Amigas e amigos,
No próximo sábado, 31 de outubro, celebra-se o já consagrado Dia D — a data de nascimento do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).
Publicado por um site que suspeitamente se chama Alguma Poesia, este boletim também reverencia a data. Esta, portanto, é uma edição centrada
no poeta Drummond. Desta vez o que se coloca em primeiro plano é a visão ecológica do autor de A Rosa do Povo.
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Em 1982, às vésperas de completar 80 anos, Carlos Drummond de Andrade expressa sua inconformidade com a destruição do Salto de Sete Quedas,
um patrimônio natural do Brasil e da humanidade. Localizadas no rio Paraná, na fronteira com o Paraguai, as cataratas
(conhecidas como Saltos del Guairá, no lado paraguaio) abrigavam as maiores cachoeiras do mundo em volume d’água, com uma vazão
de 13,3 mil metros cúbicos por segundo — o dobro do que se registra nas Cataratas do Niágara, na fronteira entre o Canadá e os Estados Unidos.
Na edição do Jornal do Brasil de 9 de setembro, quando afinal se anunciava o fechamento das comportas para a criação do lago da
hidrelétrica de Itaipu, Drummond publicou este poema, “Adeus a Sete Quedas”. Em letras grandes, os versos ocupavam uma página inteira
do jornal, a capa do Caderno B.
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O sentimento ecológico do poeta reverberou em todo o país. Um mês depois, ele voltaria à carga, com a crônica "Sete Quedas poderia ser
salva" (Jornal do Brasil, 07/10/1982). Nesse texto, Drummond transcreve uma carta do engenheiro Octavio Marcondes Ferraz — o projetista da hidrelétrica
de Paulo Afonso. A carta fora enviada ao poeta exatamente a propósito do poema “Adeus a Sete Quedas”.
Ferraz revela que em 1963 apresentara um projeto intitulado “Aproveitamento do Potencial do Salto de Sete Quedas”. A ideia do engenheiro era
preservacionista. “Em Paulo Afonso”, diz ele, “projetei a usina preservando a catarata que Deus nos deu”.
“Aproveitamento, em vez de imolação”, destaca Drummond. O argumento do governo militar para a destruição é que seria necessário considerar
uma “solução simétrica” em relação ao Paraguai.
No final, diz Drummond, os paraguaios não ficaram tão satisfeitos e Sete Quedas vai passar às novas gerações apenas como uma pálida notícia,
um cartão postal de longínquo passado. “Sete quedas por nós passaram, / e não soubemos, ah, não soubemos amá-las”, lamenta o poeta.
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Talvez a maioria dos jovens de hoje realmente não guarde nenhuma referência das Sete Quedas.
Por isso vale a pena lembrar alguns detalhes
de sua grandiosidade.
O som das cataratas podia ser ouvido a 30 km de distância e seu canal principal tinha 4 km de comprimento. As cataratas eram constituídas
por 19 saltos, que podiam ser reunidos em sete grupos, daí a denominação de Sete Quedas.
Graças a essa imbatível atração turística,
a cidade paranaense de Guaíra, nas proximidades do Salto, chegou a ser o local mais visitado do Brasil.
Evidentemente, a morte das Sete Quedas não se resumiu ao desaparecimento das cataratas em si. Houve ainda todo o extraordinário
impacto ambiental sobre o relevo, a fauna, a flora e o clima da região. Basta dizer que a instalação da usina hidrelétrica de Itaipu
provocou a criação de um lago artificial de 1.350 km² — 770 km² no Brasil e 580 km² no lado paraguaio.
E toda essa destruição se fez “por ingrata intervenção de tecnocratas”, como diz Drummond no poema. Triste constatação: esses tecnocratas,
associados à ditaduta militar, eram figuras “de um país que vai deixando de ser humano / para tornar-se empresa gélida, mais nada”.
Se aqui ainda estivesse, o poeta veria com desalento que, quase quarenta anos depois da imolação das Sete Quedas, toda essa ameaça de
desumanização está de novo no horizonte do país, como um terrível pesadelo.
Viva o Dia Drummond.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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