Amigas e amigos,
Senhoras e senhores; ilustres damas e gentis cavalheiros; jovens senhoritas e gentis mancebos: tenho a grata satisfação de anunciar que este boletim
se torna maior de idade em 12 de dezembro de 2020, data em que completa 18 anos em circulação. Fica, pois, registrado o aniversário do boletim.
Mas, neste annus horribilis de 2020, o momento não é propício para festas e celebrações.
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É importante ainda destacar que este é o último boletim de conteúdo poético do ano. O poesia.net entra em recesso.
Esperamos voltar com mais poesia em fevereiro de 2021. Dentro do possível, um bom fim de ano a todxs
xs leitorxs.
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Apesar do ambiente nefasto marcado pela pandemia e pelo desgoverno que destrói o Brasil, o ano de 2020 marca o
centenário de alguns grandes nomes da literatura brasileira. Entre esses nomes está a romancista e contista Clarice Lispector (1920-1977), que completaria um século
exatamente neste 10/12. Em homenagem à escritora, o Instituto Moreira Salles põe no ar novo site nessa data:
claricelispector.ims.com.br. O espaço reúne fotos, áudios, vídeos,
manuscritos e estudos sobre a autora.
Em 2020 também se celebram os 100 anos da poeta, contista, romancista e
tradutora
Ruth Guimarães (1920-2014). Nascida em Cachoeira Paulista-SP,
publicou dezenas de obras, entre as quais os romances Água Funda (1946) e os Os Filhos do Medo (1950) e Contos de Cidadezinha (1996).
Ruth Guimarães foi a primeira escritora negra no Brasil que conseguiu projetar-se nacionalmente desde o lançamento de seu livro de estreia,
Água Funda.
Outro escritor de quem se comemora o centenário em 2020 é o pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Naturalmente, as celebrações
dos 100 anos de João Cabral ficaram prejudicadas pelo distanciamento social
imposto pela pandemia. Assim, muito do que se fez resumiu-se à internet: palestras,
seminários, artigos nos sites e portais. Mas há também novidades livrescas.
Merece destaque a nova edição da Poesia Completa do autor. Lançado pela Editora Alfaguara, o volume (oferecido em papel e no formato e-book)
contou com “organização, estabelecimento de texto, prefácio e notas” do poeta e acadêmico
Antonio Carlos Secchin, um dos mais destacados estudiosos
da obra do autor pernambucano. Nessa tarefa Secchin contou com a colaboração de Edneia R. Ribeiro.
O mesmo Secchin também relançou este ano a reunião de seus estudos cabralinos. A obra, que antes se chamava Uma Faca Só Lâmina
(Cosac Naify, 2014), agora, ampliada, passou a chamar-se João Cabral de Ponta a Ponta, publicada pela Cepe Editora, de Pernambuco.
Apresentado inicialmente em formato digital, o livro também será distribuído em papel.
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Mas passemos à poesia. Nascido em 12/12/2002, o poesia.net estreou com o poeta João Cabral de Melo Neto e seu poema
“O Cão sem Plumas”. Nesta edição, para marcar os 18 anos do boletim e os 100 anos de João Cabral, retornamos ao mesmo poema. Desta vez,
no entanto, você encontra ao lado somente a transcrição da parte IV do poema, seu trecho final, chamado “Discurso do Capibaribe”. Para ler
o poema completo, por favor, retorne à edição n. 1.
Publicado originalmente em 1950, “O Cão sem Plumas” é anterior à peça em versos Morte e Vida Severina, escrita em 1954-55. Esse cão
despossuído de adornos representa um dos momentos mais altos da criação cabralina.
O cachorro desemplumado é a metáfora de Cabral para o rio Capibaribe e sua cinzenta convivência com os homens-caranguejos, que também são
cães sem plumas. Como lembra o poema (na parte II, não transcrita aqui), “Difícil é saber/ se aquele homem/ já não está/ mais aquém do homem”.
Antonio Carlos Secchin explica a origem do título: “é metáfora do Rio Capibaribe, que atravessa o Recife, e dos habitantes pobres que habitam
às suas margens, sugados e explorados até naquilo que não possuem — daí o cão sem plumas. Primeira grande incursão de Cabral no domínio da
poesia engajada, o longo poema é um notável exemplo de obra que concilia uma visão complexa do tecido social a uma urdidura igualmente
complexa do tecido verbal”.
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Do rio Capibaribe e suas criaturas sobreviventes, saltamos para algumas novidades, extraídas da nova Poesia Completa de Cabral.
O volume traz um apêndice no qual constam textos dispersos e inéditos do poeta. Daí extraí três poemas. Os dois primeiros são
dispersos; e o último, um inédito.
Conforme nota dos organizadores, os textos “Poucos sabem, mas existe um baobá no Recife” e “Pedem-me um poema” apareceram no primeiro
número de Terceira Margem, Revista do Centro de Estudos Brasileiros da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em 1998,
um ano antes do falecimento do poeta.
No poema sobre o baobá recifense (que de fato está lá, no Jardim do Baobá, à beira do Capibaribe), Cabral tenta supor como aquela
árvore tipicamente africana (segundo ele, originária da região subsaariana do Sahel) foi parar em Pernambuco. Seja como for, ele acredita
que esse baobá apernambucanou-se, virou um “antibaobá” e até fala a língua popular local, o caçanje, assim como a mangueira e a jaqueira.
(Existe também um baobá na ilha de Paquetá, no município do Rio de Janeiro, conhecido como Maria Gorda. Essa Maria deve falar com sotaque carioca.)
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Em “Pedem-me um poema”, o poeta, acometido de cegueira em seus últimos anos, praticamente diz que não pode mais escrever. “Um poema se
faz se vendo, / um poema se faz para a vista”, argumenta ele. E, pernambucano renitente, mais uma vez compara o poema a um rio —
“por exemplo, um Capibaribe”. E ainda insiste: “Poema é coisa de ver, / é coisa sobre um espaço, / como se vê um Franz Weissmann,
/ como não se ouve um quadrado”.
Nestes últimos versos, Cabral repete conceitos que lhe são muito caros: a visualidade do poema, sua espacialidade e a referência com
outras artes — aqui ele cita o escultor austríaco-carioca Franz Weissmann (1911-2005). O poeta também insiste em uma de suas idiossincrasias: a
de que o poema não é para ser lido oralmente. Daí porque se vê uma obra de Weissmann, mas “não se ouve um quadrado”.
Extraído dos inéditos, o último poema, “Entrevista”,
traz a data de 08/07/1987. Nesses versos, dispostos na forma de perguntas e respostas,
o poeta — supostamente o entrevistado — apresenta, mais uma vez, sua visão do que seja a poesia. Ao lado, trancrevo apenas os oito versos iniciais.
Cem vezes: viva João Cabral!
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João Cabral de Melo Neto já esteve aqui em outras edições:
• poesia.net n. 325
• poesia.net n. 1
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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poesia.net, 18 anos
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