O Carnaval se aproxima. Confesso que, com exceções muito especiais, não gosto dos sambas momescos — os chamados sambas-enredo. Creio que, na maioria dos casos, são músicas que não fluem naturalmente nem conquistam a aura de perenidade das grandes canções.
Em geral, aprecio as composições feitas pelos mestres das escolas de samba, porém não as destinadas ao Carnaval, a exemplo de pepitas como
As rosas não falam, de Cartola, Folhas secas, de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, ou
14 anos, de Paulinho da Viola.
Dia desses, reencontrei um samba dessa categoria, do compositor fluminense Aluísio Machado (Campos-RJ, 1939), veterano da esola de samba Império Serrano. Dito assim, você talvez não o reconheça. Afinal, Aluísio não é nenhum pop star. Mas é claro que você o conhece. Se não de vista e de chapéu, como diria Dom Casmurro, pelo menos de ouvido. Para começo de conversa, ele é autor de um famosíssimo samba-enredo,
Bum bum paticumbum prugurundum (1982), em parceria com outro bamba chamado Beto Sem Braço (Laudenir Casemiro, 1940-1993).
Sambista de primeira água, Aluísio começou aos 14 anos a desfilar na Império Serrano, agremiação na qual integra a ala de compositores. Profissionalmente, foi estofador e depois funcionário (arquivista, contabilista) do Tribunal Marítimo, órgão vinculado à Marinha.
Feitas as apresentações, quero falar mesmo é do samba Minha Filosofia, da autoria de Aluísio Machado. Na letra, o autor brinca com redundâncias e, irônico, pede desculpas por isso. Um clássico do samba carioca.
Segundo o próprio Aluísio (veja o vídeo abaixo), esse samba, lançado em 1981 por Alcione, teria sido composto como um sutil protesto contra a ditadura militar. A melodia, de fato, contém um tom de desencanto e, ao mesmo tempo, de esperança. Afinal, o sambista-filósofo sabe muito bem: não há mal que sempre dure. A sabedoria de Aluísio valia na época e vale também nos obscuros tempos atuais. Vai passar.
E vamos ao samba. Como diz o compositor: “Minha filosofia, lá menor”.
* * *
MINHA FILOSOFIA
(Aluísio Machado)
Vai passar
Esse meu mal-estar
Esse nó na garganta
Deixe estar...
O próprio tempo dirá
Água demais mata a planta
Tudo que é muito é demais
Peço: me perdoe a redundância
Entrelinhas, só quero lembrar
A terra fértil um dia se cansa
É uma questão de esperar
Relógio que atrasa não adianta
E o remédio que cura
Também pode matar
Como água demais mata a planta
• Minha filosofia, lá menor Crônica publicada originalmente no site cultural Kultme
(extinto), em 21 de janeiro de 2018 _______________
* Manuel Bandeira in Itinerário de Pasárgada (1957)