Amigas e amigos,
Este boletim n. 430 promove um reencontro com uma intrigante poeta americana, que já passou por aqui em duas outras oportunidades: nas edições
n. 306 e n. 67. Trata-se de Emily Dickinson (1830-1886), poeta oitocentista cuja obra até hoje encanta críticos e leitores no mundo inteiro.
Acredito que os dois boletins já publicados contêm um bom apanhado de informações sobre a vida e a obra de Emily Dickinson. Portanto, serei breve nesse aspecto.
Vale contar que a inspiração para trazer Miss Dickinson mais uma vez a esta página veio do livro Poemas Escolhidos da autora, publicado em 2017 na Coleção
Folha - Mulheres na Literatura.
O trabalho de tradução e seleção dos poemas coube a Ivo Bender, escritor e dramaturgo gaúcho falecido em 2018 aos 82 anos.
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Edição monolíngue, esses Poemas Escolhidos contêm apenas as versões em português. Reproduzo ao lado alguns dos textos, acompanhados dos originais.
A fonte para estes últimos foi o site American Poems, que mantém uma seção chamada Emily Dickinson - The Complete Poems.
Na coletânea montada por Ivo Bender, respeitando os originais da autora americana, os poemas não têm títulos e são identificados pelo primeiro verso.
No entanto, nos Estados Unidos estabeleceu-se uma catalogação da obra de Dickinson na qual os poemas — cerca de 1800 — são identificados por um número.
Assim, além de adicionar os textos em inglês, adicionei também esses números. Creio que eles tornam mais fácil a identificação dos
poemas, assim como
a comparação das traduções com os originais.
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Vamos aos poemas. O primeiro da minisseleta ao lado é o de número 656. Nele a poeta pinta, com palavras, a paisagem de outono com suas cores, ventos e chuvas.
Vem a seguir o poema 1685. Para Emily Dickinson, a borboleta, embora encante os estudiosos da entomologia, é vista como uma devassa pelas pessoas mais carrancudas.
Afinal, esse colorido inseto não trabalha, não tem profissão definida. Se ainda fosse uma operária, como a formiga e a abelha... Mas não, a borboleta é só beleza,
e isso incomoda os “circunspectos”.
Ainda no reino dos insetos lepidópteros, Emily Dickinson, no poema 541, encontra uma borboleta rara dos pampas que
exibe toda a sua graça somente ao meio-dia, e logo depois morre. (Alô, especialistas: essa borboleta existe?) É impressionante o grau de curiosidade
e detalhismo da poeta, que certamente deve ter lido sobre essa extraordinária espécie de borboleta no longínquo Brasil.
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O poema 1173 traz mais uma observação da natureza. Agora, ela diz que “O raio é
um garfo amarelo, / Por desatentas mãos deixado cair / De mesas postas no céu”.
No texto seguinte, o número 1009, um pássaro trivial, o pintassilgo, é usado
para falar da fama. Observe-se como Emily Dickinson recorre com frequência a
esse truque literário: fala de plantas, animais e fenômenos atmosféricos para
tratar de coisas humanas. Aqui, ela conclui que o pintassilgo, ave comum e humilde,
“deixa pegadas mínimas / no assoalho da fama”.
No poema 1273, o recado vai diretamente aos seres humanos. O texto recomenda cuidado na hora de varrer o cômodo, muitas vezes incômodo, da Memória. Por fim,
o poema 1447 oferece mais uma descrição da natureza. O sol é um garoto que dorme em sua cama de lava e se levanta cedo para acordar o mundo e, com sua luz,
vestir o dia ainda sonolento.
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A vida da americana Emily Dickinson foi objeto de um filme recente, Além das Palavras (no original: A Quiet Passion), de 2016,
escrito e dirigido pelo inglês Terence Davies. O papel de Emily adulta é
desempenhado por Cynthia Nixon, atriz mais conhecida por encarnar o personagem Miranda Hobbes na série
de TV e no filme Sex and the City.
O diretor-roteirista desenvolveu um minucioso trabalho ao entremear poemas de
Emily Dickinson nas mais variadas situações de sua vida. O espectador ganha,
assim, a oportunidade de tomar contato com a vida e a obra da poeta.
Embora a crítica à cinebiografia Além das Palavras seja favorável, os estudiosos
da vida de Emily Dickinson apontam que o cineasta Terence Davies assumiu
muitas licenças poéticas sobre as relações da poeta com a família e até mesmo sobre a doença
renal que causou sua morte, aos 55 anos.
De todo modo, para sustentar um longa-metragem sobre a vida de um personagem que nunca saía de casa, talvez seja quase obrigatório enveredar pelo
terreno da ficção. Tudo que se sabe sobre a vida de Emily Dickinson está nas cartas que trocou com amigos e editores. Somente alguns de seus poemas foram
publicados em vida. Após sua morte, a família encontrou, entre seus manuscritos, sua poesia completa: quase 1800 poemas.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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