"A poesia é incomunicável. Fique torto
no seu canto. Não ame."
(C.D.A.)
José
Carlos Drummond de Andrade
100 anos: 1902-2002
Glória maior do poeta, a expressão "E agora, José?" — assim como outros versos de Drummond — passou a ser de "domínio público". As palavras acertam em
cheio o sentimento comum e o homem do povo as adota como se fossem suas.
No entanto, o poeta, em sua proverbial reserva e recusa aos fogos do
narcisismo, sempre diminuiu a importância de seus versos. Diz ele:
"Nenhum poema meu ficou popular. A verdade é essa. Considero popular, nas
gerações antigas, o "Ouvir Estrelas", de Olavo Bilac; o "Mal Secreto", de
Raimundo Correia; "Meus Oito Anos", de Casimiro de Abreu; "A Canção do
Exílio", de Gonçalves Dias. São dois ou três. Nenhum outro fica. Geralmente
são poemas pequenos que a memória guarda com mais facilidade. De mim,
ficaram versos. "E agora, José?" não é verso; é uma frase. "Tinha uma pedra
no meio do caminho" —
e só. Não creio que tenha ficado nada mais. Não houve poema meu propriamente
popular. Em geral, as pessoas guardam a imagem do poeta, mas não guardam o
verso, até porque a maior parte dos poemas é em verso livre. Não são
metrificados nem rimados. Então, é mais difícil guardar (...)".
Drummond em sua última entrevista, concedida a Geneton Moraes Neto (In O
Dosiê Drummond, de Geneton Moraes Neto, Ed. Globo, 1994)
•
A avaliação da crítica, porém, é bem diferente da visão
modesta do poeta:
"E realmente, mais do que qualquer outro poeta brasileiro, ele nos falou
mais de perto, de nós mesmos e de nossa complicada existência, trazendo-nos
a uma só vez a poesia misturada do cotidiano, desde a cota de vida besta de
cada dia, até as perplexidades inevitáveis a que nos conduz o fato de ter de
conviver, ler os jornais, amar ou simplesmente existir. Aproximou, com o
choque da revelação, que às vezes traz um mero substantivo no lugar certo,
as grandes questões que abalaram o século XX e nossa desprotegida intimidade
individual." Davi Arrigucci Jr.
In Coração Partido
Cosac & Naify, 2002
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"José" foi musicado pelo cantor e compositor pernambucano Paulo Diniz. A
canção pode ser encontrada nos seguintes CDs atualmente em catálogo:
• Paulo Diniz - Identidade EMI, 2002
• Paulo Diniz - 20 Super Sucessos
Sony Music, 1998
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José, musicado e cantado pelo pernambucano Paulo Diniz
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio —
e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?