podar a lista fornecida pelos leitores.

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A lista de poemas/poetas combina as indicações de três leitores. Primeiro, o poeta Ruy Espinheira Filho, de Salvador, que apontou o início de um soneto de Alphonsus de Guimaraens. Depois, o leitor Hebel Costa, do Rio de Janeiro, que teve acesso ao boletim via Facebook, e sugeriu o poema “Estrela da Manhã”, de Manuel Bandeira.

O mesmo Bandeira também foi indicado pela leitora Cristina Dias, de São Paulo. Leitora do boletim de longa data, Cristina empreendeu um verdadeiro tour de force neste boletim. São sugestões dela todas as aberturas de poemas, exceto aquela que incluí e as duas outras citadas no parágrafo anterior. Em nome dos leitores, agradeço a simpatia e o esforço poético de Cristina Dias.

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É interessante observar que alguns poetas de minha lista também aparecem na seleção dos leitores. É o caso de Alphonsus de Guimaraens, Cecília Meireles e Fernando Pessoa. Quanto às diferenças, entre os 16 autores do primeiro boletim somente uma (Wislawa Szymborska) não escreveu em português. Na presente edição, mais cosmopolita, há um grego (Konstantinos Kaváfis, um francês (Paul Verlaine) e um americano (Edgar Allan Poe).

Assim como fiz na versão 1, relaciono a seguir os 16 poetas em ordem alfabética, e não na sequência em que aparecem na coluna à direita: Clique no link para saber mais sobre cada poeta.

• Adélia Prado (1935-)
• Alphonsus de Guimaraens (1870-1921)
• Antonio Cicero (1945-)
• Cecília Meireles (1901-1964)
• Edgar Allan Poe (1809-1849)
• Fernando Pessoa (1888-1935)
• Ferreira Gullar (1930-2016)
• Gonçalves Dias (1823-1864)
• João Cabral de Melo Neto (1920-1999)
• Konstantinos Kaváfis (1863-1933)
• Manoel de Barros (1916-2014)
• Manuel Bandeira (1886-1968)
• Mário de Andrade (1893-1945)
• Olavo Bilac (1901-1968)
• Paul Verlaine (1844-1896)
• Vinicius de Moraes (1913-1980)


Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado




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poesia.net censurado

A edição 424 foi censurada pelo Facebook. Disseram que havia uma “violação dos padrões da comunidade”. Pedi que revissem a decisão, mas foi mantida, sem qualquer esclarecimento.

Depois, uma amiga me disse que talvez o motivo tenham sido as pinturas que ilustram aquele boletim. Em duas delas, aparecem “contornos de seios”, o que é vedado pelo Facebook. Ironia: se é assim, o poesia.net foi censurado por pornografia...

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A força do início [2]


• Manuel Bandeira  • Alphonsus de Guimaraens
• Mário de Andrade  • Fernando Pessoa
• Olavo Bilac  • Antonio Cicero  • Vinicius de Moraes
• Adélia Prado  • Ferreira Gullar  • Gonçalves Dias
• Cecília Meireles  • Edgar Allan Poe
• João Cabral de Melo Neto  • Manoel de Barros
• Konstantinos Kaváfis  • Paul Verlaine


              



Slava Fokk  - Girl with a bird-2015
Slava Fokk, pintor russo, Moça com pássaro (2015)


• Manuel Bandeira

VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

    Sugestão da leitora Cristina Dias, de São Paulo.
    A seguir, exceto informação en contrário, todas as outras
    aberturas de poemas foram sugeridas por esta leitora.


ESTRELA DA MANHÃ

Eu queria a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã

    Sugestão do leitor Hebel Costa, do Rio de Janeiro


• Alphonsus de Guimaraens

ESTÃO MORTAS AS MÃOS DAQUELA DONA

Estão mortas as mãos daquela Dona,
Brancas e quietas como o luar que vela
As noites romanescas de Verona
E as barbacãs e torres de Castela...

    Indicação do poeta Ruy Espinheira Filho, de Salvador




Slava Fokk -Girl in blue-2015
Slava Fokk, Moça de azul (2015)


• Mário de Andrade

QUANDO EU MORRER

Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.



• Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)

TABACARIA

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso,
tenho em mim todos os sonhos do mundo.



Slava Fokk  - Hummingbird-2017
Slava Fokk, Beija-flor (2017)


• Olavo Bilac

VIA LÁCTEA - SONETO XIII

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…


• Antonio Cicero

GUARDAR

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.


