Carlito Azevedo
Caros amigos,
Guitarras mouriscas e cimitarras suicidas. A centelha do som e o brilho do
aço caminhando em forma de mulher numa rua ou praia luminosa do Rio
de Janeiro. Talvez, sim, outra garota de Ipanema. Mas aqui o poeta expectante é Carlito Azevedo,
com sua "Nova Passante".
Embevecido em seu voyeurismo poético, Carlito desfila uma primorosa seqüência de
metáforas para expressar sua admiração por essa Vênus transeunte que anda "sobre
uma passarela de relâmpagos súbitos". Mas, como o ofício de voyeur se resume a olhar, toda a festa termina
num "tiroteio de silêncios".
Outra faceta da poesia de Carlito Azevedo é mostrada aqui no poema "Rói". Nele o poeta
exercita o ouvido para escutar a música minimalíssima dos cupins
e imaginar seu incessante trabalho de destruição.
Nascido no Rio de Janeiro em 1961, Carlito Azevedo é um dos poetas mais ativos
da geração 90. Publicou Collapsus Linguae (1991); As Banhistas
(1993); Sob a Noite Física (1996); e Versos de Circunstância
(2001). Também em 2001, reorganizou esses quatro livros num volume de poemas
escolhidos, sob o título de Sublunar (1991-2001). Os dois textos mostrados
aqui fazem parte dessa coletânea, mas ambos vêm originalmente de Collapsus Linguae.
Além de escrever poesia, Carlito exerce atividade como crítico, editor de livros
e também co-editor da revista Inimigo Rumor, a mais destacada publicação
de poesia no país, com sete anos de atividade. Aliás, a Inimigo Rumor é
hoje binacional, pois tem também uma edição portuguesa.
• • •
Um abraço,
Carlos Machado
|
Tiroteio de silêncios
|
Carlito Azevedo |
|
NOVA PASSANTE
1. sobre
esta pele branca
um calígrafo oriental
teria gravado sua escrita
luminosa
— sem esquecer entanto
a boca: um
ícone em rubro
tornando mais fogo
suor e susto
tornando mais ácida e
insana a sede
(sede de dilúvio)
2. talvez
um poeta afogado num
danúbio imaginário dissesse
que seus olhos são duas
machadinhas de jade escavando o
constelário noturno:
a partir do que comporia
duzentas odes cromáticas
— mas eu que venero (mais que o ouro verde
raríssimo) o marfim em
alta-alvura de teu andar em
desmesura sobre uma passarela de
relâmpagos súbitos, sei que
tua pele pálida de papel
pede palavras
de luz
3. algum
mozárabe ou andaluz
decerto
te dedicaria
um concerto
para
guitarras mouriscas
e cimitarras suicidas
(mas eu te dedico quando passas
no istmo de mim a isto
este tiroteio de silêncios
esta salva de arrepios)
RÓI
Rói qualquer possibilidade de sono
essa minimalíssima música
de cupins esboroando
tacos sob a cama
imagino a rede de canais
que a perquirição predatória
possa ter riscado
pelo madeirame apodrecido
se aguço o ouvido
capto súbito
o mundo dos vermes
|