Andityas Soares de Moura
Caros,
Poeta, tradutor, advogado e professor da UFMG, Andityas Soares de Moura é
mineiro de Barbacena, da safra de 1979. Estreou em 1997 com o volume
Ofuscações, uma edição do autor. Publicou também Lentus in Umbra
(2001), Os enCantos (2003) e Fomeforte (2005). Como tradutor, um
de seus trabalho é o volume Isso (Ed. UnB, 2004), do poeta argentino Juan
Gelman, vertido para o português em cooperação com Leonardo Gonçalves. Além dos
trabalhos citados, Andityas Soares de Moura tem colaborado
em revistas e jornais, com textos poéticos e ensaios.
Os poemas reproduzidos ao lado pertencem todos a Fomeforte, a obra mais
recente do autor. Conforme bem caracteriza o poeta Glauco Mattoso, "Andityas
Soares de Moura, um atípico goliardo hodierno, debate-se entre a medievalidade e
modernidade, recolhendo os cacos de filosofia, pintura ou música entre as pedras
do caminho barroco desbarrancado".
Essa oscilação entre o moderno e o arcaico, com traços concretistas namoriscando
o mais arrevesado latinório, parece ser de fato a pedra de toque da poesia de
Andityas ou, pelo menos, dos poemas reunidos em Fomeforte. Uma poesia que
passa por cirandas de tigresas amargas, vislumbra a paixão pela pedra, colhe
rochas em Ouro Preto e se cala com o sinuoso silêncio dos deuses.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
• • •
IARARANA NO RIO
Uma dica para quem estiver no Rio de Janeiro nesta quinta-feira, dia 12/4. Os
editores da revista baiana de literatura Iararana estão lançando os
números 12 e 13 da publicação, que vem se tornando uma das mais importantes hoje
no país. Anotem:
Data: 12 de abril, quinta-feira
Hora: 19 às 21
Local:
Livraria Letras & Expressões
Av. Ataulfo de Paiva, 1292 loja C
Leblon - Rio de Janeiro
|
O silêncio dos deuses
|
Andityas Soares de Moura |
|
III - CIRANDA
trancaste a chama
entre os quartos
inumeráveis
da mansão essencial
balbuciam contigo
alguns fantasmas
— mesmo eles duvidam
da vida
— duvidam
da morte, sobretudo
lamentos
de tigresas amargas
espalham-se
pelo chão
lá fora
encontrarás a
identidade
completa
o sossego de mil mundos
encastela-se em ti
e tudo parece
lunar
4. (peroratio)
afasta-te das pessoas
procura o paralelepípedo
a doçura das linhas
— proporção —
o convencimento
te alcançará em
qualquer esquina
e com uma das mãos
escondida dar-te-á a
paixão
pela pedra
BRISA
surgiu
e foi como um raio
um golfo
um sopro de estrelas
tritões azuis
no filtro de barro cotidiano
relicário de
nossas
mágoas
maravilha de
abençoar teu
sono com um
cobertor a mais
na noite fria de novembro
TRÊS SONHOS FRIOS
1.
construir
a luz
é respiração
opaca em teu
desejo,
golpeia: transe
2.
exercício da pesca
obstrução
dos canais
intensos da
faringe
drama ártico
do qual não
s'escapa
com a inocência
da primeira infância
3.
por um longo
segundo,
o aqueduto das palavras
agora, fendes os olhos,
baixos,
garça
QUARTA LEITURA: CONFIDÊNCIA
Ouro Preto
muito bem
sem
mitos
sem
casarios
cidade calcada
aqui, se colhe
rocha
pavio
enxada
porta de grama
aqui, alguém
esquece o nome
— às vezes, tenho
visões...
aqui aqui
— d'outras vezes,
sons melodiosos
cidade-pentagrama
teus centuriões aguardam-te
além-mar
GEOGRAFIA
cargas de luas
ares
sob
o
creme
pacífico
fim de tarde
em julho
rodopiam mosquitões
cheiro abafado, corrosivo,
de mato
fechado
é
umas alturas
como
salpicam
se te
no horizonte
falassem:
dorme
chumbo
vermelho
o mal-estar enorme das montanhas de Minas
dorme
CHUVA NO MORRO
cai finíssima
sem tempestade
o atrito verde-oliva
enegrece as folhas
(duro açafrão,
duro cloro, batismo
inalienável
dos lagos de lava)
molhados,
ressurgem
os ares
circundam
o morro
com
a lama
fragmentos
viscosa
coxas
córrego
dormir
amanhã
barulho haverá
sol
sinuoso é o
silêncio dos deuses
|