Amigas e amigos,
Esta é uma daquelas edições em que decidi recorrer ao já extenso acervo do boletim. Desta vez, fui à página de Busca do site Alguma Poesia e fiz
pesquisas com base na palavra chuva. O resultado final me conduziu a cinco poetas: os pernambucanos Mauro Mota (1911-1984)
e Joaquim Cardozo (1897-1978); os paulistas Guilherme de Almeida (1890-1969) e Augusto de Campos (1931-); e, por fim,
o mineiro Gilberto Nable (1954-).
Poetas de origens, estilos e épocas diferentes, esses autores são aqui reunidos porque escreveram poemas que fazem referência à chuva. Todos os
poemas ao lado apareceram em boletins antigos. Nos comentários abaixo, indico, junto com o nome do poeta, o link para o boletim em que o texto
foi publicado. Também lá estão mais detalhes sobre a obra e a biografia do autor.
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Mauro Mota
poesia.net n. 14 (2003)
Pernambucano de um tempo em que ainda existiam quintais com frutas e roupas no varal, o poeta Mauro Mota desenha tudo isso no poema
“Chuva de Vento”. E as águas parecem vir voando. “De que distância / chega essa chuva / de asas, tangida / pela ventania?”, indaga
o poema.
No texto, de fato, ele parece referir-se não a uma chuva de hoje, o momento em que o poeta está escrevendo, mas a uma precipitação
pluvial guardada na memória, ocorrida num passado remoto. E, gentilmente, o poeta termina o texto estendendo a mão à benfazeja chuva fria.
Guilherme de Almeida
poesia.net n. 17 (2003)
Poeta e tradutor, o paulista Guilherme de Almeida afeiçoou-se ao haikai, ou haicai, essa pequena composição poética japonesa, formada
por três versos, de cinco, sete e cinco sílabas métricas. Conforme tradição multissecular, os haikais são textos reflexivos que destacam
as relações entre o ser humano e a natureza. Há, por exemplo, haikais de inverno, haikais de outono etc. A composição dos textos também
obedece a certos princípios que orientam a composição de cada uma das três linhas.
Guilherme de Almeida, no entanto, resolveu abrasileirar o haikai. Criou então um formato pessoal, até hoje praticado por muitos poetas.
O haikai guilhermino obedece à métrica (5-7-5 sílabas poéticas), mas introduz dois itens inexistentes no poema japonês: título e rimas.
O esquema das rimas é sofisticado: a / bb / a. Quer dizer: o primeiro verso rima com o terceiro; e o segundo contém uma rima interna,
na segunda e na sétima sílabas. Exemplo (e aí vai mais um haikai de Guilherme de Almeida): “NOTURNO // Na cidade, a lua: / a joia
branca que boia / na lama da rua”.
Nos dois haikais ao lado, “Outubro” e “Chuva de Primavera”, Guilherme de Almeida toma a chuva como tema. O segundo é minimalista:
resulta da observação dos pingos de chuva pendurados nos fios elétricos (ou telefônicos).
Em geral, os fãs e estudiosos do haikai original detestam as adaptações feitas por Almeida. Creio que o poeta quis apenas exercitar-se,
criando uma nova forma fixa inspirada na composição japonesa.
Joaquim Cardozo
poesia.net n. 20 (2003)
No poema “Chuva de Caju” o poeta Joaquim Cardozo adota um tom similar ao de seu conterrâneo e contemporâneo Mauro Mota. Este, como vimos,
dá as boas-vindas à chuva que chega nas asas do vento. Cardozo trata a visitante com proximidade ainda maior:
confere a ela personalidade
feminina e chama-a de Tereza ou Maria.
O discurso é de quem conhece a chuva: “Sei de onde vens, sei por onde andaste. / Vens dos subúrbios distantes, dos sítios aromáticos”.
No fim, o sujeito lírico não apenas abre as portas de sua casa à chuva, como declara à recém-chegada profundo bem-querer. Detalhe:
as chuvas de caju (antes, chuvas-de-caju), no Nordeste (cf. Aurélio), são aquelas que caem em setembro e outubro e favorecem
o amadurecimento dos cajus.
Augusto de Campos
poesia.net n. 66 (2004)
A chuva também molhou a poesia concreta. No poema “pluvial/fluvial”, o paulistano Augusto de Campos compõe uma combinação dessas duas
palavras, cuja diferença está apenas na primeira letra. A primeira, sempre escrita no sentido vertical, faz referência à direção de queda
da chuva; a outra, na horizontal, sugere a posição em que corre o rio. No arranjo, formado por 12 linhas verticais e 12 horizontais, a
chuva se transforma em rio.
Gilberto Nable
poesia.net n. 190 (2006)
O último texto desta série pluviosa é a parte V do longo poema “Percurso da Ausência”, do mineiro Gilberto Nable. O poeta começa
citando a chuva que cai nas serranias de Aiuruoca, no sul de Minas, sua terra natal. “Chove lá fora”, repete ele quatro vezes,
no início do poema. Mas a chuva é tão poderosa que não afeta apenas a natureza: invade também o ânimo do sujeito lírico,
que confessa: “Chove dentro de meu peito”.
Daí em diante, a precipitação pluvial converte-se em completa inundação do mundo, passando pelos escombros do World Trade Center,
em Nova York, pelos campos de refugiados do Afeganistão, pelos massacres de Sabra e Shatila, no Líbano. É um momento lírico de
alta tensão, no qual as dores e mazelas do mundo, evocadas pela chuva, vêm desaguar amargamente no coração do indivíduo só e desamparado.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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