Amigas e amigos,
A poeta, dramaturga, tradutora, ensaísta e professora universitária Renata Pallottini (São Paulo, 1931) é a autora em destaque nesta
edição. Esta é a terceira vez que ela aparece neste espaço. Vem agora com versos do livro Poesia Não Vende, publicado pela Hucitec
Editora em 2016.
Na quarta capa do livro, a própria autora ensaia uma pequena indicação de seu conteúdo. “Meu livro agora, este Poesia não vende,
tem muita ironia, medo e espanto, saudade e, surpreendentemente, esperança”.
De fato, a ironia — o primeiro item listado — é presença fundamental nesta coletânea de poemas, a começar pelo próprio título. Com ele
a poeta faz troça da consagrada afirmação que reduz a poesia a uma iniciativa de caráter puramente mercantil.
É como se retrucasse: “Muito bem, não vende. E daí?” Afinal, tanto a poeta como nós sabemos que o valor real da poesia está em outro
lugar, talvez nos outros itens citados, como ironia, medo, espanto, saudade e esperança.
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Para este boletim, selecionei sete poemas de Poesia Não Vende. O primeiro deles, “No Rio das Velhas”, confirma o anúncio de
ironia. Aqui, a poeta brinca com o nome do histórico rio mineiro, o maior afluente do São Francisco, conhecido pela sua localização
numa região onde foram encontrados ouro e pedras preciosas.
No poema, o sujeito lírico — mulher que é um óbvio alter ego da autora — diz ter achado no Rio das Velhas uma pedra preciosa.
Mas o objeto, certamente de arestas afiadas, lhe fere as mãos. Assustada, a
inexperiente garimpeira devolve o objeto ao rio. A conclusão é uma
tirada na qual a autora faz um chiste com a própria idade.
No poema seguinte, “O Que Eu Proponho”, o tom passa a ser de afeto e saudade, com uma tranquila declaração de amor, “sem ilusões”.
Em “Sogno 123”, as notas dominantes vêm da solidão e da saudade. Há mesmo um certo ritmo de tango: “Neste quarto que não há /
Canto um tango que não sei / Pra você, que já não está”.
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Vem a seguir “No Oftalmologista”, um epigrama doidamente irônico. [Curiosidade: eu queria escrever doídamente (doloridamente),
mas confesso que não sei como se faz isso. Uns cinquenta anos atrás, usava-se o acento grave: doìdamente.]
Não sei dizer exatamente por quê, mas o poema “A Rua” me traz ecos da velha cantiga de roda “Se esta rua fosse minha”. Nele, a nostalgia
de um tempo que passou é (mal) disfarçada com frases de tom depreciativo. E, no final, diz a poeta, a rua não é mais minha e eu também
não sou mais aquela.
Dá também para lembrar, no mesmo tom melancólico, o romanceiro de
García Lorca: “Mas eu já não sou eu mesmo / nem mais
é minha esta casa”. Os poetas dão-se as mãos na tristeza.
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No poema “Viesse Logo a Noite”, o registro melancólico assume uma nota mais aguda, tendente ao desespero. Aqui, pede-se que venha a noite
completa, um tempo que abolisse as guerras e no qual as pessoas todas se amassem. Ou, pior, uma noite dos silêncios e das feras.
Para fechar a seleção, o poemeto “De Uma Formiga” retoma a inflexão irônica.
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NOTÍCIA DE RENATA PALLOTTINI
Formada em filosofia pela PUC-SP em 1951, Renata Pallottini também concluiu o curso de direito na USP em 1953. Depois, em Paris, começa a
estudar teatro em 1959. De volta a São Paulo, entra na Escola de Arte Dramática da USP e faz os cursos de dramaturgia e crítica.
Inicia sua produção de textos para treatro em 1960, com a peça A Lâmpada. Depois, criou vários outros espetáculos cênicos. Em 1967,
a peça Pedro Pedreiro, com texto dela e música de Chico Buarque, é levada à Colômbia. No ano seguinte, Renata Pallottini traduz o
famoso musical Hair, dos americanos James Rado e Gerome Ragni, com música de Galt MacDermot. O trabalho da autora nessa área estende-se
à televisão, ao cinema e ao ensino universitário.
Em poesia, ela estreou em 1952 com o livro Acalanto, seguido em 1956 por O Monólogo Vivo, primeiro título incluído em sua
Obra Poética, de 1995, que contém 14 livros. Depois disso, ainda na poesia, ela publicou Um Calafrio Diário
(2002) e Poesia Não Vende (2016). Ademais, há livros de memória, biografia, ensaios de dramaturgia e até um romance, Nosotros.
Sobre a Renata poeta, Carlos Drummond de Andrade escreveu os seguintes versos:
“Poesia de Renata:
sob a música exata
há um tremor humano.
O verbo conta mais
do que os jogos verbais:
o mundo refletido.
O tempo, o ser, a morte
o invisivel suporte
do amor por sobre o caos.
Poesia de Renata:
um reflexo de prata
no deserto noturno”.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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