Amigas e amigos,
Nesta edição, nosso bate-papo quinzenal sobre poesia põe em primeiro plano o poeta mineiro Edimilson de Almeida Pereira
(Juiz de Fora, 1963). Poeta, antropólogo e professor de literatura, ele já esteve aqui no poesia.net
número 114, que circulou em abril
de 2005 — lá se vão nada menos que treze anos.
Escritor prolífico e multifacético, Edimilson de Almeida Pereira já publicou dezenas de livros nas áreas de antropologia,
poesia e análise literária com eixo na produção afro-brasileira. Incansável, ele também tem uma série de livros
dedicados a leitores infantis.
•o•
Especificamente em poesia, a obra de Edimilson já acumula por volta de duas dezenas e meia de títulos. Somente em 2017 ele
lançou dois novos livros: E (Editora Patuá) e Qvasi - Segundo Caderno (Editora 34). Lançou também a segunda
edição de Caderno de Retorno, que saiu pela Ogum's Toques Editora, de Salvador-BA. A primeira edição desse último título
fazia parte de As Coisas Arcas - Obra Poética 4, o último volume da reunião da obra poética do autor feita em 2002/2003.
Esta edição do poesia.net baseia-se em poemas contidos nos dois livros
inéditos de Edimilson publicados em 2017. Antes
de passarmos à leitura dos textos, vale a pena fazer uma tentativa de situar esses livros no conjunto da obra do escritor juiz-forano.
•o•
Embora em sua trajetória Edimilson de Almeida Pereira venha experimentando múltiplas faces do dizer poético, um eixo bem marcado
se mantém firme em toda a sua trajetória. Tanto nos poemas em que ele — cidadão, antropólogo e poeta — se põe a enxergar o mundo
como nos outros em que cede a voz aos personagens populares mais variados, arma-se o mesmo vetor estruturante que aponta, em ética
e estética, para um sentido e um sentimento de justiça e redenção do ser humano, especialmente os pobres da terra.
Passemos à leitura. Para este boletim escolhi cinco poemas de E e um poema de Qvasi - Segundo Caderno. A propósito,
vale explicar o porquê desse “Segundo Caderno”. Na obra reunida até 2002/2003, havia no volume 4 (As Coisas Arcas) um livro
chamado “Caderno Qvase”, com e final. Portanto, esse Qvasi de 2017 seria uma espécie de continuação daquele.
•o•
O poema “Rondó” constitui uma proclamação de vida em meio ao sofrimento
cotidiano do corpo e da alma. Em meio a “tanta razia”, lâminas e palavras que
ferem, a dor se transforma em “casulo”: o envoltório que vai gerar mais vida e
mais esperança — ao contrário do que se poderia esperar.
Aliás, o poema seguinte, “Oráculo”, representa mais uma confirmação do que está dito no texto anterior: “Esse o roteiro, //
a promessa. / Colocar-se vivo // onde nos imaginam / a ferros”. Viver e resistir, verbos que estão incrustados no dia a dia
dos que na prática são menos iguais.
No próximo poema, “Oriki. Camões”, o poeta lança mão de uma forma poética da tradição afro. Originariamente em
língua iorubá, os orikis são composições que no candomblé exaltam um orixá. Aqui, o poema saúda o imenso Luís Vaz de Camões,
poeta maior da língua portuguesa. É curioso notar como a linguagem se ajusta ao contexto afro e à louvação ao
bardo lusíada. Afinal, ele deve ser o “senhor das quatorze flechas” (do soneto?) e também o “senhor dos dez cantos” (d’Os Lusíadas?).
O poema “Estranha Fruta” faz referência direta à canção norte-americana
“Strange Fruit”, composta por Abel Meeropol e
interpretada magistralmente pela diva Billie Holiday. A letra evoca os linchamentos de negros ocorridos no sul dos Estados
Unidos, e
os frutos estranhos são exatamente os corpos pendurados nas árvores. Escreve Edimilson: “A fruta estranha queda / alheia às
estações — medra / entre a gente de bem. / — Quem a cultiva? Quem?”
•o•
O poema seguinte, “A mãe de Benjamin Moloise”, traz à tona outra memória trágica. O ambiente, agora, é a África do Sul do
apartheid. Benjamin Moloise (1955-1985) era um operário negro, poeta e militante do clandestino Congresso
Nacional Africano, o partido de Nelson Mandela. Foi injustamente condenado à morte pelo assassinato de um policial em 1982.
Apesar dos pedidos de clemência vindos de todas as partes do mundo, Moloise terminou enforcado em 1985.
No dia da execução, ele reafirmou à mãe, Pauline Moloise, sua inocência.
Curiosamente, no poema, Edimilson lança mão de outras referências não situadas na África do Sul, porém plantadas
em contexto idêntico de violência e injustiça. Veja-se, por exemplo, o trecho: “Ser trezentos e cincoenta: utopia. Não-ser depois / de cento e onze disparos: há um desafio aos / decentes”. O número trezentos e “cincoenta” (ainda mais escrito assim) remete
ao modernista Mário de Andrade numa declaração poética de força e multiplicidade. O outro número parece
referir-se ao massacre dos cento e onze presos do Carandiru, em São Paulo, 1992.
Vem, por fim, o poema “Se Conde Fosse”, extraído do livro Qvasi - Segundo Caderno.
O personagem, um nobre imaginário, é uma das
inúmeras figuras do interior mineiro retratadas por Edimilson de Almeida Pereira em sua poesia. O que encanta o poeta
nesse “senhor de pouca monta” é sua altivez e a independência de quem não se vende
nem dobra a cerviz — traços aparentemente incompatíveis com quem
“não mora, se refugia sob as pontes”.
•o•
Após reler o texto acima, observei um detalhe. Minha seleção de poemas privilegiou temas e personagens trágicos.
Corro o risco, portanto, de sugerir que a poesia de Edimilson de Almeida Pereira é algo essencialmente sombrio. Não é
verdade. Talvez eu esteja marcado pelo clima que estamos vivendo há dois anos. Para dissipar essa injusta
sugestão, recomendo uma visita ao primeiro boletim dedicado ao trabalho poético de Edimilson.
Além disso, peço licença a vocês para repetir aqui o fecho daquele boletim: “É uma poesia em que pulsa a vida das ruas, nas cidades
grandes ou em comunidades do interior. A vida profunda, de gente que ri e chora, dança e tem medo. Vida que não se aprende nos livros".
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
•o•
Curta o poesia.net no Facebook:
•o•