Fabrício Corsaletti
Caros,
Nascido em 1978 em Santo Anastácio, SP, o poeta
Fabrício Corsaletti é graduado em letras pela USP e tem três livros publicados:
Movediço (Labortexto, 2001) e O Sobrevivente (Hedra, 2003) e
Estudos Para o Seu Corpo (Companhia das Letras, 007), que incorpora os dois
primeiros títuilos e dois outros novos: "História das Demolições" e "Estudos
Para o Seu Corpo".
A poesia de Corsaletti até agora parece apontar para duas direções. A primeira,
registrada em especial nos dois primeiros livros, soa como se fosse um acerto de
contas com a infância e a adolescência. Lá estão as lembranças da cidade natal,
o convívio familiar, as dúvidas e oscilações de humor da adolescência. Leia-se,
por exemplo, "Tomates".
Em "História das Demolições", o poeta reflete um sentimento de outra fase da
vida: o estranhamento do jovem que vem do interior ao defrontar-se com a cidade
grande. É o que se pode depreender de poemas como "História". Também em
"História das Demolições" já se nota o poeta mais voltado para inquietações da
juventude. Cresce aí a preocupação com a figura feminina, como se pode constatar
em "Ela e Sua Cidade".
A mesma preocupação torna-se o tema central de "Estudos para o Seu Corpo", poema
dividido em dezenove partes, cada qual dedicada a uma parte do corpo feminino:
pernas, olhos, orelhas, boca etc. Ao lado você pode ler "Braços".
Coloquial e completamente desmetaforizada, a poesia de Corsaletti é muito
marcada pela experiência do cotidiano. Talvez seja esse o rumo (ou melhor: um
dos rumos) da palavra poética nestes primeiros anos século XXI.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
•o•
|
História das demolições
|
Fabrício Corsaletti |
|
HISTÓRIA
Na cidade em que nasci
havia um bicho morto em cada sala
mas nunca se falou a respeito
os meninos cavávamos buracos nos quintais
as meninas penteavam bonecas
como em qualquer lugar do mundo
nas salas o bicho morto apodrecia
as tripas cobertas de moscas
(os anos cobertos de culpas)
e ninguém dizia nada
mais tarde bebíamos cerveja
as brincadeiras eram junto com as meninas
a noite aliviava o dia
das janelas o sangue podre
(ninguém tocava no assunto)
escorria lento e seco
e a cidade fedia era já insuportável
parti à noite despedidas de praxe
embora sem dúvidas chorasse
ELA E SUA CIDADE
Vai buscando as nuvens compactas,
como um samba perfeito,
nesta tarde de sol em que a poesia
é menos que a poesia.
Sabe onde estão os vidros da noite.
Tem dedos infinitos,
narinas transparentes,
imperfeitas sobrancelhas intocadas.
Nos seus quadris começa o mundo.
Seu passo aperfeiçoa o amor.
Há redes grávidas, amarelas
em toda a costa do mapa.
De cada bicho rouba uma surpresa.
Pantera branca, garota de colégio
(jamais um tigre de Bengala
desbotado); brancura acinzentada
do cinema em preto e branco.
E as palavras vivas, na boca viva,
são um pensamento livre.
(Ela deveria ter sido poupada para o mundo justo.)
Antes de se cansar, desaparece.
Depois amanhece.
Viver para ela deve ser bom.
De História das Demolições (2007)
TOMATES
os tomates
fervendo na panela
meu pai minha mãe
na sala televisão
fiquei olhando
os tomates
estava frio o bafo
quente dos tomates
esquentava as mãos
saía da panela
já naquele dia
um cheiro
forte de passado
AMOR
nos isolaremos
como se isola
o som
que sai do
sax
de Charlie Parker
como atingem
o alto-mar
alguns navios
como se perdem
datas cabelos
amigos como se consomem
laranjas doçuras
jornais
como se destroem
vidas
edifícios
motoristas
De Movediço (2001)
BALADA
6
você levantou da cama
eu a vi caminhar até o banheiro
fiquei reparando
no seu andar cauteloso que não queria me acordar
achei lindo mas quando você voltava
o despertador tocou e tive que sair para um compromisso
urgente
De O Sobrevivente (2003)
BRAÇOS
seus braços são a única coisa do mundo
sem morte
De Estudos para o Seu Corpo (2007)
|