Alphonsus de Guimaraens Filho
Caros,
Com uma vasta obra, o poeta Alphonsus de Guimaraens Filho não
é dos mais celebrados pela crítica. Também, que eu saiba, não aparece nas
coletâneas de textos apresentadas nos livros de escola. Talvez isso aconteça
porque em geral Guimaraens Filho não freqüenta temas mais próximos ao leitor,
como o amor ou o dia-a-dia da vida nas cidades.
Dono de um lirismo místico — e, em muitos casos, francamente
católico —, esse mineiro de Mariana (nascido em 1918) trabalha mais com
sentimentos íntimos, momentos fugidios. É como se ele quisesse ser um repórter
que tenta captar em palavras instantâneos de situações indizíveis. Numa leitura
de sua obra, pode-se perceber uma clara identificação de Guimaraens com o
tcheco-alemão Rainer Maria Rilke.
Um exemplo desse diapasão é o poema "Cantiga de Praia", de 1947, transcrito ao
lado.
Mas essa tentativa de fotografar o instante fugidio não classifica o poeta como
um habitante das nuvens. Ele está atento, sim, para a realidade, como mostra o
texto "O Poeta e o Poema", publicado em 1984. "A vida é mais real que a
realidade", avisa.
Classificado pelos estudiosos como modernista da terceira fase, Guimaraens
começou a publicar livros de poesia em 1940 e continua a fazê-lo até hoje. Seu
trabalho mais recente é O Tecelão do Assombro (Sette Letras, 2000).
Ah, sim: como o nome diz, o poeta é filho
de Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), um dos expoentes da poesia simbolista no
Brasil.
•••
Dado curioso: não encontrei, em nenhum lugar — nem nos livros dele a que tive
acesso —, uma foto de Alphonsus de Guimaraens Filho.
Um grande abraço,
Carlos Machado
ADENDO EM 09/12/2006
Afinal, encontrei uma boa foto de Alphonsus de Guimarães Filho. A foto acima foi
extraída de um quadro do filme O Poeta de Sete Faces, documentário do
cineasta Paulo Thiago sobre a vida de Carlos Drummond de Andrade.
Veja outros poemas de Alphonsus de Guimaraens Filho no boletim
poesia net n. 256. |
Mais real que a realidade
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Alphonsus de Guimaraens Filho |
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CANTIGA DE PRAIA
Estou sozinho na praia,
estou sozinho e não sei.
Que luz adormece a face
se em gritos já me afoguei?
Estou dançando na praia?
Estou dançando? Não sei.
Eu colho com as mãos da ausência
a rosa que não beijei.
Que luz chega do outro lado,
do outro rio, do outro mar?
Estou sozinho na praia...
Ó mundo, vamos dançar!
O POETA E O POEMA
Nenhum poema se faz de matéria abstrata.
É a carne, e seus suplícios,
ternuras,
alegrias,
é a carne, é o que ilumina a carne, a essência,
o luminoso e o opaco do poema.
Nenhum poema. Nenhum pode nascer do
[ inexistente.
A vida é mais real que a realidade.
E em seus contrastes e seqüelas, funda
um reino onde pervagam
não a agonia de um, não o alvoroço
de outro,
mas o assombro de todos num caminho
estranho
como infinito corredor que ecoa
passos idos (de agora,
e de ontem e de sempre),
passos,
risos e choros — num reino
que nada tem de utópico, antes
mais duro do que rocha,
mais duro do que rocha da esperança
(do desespero?),
mais duro do que a nossa frágil carne,
nossa atônita alma,
— duros pesar de seu destino, duros
pesar de serem só a hora do sonho,
do sofrimento,
de indizível espanto,
e por fim um silêncio que arrepia
a epiderme do acaso:
(...)
Não há poema isento.
Há é o homem.
Há é o homem e o poema.
Fundidos.
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