Amigas e amigos,
O poeta Alexandre Bonafim (Belo Horizonte, 1976) é velho conhecido dos leitores do poesia.net. Já esteve esteve aqui em duas outras edições:
n. 339 (setembro de 2015) e
n. 188 (novembro, 2006). Bonafim retorna agora após o lançamento de sua nova coletânea,
Noite de Dioniso (Terra Redonda, São Paulo, 2019).
Na mitologia grega, Dioniso — equivalente ao romano Baco — é o deus dos ciclos vitais, das festas, do vinho, do teatro e dos ritos religiosos. Conforme a Wikipédia,
Dioniso “nas cidades gregas era representado como o protetor dos que não pertencem à sociedade convencional e, portanto, simboliza tudo o que é caótico, perigoso e
inesperado, tudo que escapa da razão humana e que só pode ser atribuída à ação imprevisível dos deuses”.
É sob a égide desse deus dos “desajustados” que Alexandre Bonafim constrói o projeto lírico de seu novo trabalho. Muito próximo da poesia portuguesa, o autor usa como
epígrafe de Noite de Dioniso um trecho de Sophia de Mello Breyner Andresen, no qual a escritora dirige um apelo a Baco:
Evohé deus que nos deste
A vida e o vinho
E nele os homens encontraram
O sabor do sol e da resina
E uma consciência múltipla e divina.
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Para este boletim, selecionei seis poemas dionisíacos de Alexandre Bonafim. Mas nesta edição, ao contrário do que faço habitualmente, não os comentarei um a um. Embora
sejam textos separados, cada um com seu título, todos fazem parte de um mesmo canto.
No livro, o clima geral é marcado pela solenidade das cerimônias voltadas para os deuses. Esta afirmação parece colidir com a caracterização,
apresentada mais acima, de Dioniso como o símbolo daquilo que não se ajusta às regras e convenções.
Contudo, acredito que não há contradição. Aqui estão o encantamento das tragédias, sóis esparramados, ritos de passagem, nascimentos,
amores, mortes, sacrifícios. Mas tudo
isso se equilibra entre a sutileza pacífica de renitentes flores (orquídeas, rosas etc.) e a violência de sóis esfuziantes, espinhos, sangue, punhais.
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Há, mesmo, uma inclinação para o sensualismo que oscila entre o doce e o trágico, entre o prazer e a danação. Momentos de doçura aparecem como em “Abraço”:
“Se eu pudesse abraçar / de uma só vez / um campo de girassóis / teu olhar cairia / límpido / como uma gota / um grão de areia / sobre os escombros / do que nunca fui”.
Observe-se aí: junto à placidez sugerida do campo de flores, vêm os escombros da alma. No mesmo poema, parte 3, o sujeito lírico propõe-se a amar “como quem /
é o alvo / de mil flechas / de mil facas”. Ou, ainda, em “Grito”: “Um corpo é grito / de costas para a morte”.
Ao longo de todos os poemas predomina o verso curto, como se pode ver na microantologia ao lado.
Assim, o poeta trabalha sempre com a exata dose de lirismo.
Não escorrega no exagero, nem se envolve em formulações cifradas.
Termino com um exemplo desse lirismo envolvente e preciso. São exatamente os primeiros versos do poema “Vertical”: “Vertical e nítido / como um cavalo /
ao meio-dia / golpeias os quatro / pontos cardeais / de tudo o que sou”.
Evoé, Dioniso!
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Poeta e ensaísta, o mineiro Alexandre Bonafim é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e professor de pós-graduação
na Universidade Estadual de Goiás. Em poesia, já publicou um bom punhado de títulos, entre os quais Noite de Dioniso (2019); O Secreto Nome do Sol
(2013); Sob o Silêncio do Anjo (2009); e Biografia do Deserto (2006).
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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