Amigas e amigos,
Algumas pessoas, quando vão deixando para trás muitos calendários, fazem de tudo para ocultar sua idade. Este boletim, ao contrário, orgulha-se da idade que tem e deixa-a, bem estampada, no alto da página. Nesta edição iniciamos a comemoração dos 17 anos do poesia.net.
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O poeta em foco nesta edição, o mineiro Murilo Mendes (1901-1975), fez de tudo um pouco antes de publicar seu primeiro livro, Poemas, em 1930. Estudou Farmácia (curso que abandonou ao fim do primeiro ano), foi telegrafista, prático de farmácia, guarda-livros, funcionário de cartório, professor de francês, arquivista e escriturário de banco.
Nascido em Juiz de Fora, Murilo Mendes mudou-se em 1920 para o Rio de Janeiro. Conforme os historiadores literários, fez parte de um grupo de artistas que encontrou no catolicismo refúgio para as crises política e ideológica da sociedade. Entre seus amigos mais destacados encontram-se, por exemplo, o pintor paraense Ismael Nery e do poeta alagoano Jorge de Lima.
Mendes casou-se em 1947 com Maria da Saudade Cortesão, filha de Jaime Cortesão, escritor português exilado no Brasil. A partir dos anos 1950, o poeta dedicou-se à divulgação cultural. Mudou-se para Itália em 1957, onde se fixou como professor de cultura brasileira na Universidade de Roma. Morreu em Lisboa, em agosto de 1975, cidade onde foi sepultado.
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Talvez o traço mais interessante da poesia de Murilo Mendes seja o surrealismo. É nele que, em meu ponto de vista, o poeta escreve suas páginas da mais alta comunicação. Dentro do surrealismo muriliano também se nota a acentuada marca do humor. Outra vertente importante de
sua obra é o profundo catolicismo, apresentado num formato pessoal e místico.
Para esta edição, selecionei um punhado de poemas murilianos. O primeiro vem do livro de estreia do autor, Poemas (1930). É a “Modinha do Empregado de Banco”. Nela, o empregado aparenta ser um alter ego do poeta (que, como vimos, também trabalhou em banco e foi prático de farmácia): “Eu sou triste como um prático de farmácia, / sou quase tão triste como um homem que usa costeletas”.
Mas o poeta se revela mesmo no final: “Também se o Diretor tivesse a minha imaginação / o Banco já não existiria mais / e eu estaria noutro lugar”.
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O próximo texto, “O Herói e a Frase”, lembra uma velha lenda veiculada nos livros de História. Em 1631, em combate com uma esquadra espanhola (na época, Portugal e Brasil pertenciam à Espanha), o comandante holandês Adrian Jansen Pater, derrotado, teria se lançado ao mar, exclamando a frase citada no poema. Crítico, irônico, Murilo Mendes não deixa passar essa invenção. Não por acaso, este poema encontra-se num livro chamado História do Brasil (1932).
Em “Pré-História”, a visão irônica e surrealista do poeta se volta para a própria família. O personagem central do poema é a própria mãe — dele mesmo, se a inspiração for pessoal, ou uma mãe qualquer da época, que vai parar num álbum de retratos.
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O surrealismo se revela mais pleno em “Metade Pássaro”, poema de O Visionário (1941): “A mulher do fim do mundo / Dá de comer às roseiras, / Dá de beber às estátuas, / Dá de sonhar aos poetas”. Textos como este e “Por Causa de Jandira” (veja o boletim n. 47) põem Murilo Mendes como uma das maiores expressões do surrealismo no Brasil. Outro poema que pode ser enquadrado no mesmo grupo é “O Poeta Assassina a Musa”,
ao lado. Humor e surrealismo.
O poema “Botafogo”, do livro Os Quatro Elementos (1935) combina, sempre com bom humor, surrealismo com uma descrição da paisagem carioca. Em “As Montanhas de Ouro Preto” — do livro Contemplação
de Ouro Preto (1954) — o poeta adota uma dicção solene e a forma de um soneto decassilábico de versos brancos. Nesse caso, não há lugar nem para o humor nem para o surrealismo.
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Mas o espírito jocoso retorna nos quatro poemetos que fecham a seleção, todos pertencentes ao livro Convergência (1970). Nesses textos o que se observa é a liberdade total do poeta, que se solta de todas as amarras para brincar com as palavras e as coisas. Leia-se o primeiro, “Roma”: “Roma não tolerava a rima com outras Romas e outras rimas e outros ramos de outras Romas” etc. O poeta se diverte.
Em “Datas”, a brincadeira consiste na invenção lógica de palavras, sempre dentro do contexto: “Os magos janeiram dia 6 / (...) Os mortos novembram dia 2”. Já em “Romarias”, o exercício lúdico parte das peregrinações religiosas a lugares santos, como Roma e Santiago de Compostela,
e desagua em trocadilhos com nomes de mulheres: “As romarias. As Roluísas. As Robeatrizes. As romarias às Roluísas, às Robeatrizes”.
O último poemeto é “Texto de Consulta 4”. Em cinco versos curtíssimos, Murilo Mendes resume, inventivamente, sua relação com a poesia.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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LANÇAMENTOS
Duas novas coletâneas de poesia — uma em Porto Alegre e a outra em São Paulo —, mais uma novela juvenil,
em Salvador.
Fabulário
• Ana Santos
A poeta gaúcha Ana Santos lança seu
livro Fabulário, vencedor do Prêmio Minas 2017 na categoria Poesia. A obra é publicada pela editora Confraria do Vento.
Quando:
Quarta-feira, 27/11/2019, às 18h
Onde:
Terezas Café
Rua Giordano Bruno, 318
Rio Branco
Porto Alegre, RS
O Rei Artur Vai à Guerra
• Ruy Espinheira Filho
O poeta baiano Ruy Espinheira Filho relança a
novela juvenil O Rei Artur Vai à Guerra, em publicação da Editora Positivo. A
primeira edição dessa obra saiu em 1987.
Quando:
Sábado, 30/11/2019, às 10h
Onde:
Espaço Itaú de Cinema
Praça Castro Alves, s/n
Centro
Salvador, BA
A Natureza Íntima da Água
• Carlos Augusto Pereira
Carlos Augusto Pereira lança a coletânea de poemas A Natureza Íntima da Água, livro que sai pela Haikai Editora, de São Paulo.
Quando:
Sábado, 30/11/2019,
das 13h às 17h
Onde:
Biblioteca Pública Viriato Correa
Rua Sena Madureira, 298
Metrô Vila Mariana
São Paulo, SP
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