Número 7

São Paulo, quarta-feira, 19 de fevereiro de 2003 

"A vida, num trem/ apita na turva/ curva do passado." (Lélia Coelho Frota)
 


Emílio Moura

Caros,

“Como a noite descesse...", esse imenso poema do mineiro Emílio Moura (1902-1971), dispensa apresentações. Basta ler e extasiar-se. Magnífico.

Sempre que leio esse poema, lembro o Rilke das Elegias de Duíno (1923). Talvez eu esteja errado, mas o tcheco-alemão Rainer Maria Rilke (1875-1926) influenciou meio mundo de poetas. Vejam o verso de abertura das Elegias: “Quem, se eu gritasse, me ouviria entre as hierarquias de anjos?" É o mesmo tom grandioso, metafísico e encantatório. Se não houve a influência, pouco importa: há algum tipo de parentesco.

Em sua poesia, Emílio Moura está sempre em busca da amada ausente. Uma amada que, muitas vezes, se confunde com a própria poesia.


Um grande abraço,


Carlos Machado


Veja outros poemas de Emílio Moura no boletim poesia.net 285.


 

Como a noite descesse...

Emílio Moura

 


 


Boticelli, O Nascimento de Vênus (1484)




COMO A NOITE DESCESSE...

Como a noite descesse e eu me sentisse só, só e
                 [ desesperado diante dos horizontes 
                 [ que se fechavam,
gritei alto, bem alto: ó doce e incorruptível
                 [ Aurora! e vi logo que só as estrelas 
                 [ é que me entenderiam.
Era preciso esperar que o próprio passado
                                           [ desaparecesse,
ou então voltar à infância.
Onde, entretanto, quem me dissesse
ao coração trêmulo:
— É por aqui!

Onde, entretanto, quem me dissesse
ao espírito cego:
— Renasceste: liberta-te!

Se eu estava só, só e desesperado,
por que gritar tão alto?
Por que não dizer baixinho, como quem reza:
— Ó doce e incorruptível Aurora...
se só as estrelas é que me entenderiam?

 

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www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2003

•  Emílio Moura
    Itinerário Poético
Poemas Reunidos
   
Editora UFMG, 2a. edição
    Belo Horizonte, 2002