Amigas e amigos,
Incansável em sua produção intelectual, o poeta (também romancista, contista e ensaísta) Ronaldo Costa Fernandes
acaba de lançar A Trama do Avesso (7Letras, 2024), seu décimo primeiro título de poesia. Mais uma vez,
Costa Fernandes apresenta aos leitores um volume no qual esbanja criatividade em seu estilo marcadamente pessoal.
O autor já é conhecido dos leitores deste boletim. Esteve aqui nas seguintes edições:
n. 503;
n. 421;
n. 313;
n. 263; e
n. 126. Com isso, os leitores
do poesia.net têm o privilégio de contar com uma boa amostra da poesia de Ronaldo Costa Fernandes.
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Em A Trama do Avesso encontra-se, mais uma vez, a força da poesia de Ronaldo Costa Fernandes. Para esta edição,
selecionei cinco poemas, que começam com “O Sagrado e o Profano”, uma homenagem a poetas da predileção do autor.
Abre a fila o vate da pedra no caminho: “Entre os versículos/ de que mais gosto/ estão o do profeta/ Carlos que foi um anjo torto”.
Seguem-se outros poetas brasileiros, como o Andrade da “gota de sangue/ que pinga em cada aleluia”. Mais adiante,
virão, sempre em tom de reverência religiosa, João — “não o Batista,/ mas o do Recife” — e seu primo Manuel.
Saltando para outros tempos e países, a louvação passa também pelo “jardineiro/ Charles que cultivava/ rosas do mal”
e pelo cantor cego, “Homero ou Borges”.
Vem a seguir um poema “O Corpo da Cidade”. Nele o poeta brinca com o próprio corpo como se fossem duas urbes antigas:
“a cidade baixa dos instintos/ e a cidade alta da razão”. Da diferença de níveis entre as duas localidades do corpo
resultam desencontros, tempestades e desrazões.
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Em “Velocidade das Estrelas”, o discurso tem início como se estivéssemos numa aula de física. “Tudo na vida tem
sua velocidade”, diz o primeiro verso. Daí parte-se para a locomoção, mais rápida ou mais lenta, de aviões e
navios. A lição, por fim, chega à velocidade do poema, bólido que se desloca no tempo e no espaço. Confira.
No poema “Habitação e Melancolia” o ambiente de discussão se transfere para a memória, nas páginas dos álbuns
de fotografias. Ali, garante o narrador, “estão colados os dias felizes”. Também lá estão os pais e os avós,
“que agora vivem mortos”. Esta última frase constitui uma contradição apenas para a lógica formal, atenta
somente à superfície das palavras. Mas o poeta sabe que, no país da memória, o tempo é sempre presente.
Então, os mortos vivem. Aliás, Fernando Pessoa, na voz de Álvaro de Campos, já disse, relembrando a infância:
“Eu era feliz e ninguém estava morto”.
Mais um poema, “Abalo Sísmico”. Agora, os sentimentos do eu poético são regulados pelo movimento geológico
de “placas tectônicas”. A mente oscila entre “certezas maciças” e “opiniões equivocadas”. Para manter o
mínimo de equilíbrio no meio da turbulência, o narrador elege o amor como seu epicentro.
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Cada novo livro de Ronaldo Costa Fernandes é sempre um objeto caleidoscópico, oferecido a leituras múltiplas
e diferentes focos de atenção. Confesso a vocês que me debrucei sobre A Trama do Avesso e fui anotando
uma série de poemas. Voltei depois e, daquela lista, decidi quais poemas seriam escolhidos para este boletim.
Contudo, agora, ao começar a escrever, fiquei novamente em dúvida quanto aos poemas escolhidos. Isso, de um
lado, revele uma fragilidade minha. Mas, de outro, demonstra a indiscutível fertilidade poética do autor.
A respeito de outra coletânea do poeta, já escrevi aqui que sua criação lírica sempre observa pessoas e
coisas e perquire sobre aspectos menos iluminados do cotidiano. São indagações que não têm medo de
cutucar o mal-estar, como acontece na verdadeira poesia.
Um dos aspectos que se destacam em todos os livros de poemas de Ronaldo Costa Fernandes é a variedade
das metáforas, que — sem criar momentos de obscuridade — trafegam por áreas inesperadas, com
vasto arsenal de surpresas para o leitor. Nos poucos poemas mostrados aqui, por exemplo, aparecem
poetas canônicos; a topografia de cidades; a velocidade das estrelas e dos poemas no tempo;
fotografias contempladas no “quarto dos fundos da memória”; e até placas tectônicas
que provocam abalos sísmicos entre certezas e opiniões do eu poético.
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Romancista, poeta e ensaísta, Ronaldo Costa Fernandes nasceu em São Luís-MA, em 1952, criou-se no Rio
de Janeiro e depois fincou raízes em Brasília. Morou durante nove anos na Venezuela, onde dirigiu o Centro de Estudos
Brasileiros da Embaixada do Brasil em Caracas. Foi também coordenador da Funarte em Brasília, até 2003.
Costa Fernandes é doutor em Literatura pela Universidade de Brasília e já ganhou vários prêmios literários,
entre os quais o Casa de las Américas, com seu quarto romance, O Morto Solidário, de 1998, e o Prêmio
ABL de Poesia, 2010, com o livro A Máquina das Mãos. É membro da Academia Maranhense Letras.
No campo da poesia, Costa Fernandes é autor de onze livros, entre os quais A Trama do Avesso (2024);
A Invenção do Passado (2022); Matadouro de Vozes (2018); O Difícil Exercício das Cinzas (2014);
A Máquina das Mãos (2009); Andarilho (2000); e Estrangeiro (1997).
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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