Amigas e amigos,
Poeta, cronista e ativista cultural, Dalila Teles Veras é figura conhecida no mundo literário e também conhecida de
quem acompanha este boletim. Ela acaba de lançar, pela Editora Patuá, o livro Opções para morrer no espaço. Trata-se de uma
coleção de 37 poemas, todos intitulados com números romanos, de I a XXXVII.
Nesses textos, a autora, com acento lírico marcadamente pessoal, observa o mundo (destaque para o trágico período da pandemia) e avança
para considerações cósmicas — aspecto trazido para o título da coletânea. No final do volume, a poeta (cujas obras, entre livros e
plaquetes, já alcançam a casa das duas dezenas) reúne um conjunto de textos críticos sobre seu trabalho poético.
•o•
Para esta edição, selecionei meia dúzia de poemas de Opções para morrer no espaço. Vamos à leitura. O primeiro texto é o número
“VII”, um metapoema no qual se fundem e confundem a existência da criadora com a própria vida do poema. Durante a escrita, chega o momento
crucial de atravessar o Rubicão e conquistar a validade do artefato poético. A autora empenha todos os seus esforços e, com braços frágeis
para vencer a travessia, “nada e afunda nada e afunda”. E todo o nado pode dar em nada.
Neste poemeto o eu poético se expõe como ente falível (o texto pode resultar num bom poema — ou não) e, portanto, destituído de
pretensões olímpicas. A poeta não finge ser detentora dos poderes de um pequeno deus que teria controle absoluto de todas as
circunstâncias da obra em construção.
Vem a seguir o poema “VII”, que trata da pandemia do coronavírus. “no começo era apenas uma palavra suspeita / com significados
desconhecidos e a legitimar”, dizem os dois primeiros versos. Depois vem o desenrolar da tragédia mundial: “milhões de infectados
setecentos mil mortos / outros milhões de brasileiros enlutados”.
No texto, a poeta faz questão de ressaltar a “letalidade insaciável” do vírus, ainda assim “desprezada pelos lunáticos”. No caso
brasileiro, os lunáticos estavam no poder, negando as vacinas e arquitetando negociatas com o desespero da população enlutada.
•o•
O poema “XX” é um dos textos em que Dalila Teles Veras aponta para o ambiente cósmico. Mas essa virada para o contexto sideral
não significa um abandono do que acontece aqui na Terra, este “pequeno astro sem luz / sem inteligência sem humanidade sem futuro”.
Como se vê, tudo continua centrado em nosso planeta e não poupa de críticas os “humanoides zumbis terraplanistas bélicos”.
O texto “XXXIII”, outra peça metaliguística, retorna à seara da criação poética. A autora discorre sobre o que é necessário para
a construção do poema: “um poema precisa do estrato mais invisível da engrenagem / aquele que não pode ser radiografado
computadorizado / escaneado apalpado auscultado muito menos fotografado”. Como se vê, o poema exige algo que não se subordina
aos poderes das novíssimas tecnologias.
•o•
No poema “XXXVI”, Dalila Teles Veras declara os nomes da “multidão silenciosa” que segue com ela nos caminhos de sua
“bibliovida”. São autores de poesia e prosa, cujos nomes aparecem colados uns aos outros, formando um objeto único.
Lá estão Camões, Drummond, Cabral, Bandeira, Cecília, Clarice, Emily Dickinson, Saramago, Haroldo de Campos etc. etc.
etc. Detalhe: este poema é dedicado à cantora Maria Bethânia, conhecida pelo seu valoroso trabalho de divulgação
poética.
O último poema da seleção funda-se numa referência bem pessoal da autora. Escrito em primeira pessoa, começa citando
a data em que a poeta completou “setenta e sete voltas em torno do sol”. Sempre atenta à realidade, ela constata que
já viveu mais que a expectativa média mundial, que é de 73 anos. Considera-se, portanto, uma sobrevivente.
•o•
Dalila (Isabel Agrela) Teles Veras nasceu na ilha da Madeira, Portugal, em 2 de julho de 1946. Emigrou para
o Brasil ainda menina, em 1957. Em 1972, radicou-se em Santo André, no ABC Paulista, onde reside até hoje.
Desde 1992, criou e dirige um ambiente cultural próprio, a Alpharrabio, um misto de livraria, editora e espaço
para eventos.
Poeta e cronista, publicou cerca de vinte títulos. Ativista cultural, coordenou diversos projetos de divulgação literária.
Foi diretora e secretária-geral da União Brasileira de Escritores (SP). Sua atividade cultural lhe rendeu o título de
Doutora Honoris Causa da Universidade Federal do ABC, concedido em 2019.
A Dalila poeta já apareceu neste boletim em várias outras edições:
n. 355, de 2016;
n. 331, de 2015;
e n. 72, de 2004.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
•o•
Visite o poesia.net no Facebook e no Instagram.