Amigas e amigos,
O poeta Fabrício Oliveira (Santo Estêvão-BA, 1996) foi destaque aqui no poesia.net na edição
n. 496, em outubro de 2022.
Agora, ele retorna ao boletim, trazido pelo lançamento da coletânea Corações Arenosos (Mondrongo, 2023).
Ao discorrer sobre seu livro anterior, Viração (Patuá, 2022), observei que Fabrício Oliveira desenvolve um
lirismo especial, sempre baseado em experiências concretas, vividas por ele mesmo ou ouvidas de vizinhos e parentes.
No novo livro, esses traços se mantêm.
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De Corações Arenosos selecionei meia dúzia de poemas, que são mostrados ao lado. O primeiro é “Casa Verde”.
O narrador, num lugar campestre, observa pássaros (sofrê, araras) e se envolve na paisagem. “Um sofrê atravessa
meus olhos / esticando lírios e pedaços de estrelas”.
Vem a seguir o poema “Memórias”. Aqui, o eu poético relata lembranças de infância e constrói um ambiente meio
surrealista: “os dentes do cavalo abriram sendas nos meus sonhos”; ou “Trago enrolada numa casca de jerema /
uma fotografia 3x4 de Alcides Cachaça”. São lembranças soltas, desconectadas umas das outras. O menino que as
apresenta mistura livremente coisas acontecidas com outras sonhadas ou inventadas.
No próximo poema, “Flauta Doce”, o contexto é ainda de lembranças (“lembranças e mágoas”) que voam na brisa e
são marcadas pelo “vulto esguio” de um pé de eucalipto. E tudo soa como flauta doce.
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Em “Água Grande”, referência ao nome de um povoado, destaca-se a figura de Dona Graúda, parteira e rezadeira.
Chamada às pressas para aviar um parto, ela desta vez não conseguiu dar conta do recado.
As rezas foram em vão: o nascituro, infelizmente, morreu ainda no ventre da mãe. Desgosto em Água Grande.
“A angústia no semblante de Zé da Prensa / ia se nutrindo da poeira da tarde”.
No poema “Dona Otávia”, surgem mais uma vez recordações de infância. Dona Otávia, há muito falecida, “hoje
tange suas cabras magras / em três tarefas de sonhos”. Para os leitores urbanos, vale lembrar que essas
tarefas aí não são trabalhos: correspondem a uma medida agrária. Cada tarefa, na Bahia, corresponde a cerca de 4,3
mil metros quadrados de terreno.
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O poema “Sete Luas” fecha a miniantologia com um caso doméstico muito doído. Migué, irmão do narrador,
saiu para cumprir um mandado do pai e nunca mais voltou. A mãe, coitada, vive a repetir: “Migué não veio?”.
Histórias do interior.
Aplicada à poesia de Fabrício Oliveira, a palavra “interior” tem duplo sentido. Indica o ambiente rural,
onde os eventos acontecem, e também um lugar na mente dos narradores, onde residem suas memórias,
seus sonhos, suas esperanças.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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