Amigas e amigos,
Nesta edição, o poesia.net destaca o paulistano Luís Aranha (1901-1987), poeta que participou da Semana de Arte Moderna de 1922 e logo
em seguida abandonou a poesia, sem publicar nenhum livro.
Apresentado a Mário de Andrade em 1920, Aranha passou a frequentar reuniões na casa do escritor, das quais também participavam a fina flor do modernismo,
gente como Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Ronald de Carvalho.
O próprio Aranha leu alguns de seus poemas na segunda noite da Semana de 1922. Quatro de seus poemas foram publicados na revista modernista Klaxon
e, posteriormente, mais um, na Revista do Brasil. Depois disso, o poeta desapareceu.
Aranha formou-se em direito em 1926, mudou-se para o Rio de Janeiro e abraçou a carreira diplomática. Sua obra poética (26 poemas) foi publicada
somente em 1984, no volume Cocktails, organizado pelo poeta Nelson Ascher e pelo crítico literário Rui Moreira Leite. O título e os poemas
desse livro fundamentam-se nos originais entregues pelo autor a Mário de Andrade, ainda nos anos 1920.
•o•
No período mais agitado do modernismo paulista, Luís Aranha conquistou certa notoriedade, graças à publicação de três poemas longos: “Drogaria de éter e
de sombra”, “Poema Pitágoras” e “Poema giratório”. Pelas soluções poéticas adotadas e até mesmo por declarações inseridas nos poemas, percebe-se que o
autor lia bastante os modernistas estrangeiros, especialmente os franceses.
A seleção de textos ao lado começa com
quatro fragmentos de “Drogaria de éter e de sombra”, um poema que ocupa 17 páginas no livro. A origem desse texto
é conhecida. Em 1919, o poeta trabalhara por algum tempo como balconista na Drogaria Bráulio, no centro de São Paulo.
•o•
O fragmento “Drogaria Sociedade Anônima” abre o poema. Conforme o próprio texto indica, lê-se ali uma tabuleta no estilo daquelas que as lojas comerciais
exibiam à sua entrada. A placa lista os produtos oferecidos pela farmácia. Indica também que o estabelecimento opera no atacado e no varejo e que
— detalhe importante — as contas de vendas a crédito devem ser liquidadas no fim de cada mês.
Além de produtos farmacêuticos, também se oferecem publicações, como o Livro de Ouro do Veterinário, o Manual do Farmacêutico e o
Formulário de Chernoviz. Este último, Pedro Luiz Napoleão Chernoviz (1812-1881), foi um médico polonês que veio para o Rio de Janeiro em
meados do século XIX. Seu Formulário, publicado entre 1841 e 1920, era um guia médico, com a descrição dos medicamentos, suas propriedades
e doses aplicáveis para cada doença.
Uma pequena gota de veneno modernista aparece no último livro oferecido na drogaria: Tratado de Versificação. Praticante convicto do verso
livre, o autor cutuca, com humor, os poetas preocupados com a metrificação. Nos versos seguintes, revela-se o projeto: o sujeito lírico
se apresenta como um poeta que, seduzido pela instigante placa comercial, decidiu tabalhar como balconista de uma drogaria.
•o•
É interessante notar que os poemas longos de Luís Aranha compõem suítes complexas, nas quais o autor aborda diferentes temas. O “Poema elétrico”,
por exemplo, vem com esse título dentro da “Drogaria de éter e de sombra”. Nele o poeta se põe a falar de sensações amorosas usando
conceitos da eletricidade: “Meu corpo é o polo positivo que pede / Teu corpo é o polo negativo que recusa...”.
“Drogaria”, o terceiro texto ao lado, é também um fragmento, com esse título, do poema inspirado na farmácia. Se no anterior a fonte de informações era
a eletricidade, aqui o ambiente é a indústria: “Grande fábrica de produtos químicos sobre o rio Tietê / Grandes conduções de água com reservatórios
e tanques especiais”.
No trecho “[Amo-te]” (neste caso o título foi introduzido por mim, apenas como referência), o autor volta a combinar o sentimento amoroso, cerejeiras
e “o aroma verde dos matos” com produtos farmacológicos: “Nitrato/ Sulfato/ Clorato” etc. “E o poder colossal de um sindicato / de drogas!...”.
•o•
No poema “Minha Amada”, o sujeito lírico empreende novas misturas. Vai da música (jazz band, valsa) às experiências pictóricas (“Teu rosto era a
palheta de um pintor”) e envereda por imagens surrealistas. Vista pela última vez, a amada era uma espécie de Eva “numa folha de parra”, enquanto
ele come um pedaço de polo (terrestre). Mais adiante, a amada se converte numa hélice e num ventilador. O fascínio pelas tecnologias então novas é
evidente. Mas, que pena, após tantas peripécias titânicas, o amor acaba e a única saída encontrada pelo ex-amante é incluir o poema num livro
chamado Cocktails.
Nos dois textos finais desta seleção, “O Trem” e “O Túnel”, fica explícito, mais uma vez, o deslumbramento do poeta modernista em relação às novidades que
significam mudança, progresso, velocidade. Futurismo. E no túnel “o trem penetra / como um punhal de luz no coração da treva”.
Naturalmente, lidos cem anos depois, os poemas de Luís Aranha revelam, aqui e ali, algumas fragilidades. Mas sem dúvida o jovem poeta incorporava
muito bem o espírito modernista dos anos 1920. Não por acaso, seus textos receberam o reconhecimento de nomes como Manuel Bandeira, Cassiano Ricardo,
Mário da Silva Brito, José Lino Grünewald e Antonio Risério.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
•o•
Curta o poesia.net no Facebook:
•o•
Compartilhe o poesia.net
Compartilhe o boletim nas redes Facebook, Twitter e WhatsApp. Basta clicar nos botões logo acima da foto do poeta.