• Vinicius de Moraes

SONETO DE FIDELIDADE

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.




Slava Fokk  - Single bird-2013
Slava Fokk, Pássaro único (2013)


• Adélia Prado

CASAMENTO

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.


• Ferreira Gullar

TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.


NÃO-COISA

O que o poeta quer dizer
no discurso não cabe
e se o diz é pra saber
o que ainda não sabe.


• Gonçalves Dias

CANÇÃO DO EXÍLIO

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.




Slava Fokk  - Louts-2018
Slava Fokk, Lótus (2018)


• Cecília Meireles

RETRATO

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.


• Edgar Allan Poe

O CORVO

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.

    Tradução: Fernando Pessoa


THE RAVEN

Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary,
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore —
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
As of some one gently rapping, rapping at my chamber door.


• João Cabral de Melo Neto

MORTE E VIDA SEVERINA

— O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;


• Manoel de Barros

O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.





Slava Fokk  - Flamingo-2013
Slava Fokk, Flamingo (2013)


• Konstantinos Kaváfis

À ESPERA DOS BÁRBAROS

O que esperamos na ágora reunidos?

   É que os bárbaros chegam hoje.

Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?

   É que os bárbaros chegam hoje.
   Que leis hão de fazer os senadores?
   Os bárbaros que chegam as farão.

    Tradução: José Paulo Paes


• Paul Verlaine

CANÇÃO DE OUTONO

Os soluços graves
Dos violinos suaves
   Do outono
Ferem a minh'alma
Num langor de calma
   E sono.

    Tradução: Alphonsus de Guimaraens
    Indicação: poesia.net


CHANSON D’AUTOMNE

Les sanglots longs
Des violons
   De l’automne
Blessent mon coeur
D’une langueur
   Monotone.






poesia.​net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2019



• Adélia Prado (1935-)
   in Poesia Reunida
   Siciliano, 10a. ed., São Paulo, 2001
• Alphonsus de Guimaraens (1870-1921)
   in Os Melhores Poemas de Alphonsus de Guimaraens
   Seleção de Alphonsus de Guimaraens Filho
   Global, São Paulo, 1985
• Antonio Cicero (1945-)
   in Guardar - Poemas Escolhidos
   Record, Rio de Janeiro, 1996
• Cecília Meireles (1901-1964)
   in Obra Poética - Volume Único
   Nova Aguilar, 3a. ed., 6a. reimpr., Rio de Janeiro, 1987
• Edgar Allan Poe (1809-1849)
   in O Corvo
   Poe - Baudelaire - Mallarmé - Fernando Pessoa - Machado de Assis
   Editora Expressão, São Paulo, 1986
• Fernando Pessoa (1888-1935)
   in Obra Poética
   Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1977
• Ferreira Gullar (1930-2016)
   in Toda Poesia (1950-1999)
   José Olympio, Rio de Janeiro, 2004
• Gonçalves Dias (1823-1864)
   in Primeiros Cantos
   Laemmert, Rio de Janeiro, 1846
• João Cabral de Melo Neto (1920-1999)
   in Poesia Completa e Prosa
   Nova Aguilar, 1a. ed., Rio de Janeiro, 1994
• Konstantinos Kaváfis (1863-1933)
   in Poesia Moderna da Grécia
   Seleção, tradução direta do grego, prefácio,
   textos críticos e notas de José Paulo Paes
   Ed. Guanabara, Rio de Janeiro, 1986
• Manoel de Barros (1916-2014)
   in Poesa Completa
   Leya, 6a. reimpr., São Paulo, 2010
• Manuel Bandeira (1886-1968)
   in Estrela da Vida Inteira
   Record, Rio de Janeiro, s/data
• Mário de Andrade (1893-1945)
   in Poesias Completas
   Círculo do Livro, São Paulo, s/ data
• Olavo Bilac (1865-1918)
   in Antologia Poética
   L&PM, Porto Alegre, 2012
• Paul Verlaine (1844-1896)
   in Poèmes Saturniens (1866)
• Vinicius de Moraes (1913-1980)
   Poesia Completa & Prosa
   Nova Aguilar, 2a. ed., Rio de Janeiro, 1986
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* Carlos Drummond de Andrade, "Rola Mundo" in A Rosa do Povo (1945)
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* Imagens: obras de Slava Fokk (1976-), pintor russo.