Número 107 - Ano 3

São Paulo, quarta-feira, 9 de março de 2005

«Metida tenho a mão na consciência/ E não falo senão verdades puras/ Que me ensinou a viva experiência.» (Camões)
 


Dylan Thomas


Caros amigos,


Nascido no País de Gales em 1914, Dylan Thomas foi um garoto fascinado pelo idioma. Na escola, era excelente em inglês e péssimo aluno no resto das disciplinas. Aos 16 anos, abandonou os estudos. Seu primeiro livro de poemas, Eighteen Poems (1934), um sucesso de crítica, foi publicado quando ele tinha 20 anos. Lírico, Dylan Thomas se identificava menos com os modernos do que com a tradição romântica.

Aos 35 anos, em 1950, o poeta visitou os Estados Unidos pela primeira vez. Teatral, romântico e dado a porres homéricos, ele se tornou uma figura lendária nos EUA e isso ajudou sua divulgação para o mundo. Thomas tornou-se um ídolo para a geração dos poetas da chamada beat generation.

Ele arrebatava platéias com sua voz grave ao ler seus versos em teatros e universidades. Sua influência se espraiou até a música pop. Sabe-se que o jovem cantor e compositor americano Robert Allen Zimmerman adotou o nome Bob Dylan em homenagem ao bardo galês.

Dylan Thomas morreu de alcoolismo, aos 39 anos. Consta que, no dia de sua morte, já com sérios problemas de saúde, ele teria se jactado de ingerir 18 doses de uísque. Foi em Nova York, em 1953.

Recentemente, o poeta Ivan Junqueira reeditou sua tradução dos Poemas Reunidos de Dylan Thomas. Além da tradução, Junqueira escreveu um alentado ensaio sobre o trabalho dylaniano, além de notas que ajudam o leitor a situar os poemas no contexto histórico e pessoal do poeta.

Neste boletim, transcrevo dois poemas de Dylan Thomas. O primeiro, em tradução de Ivan Junqueira, é "Do Not Go Gentle Into That Good Night" ("Não Entres Nessa Noite Acolhedora com Doçura"). Há pelo menos uma outra tradução deste poema, assinada por Nelson Ascher. Sei dela por meio de uma citação do colunista Contardo Calligaris, na Folha de S. Paulo. Mas Calligaris cita apenas as três primeiras linhas da versão de Ascher: "Não te vás dócil boa noite adentro,/ Cabe à idade se irar e arder no fim do dia;/ Afronta, afronta a luz que está morrendo."

Esse texto, incrivelmente sensível e musical, foi escrito pelo poeta para o pai dele, David John Thomas. Doente, o velho começou a se render. Para animá-lo, o poeta recomenda raiva e rebeldia "contra a morte da luz".

O segundo poema é "In My Craft or Sullen Art", no qual o poeta toma como tema a própria arte poética. Nessa profissão de fé, o romântico Dylan Thomas diz que escreve não pela glória ou pelo pão, mas pelo salário mínimo que lhe pagariam os corações amantes. Aqui, esse poema vai em duas traduções: uma de Ivan Junqueira ("Em Meu Ofício ou Arte Taciturna") e a outra de Ivo Barroso ("No Meu Ofício ou Arte Amarga").

A VOZ DO POETA

Para entender por que Dylan Thomas encantava multidões em suas leituras de poesia, clique no alto-falante acima e ouça-o dizendo o poema  "Do Not Go Gentle Into That Good Night".


Abraço,

Carlos Machado

 

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O salário mínimo da poesia

Dylan Thomas

 


NÃO ENTRES NESSA NOITE ACOLHEDORA COM DOÇURA

                    Tradução: Ivan Junqueira


Não entres nessa noite acolhedora com doçura,
Pois a velhice deveria arder e delirar ao fim do dia;
Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura.

Embora os sábios, ao morrer, saibam que a treva
                                               [ lhes perdura,
Porque suas palavras não garfaram a centelha
                                               [ esguia,
Eles não entram nessa noite acolhedora com doçura.

Os bons que, após o último aceno, choram pela
                                               [ alvura
Com que seus frágeis atos bailariam numa verde
                                               [ baía
Odeiam, odeiam a luz cujo esplendor já não fulgura.

Os loucos que abraçaram e louvaram o sol na etérea
                                               [ altura
E aprendem, tarde demais, como o afligiram em sua
                                               [ travessia
Não entram nessa noite acolhedora com doçura.

Os graves, em seu fim, ao ver com um olhar que os
                                              [ transfigura
Quanto a retina cega, qual fugaz meteoro, se
                                              [ alegraria,
Odeiam, odeiam a luz cujo esplendor já não fulgura.

E a ti,meu pai, te imploro agora, lá na cúpula
                                              [ obscura,
Que me abençoes e maldigas com a tua lágrima
                                              [ bravia.
Não entres nessa noite acolhedora com doçura,
Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura.


DO NOT GO GENTLE INTO
THAT GOOD NIGHT

Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.

Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.

 

EM MEU OFÍCIO OU ARTE TACITURNA

                    Tradução: Ivan Junqueira

Em meu ofício ou arte taciturna
Exercido na noite silenciosa
Quando somente a lua se enfurece
E os amantes jazem no leito
Com todas as suas mágoas nos braços,
Trabalho junto à luz que canta
Não por glória ou por pão
Nem por pompa ou tráfico de encantos
Nos palcos de marfim
Mas pelo mínimo salário
De seu mais secreto coração.

Escrevo estas páginas de espuma
Não para o homem orgulhoso
Que se afasta da lua enfurecida
Nem para os mortos de alta estirpe
Com seus salmos e rouxinóis,
Mas para os amantes, seus braços
Que enlaçam as dores dos séculos,
Que não me pagam nem me elogiam
E ignoram meu ofício ou minha arte.


NO MEU OFÍCIO OU ARTE AMARGA

                    Tradução: Ivo Barroso

No meu ofício ou arte amarga
Que à noite tarda é exercido
Quando alucina só a lua
E dormem lassos os amantes
Com as dores todas entre os braços,
É que trabalho à luz cantante
Não pela glória ou pelo pão,
Desfile ou feira de fascínios
Por sobre palcos de marfim,
Mas pela paga mais afim
De seus secretos corações!

Não para alguém altivo à parte
Da lua irada é que eu escrevo
Os respingados destas páginas
Nem pelos mortos presumidos
Cheios de salmo e rouxinóis.
Mas para amantes cujos braços
Têm os cansaços das idades
Que não me dão louvor nem paga
Nem prezam meu ofício ou arte.


IN MY CRAFT OR SULLEN ART

In my craft or sullen art
Exercised in the still night
When only the moon rages
And the lovers lie abed
With all their griefs in their arms,
I labor by singing light
Not for ambition or bread
Or the strut and trade of charms
On the ivory stages
But for the common wages
Of their most secret heart.

Not for the proud man apart
From the raging moon I write
On these spindrift pages
Nor for the towering dead
With their nightingales and psalms
But for the lovers, their arms
Round the griefs of the ages,
Who pay no praise or wages
Nor heed my craft or art.

 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2005

Dylan Thomas
• "Não entres nessa noite acolhedora com
   doçura"; "Em meu ofício ou arte taciturna"

   In Poemas Reunidos 1934-1953
  
Tradução de Ivan Junqueira
   José Olympio, 2a. ed. revista
   Rio de Janeiro, 2003
• "Em meu ofício ou arte amarga"
   In Ivo Barroso
   O Torso e o Gato — O Melhor da Poesia Universal
   Record, Rio de Janeiro, 1991