Amigas e amigos,
Esta edição marca o aniversário do poesia.net, que completa 19 anos em 12 de dezembro de 2021. Num contexto de quase dois
anos de pandemia e após a perda de quase 620 mil vidas brasileiras, não é hora de comemorações. Fica o registro do aniversário.
Esta é a última edição de conteúdo poético do ano. O poesia.net entra em recesso. Espero retornar com
mais poesia em fevereiro de 2022. Neste mês ainda circula a retrospectiva do ano. Desejo um bom fim de ano a todos, leitoras e leitores.
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Confesso a vocês que sempre me entusiasmei com os personagens, citados pelo nome, que aparecem nos poemas e canções populares. É claro que as
figuras humanas dos romances são muito mais completas. A gente convive com elas durante dias, muitas peripécias e centenas
de páginas. Os
personagens de poemas e canções não têm esse tempo todo. São apenas dois, três minutos de audição ou leitura — e eles ou nos conquistam
ou são esquecidos de imediato.
Mas aqui desejo falar daqueles personagens que ficam plantados para sempre em nossa cabeça. Cito alguns da música popular. No Brasil, figuras de Caymmi,
como João Valentão, o brigão; e uma graciosa lista de mulheres, a exemplo de Dora, Doralice, Marina e Rosa Morena. Outra mulher: Etelvina, a esposa do samba
“Acertei no Milhar”, de Wilson Batista. E ainda o trágico triângulo amoroso em J (José, João e Juliana), de “Domingo no Parque”, invenção genial de
Gilberto Gil.
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Há muitas outras figuras que se destacam, como Pedro Pedreiro, Carolina, Januária, Geni e Lily Braun, de Chico Buarque;
ou, ainda, Irene, de Caetano Veloso, dona de inesquecível risada; e Clarice, de José Carlos Capinan em parceria com Caetano. A lista poderia
seguir indefinidamente. Lembro-me, por exemplo, da emblemática Mama África, a mãe negra e proletária, da canção de Chico César.
Vêm ainda figuras engraçadas como Arnesto, de Adoniran Barbosa, e a comadre Sebastiana, de Rosil Cavalcanti, na voz de Jackson
do Pandeiro.
Na música pop internacional, também é possível pinçar figuras como o Sargento Pimenta (Sgt. Pepper), líder de uma banda retrô; Eleanor Rigby, aquela mulher que
cata o arroz na igreja depois dos casamentos; e até a moça que tinha por nome Magill, mas chamava a si mesma Lil, embora todo mundo a conhecesse
como Nancy. Todos esses personagens vêm do baú dos Beatles.
E na poesia, quais são os personagens inesquecíveis?
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No Brasil, o maior criador de figuras humanas talvez seja Manuel Bandeira. Gente inventada ou retratos de pessoas reais, seus personagens incluem
Misael, que se casou com Maria Elvira, em “Tragédia Brasileira”; e João Gostoso, aquele do “Poema Tirado de uma Notícia de Jornal”. Há também pessoas
impressionantes como “Jandira”, de Murilo Mendes; “José”, alter ego de Drummond, ou a moça Luísa Porto, procurada desesperadamente pela velha
mãe no poema “Desaparecimento de Luísa Porto”, também de Drummond. Ainda do poeta itabirano, não há como esquecer os “dançarinos” do
poema “Quadrilha”: João, Teresa, Raimundo, Lili etc. Ou, ainda, o migrante pernambucano Severino, de João Cabral de Melo Neto, citado aqui recentemente
no boletim n. 472.
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Nesta edição, fiz uma seleção de poemas baseados em personagens. Fiquei com apenas quatro deles. Primeiro, “Ismália”, de
Alphonsus de Guimaraens; depois, “Poema Tirado
de uma Notícia de Jornal”, de Manuel Bandeira;
a seguir, “Os Tiranos”, de Adélia Prado;
e, por fim, “Invenção de Eurídice”, da poeta potiguar Iracema Macedo.
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Alphonsus de Guimaraens
• Ismália
Publicado originalmente no livro póstumo Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte (1923), o poema “Ismália” é talvez o mais popular do
simbolista mineiro Alphonsus de Guimaraens (1870-1921). Baseado numa tragédia — o suicídio da personagem —, o texto compõe-se de cinco quadras
em redondilhas maiores, todas com versos rimados em “eu” e “ar”.
O primeiro quarteto de “Ismália” já apareceu aqui no boletim
n. 424 como um exemplo de “início arrebatador”. Com quase 100 anos em circulação, o poema tem servido de base para numerosas
canções. Uma delas foi composta pelo pernambucano Capiba (Lourenço da Fonseca Barbosa, 1904-1997).
Outra, mais recente, tem música de Gastão Villeroy,
que a interpreta ao lado de Milton Nascimento. Confira aqui.
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Manuel Bandeira
• Poema Tirado de Uma Notícia de Jornal
João Gostoso, protagonista destes versos bandeirianos, realmente existiu e foi notícia de vários jornais em dezembro de 1925. Mas, conforme
descoberta do poeta e professor Heitor Ferraz, a notícia a que Bandeira se refere no título saiu no Beira-Mar,
semanário de bairro carioca, em 25/12/1925.
No auge de sua criatividade modernista, Bandeira extraiu dessa publicação quase todas as palavras do texto. “Poema Tirado de Uma Notícia de Jornal”
foi publicado em livro pela primeira vez no volume Libertinagem (1930).
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Adélia Prado
• Os Tiranos
O poema “Os Tiranos” é um de meus preferidos de Adélia Prado. Nele a poeta de Divinópolis-MG traça o perfil de um grupo de irmãs solteiras
(Alvina, Rosa, Marta e Aurora) que vivem juntas numa casa do interior. Sua vida, marcada por pequenas intrigas domésticas, é regida pela autoridade
de uma figura ausente,
o pai Joaquim, há muito já falecido.
Um dos pontos fortes da poesia de Adélia Prado é exatamente trazer para o mundo lírico essas criaturas de vidas opacas, com suas histórias
em voz baixa, às quais os poetas não costumam prestar muita atenção.
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Iracema Macedo
• Invenção de Eurídice
Este poema dá título ao livro Invenção de Eurídice, da poeta e professora potiguar Iracema Macedo. Publicada em 2004,
essa coletânea reúne uma rica coleção de personagens femininas, ficcionais ou históricas, que se movem entre dores e as sofridas delícias de
um mundo que se pauta pela régua do patriarcado.
A figura de Eurídice, criada por Iracema, contém rebeldia na própria raiz. Observe-se que Invenção de Eurídice é a contraparte
feminina do épico Invenção de Orfeu, do alagoano Jorge de Lima. No poema, sente-se um vaivém de onda marítima que envolve ao mesmo
tempo conflito e sedução. “Havia os cabelos de Eurídice incendiando a praia / E os homens com suas redes esperando”.
E ela, a protagonista, busca apenas “alcançar uma alegria, um êxtase, / Uma dor que fosse”.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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poesia.net, 19 anos
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