Amigas e amigos,
O poeta em foco nesta edição, o português Eugénio de Andrade (1923-2005), já esteve aqui em duas outras ocasiões: nos boletins
número 286, de 2013, e
número 191, de 2006.
Criador essencialmente lírico, Eugénio é um dos nomes de maior destaque na poesia portuguesa.
Eugénio de Andrade, (pseudônimo de José Fontinhas) nasceu em Póvoa de Atalaia (Fundão) em 1923. Mudou-se para Lisboa aos sete anos e lá
residiu até 1950, quando se transferiu para a cidade do Porto, onde viveria até a morte, em 2005. Durante 35 anos exerceu a função de
inspetor administrativo do Ministério da Saúde. Nunca se dispôs a prestar concurso para assumir posição mais elevada. Em compensação,
produziu uma obra literária extraordinariamente vasta.
Estreante em 1939, com a coletânea Narciso, escreveu quase 30 títulos de poesia, mais livros de prosa,
literatura infantil e traduções. A despeito
do largo reconhecimento de sua obra, o poeta sempre se manteve distante da vida social e raramente participava de eventos literários.
Em 2001, aos 78 anos, recebeu o Prêmio Camões, láurea maior da literatura em língua portuguesa.
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Os seis poemas mostrados neste boletim foram extraídos de quatro coletâneas do poeta, todas dos anos 90: Rente ao Dizer (1992),
Branco no Branco (1993), Ofício de Paciência (1994) e O Sal da Língua (1995).
No primeiro texto ao lado, “A Poesia Não Vai”, o autor traça uma espécie de profissão de fé da arte poética calcada na rebeldia.
“A poesia não vai à missa, / não obedece ao sino da paróquia, / prefere atiçar os seus cães / às pernas de deus e dos cobradores /
de impostos”. Mas não pensem que a poesia morde. Apesar de toda essa exibição de dentes, ela “adora / andar descalça nas areias do Verão”.
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O próximo poema, “In Memoriam”, é mais sombrio. Trata-se de um texto saudoso dos amigos que se foram. “Esses mortos difíceis /
que não acabam de morrer / dentro de nós”. Um aspecto encantador no lirismo de Eugénio de Andrade é essa capacidade de dizer
coisas fortes, universais, convincentes, usando apenas um punhado de palavras triviais. Sem pose. Sem fingir que o poeta é um
ser acima dos demais e guarda, em algum lugar, segredos inalcançáveis para os passageiros comuns deste planeta.
O poema seguinte, “Não Sei”, retoma, de outro ângulo, o mesmo tema anterior. Dirige-se amargamente, mas com carinho e ironia, a um amigo morto
(“Não sei por que diabo escolheste / janeiro para morrer: a terra / está tão fria”) para afinal concluir que “só a morte é imortal”.
Vem a seguir o poema “Mulheres de Preto”. Aqui, o poeta retrata aquelas mulheres de
regiões tradicionais, como o interior de Portugal, severamente enlutadas, “de preto até à alma”.
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No texto “XVII”, do livro Branco no Branco, o andamento é mais alegre e melodioso.
Aí está um poema sobre quase nada: a “flor da água”, identificada pelo seu aroma. Um exemplo cativante de que a poesia, a rigor, não precisa de
um tema. Precisa, sim, de emoção, sugestões sensuais (o aroma que “sobe ao terraço // entra nu pela varanda”) e embriaga de música toda a terra.
A minisseleta se fecha com “A Arte dos Versos”. Uma “receita” para se fazer um poema. Está tudo ali, simples e visível, mas nada é revelado.
Como desenvolver, igual à mulher do campo, a “mão certeira” para regar as couves, a necessária “intimidade com a terra” e o “empenho
do coração”? Enfim, uma falsa “receita”, porque não há fórmulas para produzir o poema.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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Poemas em Vallejo & Co.
A revista peruana Vallejo & Co. publicou, em espanhol e em português,
uma seleção de poemas do editor deste boletim. Se você tiver curiosidade, confira em
Vallejo & Co..