Amigas e amigos,
Nesta edição o boletim retorna, mais uma vez, à poesia da polonesa Wislawa Szymborska (1923-2012), laureada com o Prêmio Nobel de Literatura de 1996.
A poeta já tem três livros traduzidos no Brasil. Primeiro, foram as coletâneas Poemas (2011) e Um Amor Feliz (2016), ambas traduzidas pela
professora paranaense de origem polonesa Regina Przybycien. Agora, acaba de ser lançado o livro Para o Meu Coração num Domingo (2020), no qual Regina Przybycien divide a tradução com Gabriel Borowski. Os três volumes foram publicados pela Companhia das Letras.
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Este é o terceiro boletim dedicado a Wislawa Szymborska. O primeiro foi a
edição n. 265, que saiu dois anos antes da estreia oficial dela no Brasil.
Portanto, o poesia.net foi um dos primeiros espaços por aqui a divulgar o trabalho da poeta. Para montar o boletim, reuni traduções avulsas
na internet e até me aventurei a traduzir um poema, “Pi”, com base em traduções para outros idiomas e a ajuda de um amigo jornalista descendente de poloneses.
A segunda aparição de Wislawa Szymborska nesta página deu-se após a publicação de sua segunda coletânea, Um Amor Feliz,
edição n. 372, em 2017.
Agora, a miniantologia ao lado baseia-se no livro Para o Meu Coração num Domingo. Como Wislawa Szymborska já é de casa, vou-me permitir
não fazer um resumo biográfico da autora. Quem não leu os boletins anteriores, pode consultá-los recorrendo aos links acima. Neles há razoáveis informações
sobre a vida da poeta.
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Após a leitura da terceira coletânea de Wislawa Szymborska lançada no Brasil, apenas consolidei minha admiração por essa poeta excepcional. Wislawa escreve
diferente. Como já disse aqui nos outros dois boletins, sua base é a prosa. Nos poemas dela não há metáforas, metonímias, paralelismos — enfim,
recursos de que os poetas tradicionalmente lançam mão para construir seus artefatos.
Leia-se, por exemplo, o poema “Relato do Hospital”. Os amigos, constrangidos, decidem no palitinho qual deles vai visitar
no hospital o amigo desenganado. O contexto, claro, é pungente, triste. Mas, por si só, nenhuma palavra do texto — no qual
existe apenas um único adjetivo: “faminto”, aplicado a um cão — sugere essa tristeza. A montagem do relato é que constrói
a densidade do clima.
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Mais acima, escrevi que Wislawa Szymborska não costuma usar paralelismos. Esse relato de visita ao hospital me desmente. Há nele pelo menos duas sequências
de frases que repetem uma mesma estrutura. Contudo, não se trata de efeitos, digamos, “poéticos”. São, na verdade,
um expediente de fala comum para quem conta um caso. Aquele que foi ao hospital narra sobre o amigo doente: “Não me pediu para ficar nem
para sair. / Não perguntou de ninguém de nossa mesa. / Nem de você, Bolek. Nem de você, Tolek. Nem de você, Lolek”. Observe-se a intimidade:
Bolek, Tolek e Lolek são apelidos (diminutivos) para Boleslaw, Antoni e Karol. O primeiro é um nome tipicamente polonês e os outros dois
são equivalentes de nossos conhecidos Antônio/Toninho e Carlos/Carlinhos.
No texto seguinte, “Prospecto”, o sujeito lírico é um remédio tranquilizante, que dá conselhos ao seu(sua) usuário(a). Não se pode deixar de destacar
o refinado bom humor da poeta, que aí lança mão de iironias demolidoras. Esses traços também aparecem no poema “Contributo à Estatística”. O
texto faz um exercício de classificação numérica dos seres humanos, conforme seus atributos: os “prontos para ajudar”; os “dispostos a admirar sem inveja”; os
“gatos escaldados” etc.
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Nos textos seguintes, observa-se uma leve mudança do ponto de vista. Agora entram em foco situações, digamos, mais tradicionais. O primeiro exemplo está
no poema “Perspectiva”, que descreve o encontro de um homem com uma mulher que “por um breve tempo / amaram-se para sempre”. Embora
a circunstância seja conhecidíssima como pano de fundo para milhares de outros poemas, filmes, contos, romances, o texto extrai substância
poética desse fato de uma forma bastante inusitada. Confira.
Em outra cena trivial das cidades grandes, o poemeto “No Aeroporto” mostra agora um casal ativo (não ex-amantes) que se reencontra após longa separação.
Aqui, o adjetivo “longa” é arbitrário: a duração do tempo pode ser real — medida em dias, meses, anos —, como apenas psicológica. Quando há paixões
vulcânicas, dois dias já são mais que uma eternidade. Também não se sabe quem chega de viagem, quem está esperando. Pode-se pensar, outra vez,
numa dupla homem/mulher, mas o texto não diz. Portanto, pode ser qualquer tipo de casal. Pouco importa. “Até que enfim! Até que enfim!”,
os dois excl/amam.
A seleção de poemas termina com “A Mão”. O que se tem aí é quase um resumo anatômico e neurofisiológico desse órgão terminal de nossos braços: “Vinte e
sete ossos / trinta e cinco músculos” etc. Nos versos finais, o poeminha faz a mão saltar, sem aviso, dos compêndios médicos para a atividade humana e
suas criações no campo social. E tudo se faz com os cinco dedos da mão.
Surpreendente Wislawa.
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BIOGRAFIA
Há ainda um quarto livro, também lançado este ano — não de, mas sobre Wislawa Szymborska. Trata-se de uma biografia da autora:
Quinquilharias e Recordações, escrita pelas jornalistas polonesas Anna Bikont e Joanna Szczesna (Editora Âyiné; tradução de Eneida Favre).
SOBRE A TRADUÇÃO
A tradutora paranaense Regina Przybycien, responsável pelas três coletâneas de Wislawa Szymborska no Brasil, concede uma entrevista
ao poeta paulista Tarso de Melo, publicada no site da
revista Cult. Ela conversa sobre
a linguagem e fatos da vida da nobelizada escritora.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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