Amigas e amigos,
A poeta baiana Ana Cecília de Sousa Bastos já é conhecida dos leitores
deste boletim. Ela esteve aqui na
edição n. 93, de 2004, e também na
edição n. 478, de 2021.
Agora ela retorna, trazida pelo seu livro mais recente, Contemplação do Mar (Confraria do Vento, 2022). Nessa
coletânea, a poeta, baiana de Salvador, escolheu o mar como tema central. E, criativamente, esse mar se espraia
para muitas outras áreas, que vão desde o corpo e os sentimentos do eu poético até a cidade e seus habitantes.
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A poesia de Ana Cecília é marcada pelo signo da delicadeza. Lembra conjuntos de objetos articulados, nos quais
as ideias se equilibram em fios finíssimos e dão a impressão de que não serão capazes de resistir ao primeiro
vento mais nervoso.
Mas, na verdade, é tudo artimanha! Nessa delicadeza, nessa fragilidade aparente, reside toda a força, toda a robustez
dos versos da poeta. A rigor, seus poemas são artefatos imunes a ventos e tempestades. E ela, discreta e sem alarde,
corteja o perigo. Contemplar o mar sugere (aos distraídos) uma tarefa singela, uma atitude de quem quem deseja permanecer
parado com os olhos perdidos nas ondas e no horizonte curvo.
Contudo, o que se encontra em Contemplação do Mar não é exatamente um clima de estática contemplativa. A poeta,
no livro, exibe plena consciência dos mistérios do oceano, suas maravilhas e violências.
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Veja-se, por exemplo, o poema “Oceano”. A abertura apresenta uma comparação entre o mar e os seres humanos, imediatamente
resumidos à pessoa do eu poético. “Somos oceano nas extremidades. / Contemplo minhas unhas, / conchas do mar”.
E toda a sequência do poema dedica-se a traçar outros paralelos entre modos de ser da humanidade e comportamentos do mar.
No poema seguinte, “Posse”, a aproximação se faz entre a vida nas grandes cidades e os mistérios do mar. A cidade é
“O oceano a nos envolver, / envoltório de ruas acanhadas e eternas”.
Em “Alagados”, a poeta trabalha com choques de opostos. De um lado, a beleza do mar e a “canoa singrando o mar /
que sangra”. Singrar e sangrar. Porque, nas favelas que seguem o estilo de Alagados (habitações precárias plantadas
em palafitas sobre a maré), a beleza do mar se transforma em tristeza.
Vem, por fim, o poema “Coração de Areia”, uma bela reflexão filosófico-existencial. E o mar, tema explícito de todo
o livro, aparece aqui como infinita fonte de mistérios. “Areia é minério talvez eterno. // Este grão que penso reter
nas mãos / amanhã mesmo o oceano levará. / Nunca saberei de que silício ou cecília / é feito”.
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Ana Cecília de Sousa Bastos (Salvador, 1954) é psicóloga e professora aposentada da Universidade Federal da
Bahia e da Universidade Católica de Salvador. Em poesia, publicou Uma Vaga Lembrança do Tempo
(Prêmio Copene, 1999); A Impossível Transcrição (1ª ed., 2007; 2ª ed. ampliada, 2021); Escritos Extraídos
do Silêncio (2015); e Contemplação do Mar (Confraria do Vento, 2022).
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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