Emílio Moura
Caros,
Nesta edição, o poesia.net
põe em primeiro plano, mais uma vez, o poeta mineiro Emílio Moura (1902-1971).
Moura foi assunto de um dos primeiríssimos boletins,
o n. 7, em fevereiro de 2003. Naquele momento, o poesia.net ainda
buscava um formato próprio, e a página exibiu apenas um poema. Agora, quase dez
anos depois, vale a pena revisitar a obra do poeta.
Emílio de Guimarães Moura nasceu em Dores do Indaiá, cidadezinha centro-mineira,
que hoje tem cerca de 15 mil habitantes. Jornalista, foi redator dos cadernos
literários de vários jornais mineiros e também professor universitário. Lecionou
na Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, da qual foi um dos fundadores e o
primeiro diretor.
Moura e Drummond, em 1932
Nascido no mesmo ano que Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura fez parte da
geração modernista mineira, na qual se destacavam nomes como Pedro Nava, João
Alphonsus (filho de Alphonsus de Guimaraens), Cyro dos Anjos, Aníbal Machado e
Abgar Renault, além de Moura e Drummond. Em 1924, estes dois participaram da
Revista, publicação literária modernista.
Ao contrário de quase todos os intelectuais mineiros de sua geração e mesmo das
seguintes, Moura viveu a vida inteira em seu estado natal. Apesar da distância,
sua amizade com Drummond permaneceu até a morte do poeta dorense.
Embora situada no modernismo, a poesia de Emílio Moura não se enquadra em algum
modelo conhecido. No livro Confissões de Minas (1944), Drummond diz que ele tem
traços de poeta espiritualista, mas não é bem isso. "Sua mística não é a de
Deus, mas a do mistério". O itabirano conclui que Emílio Moura produz uma
"poesia que não se satisfaz com a explicação materialista das coisas, mas que
não nos conduz seguramente a nenhuma teologia".
Talvez por isso mesmo o próprio Drummond viria a dizer mais tarde
— no livro Passeios na Ilha (1952)
— que a poesia de Emílio Moura se colocava "sob o
signo da pergunta". Com efeito, quem folheia a obra do homem de Dores do Indaiá
observa que os poemas contêm numerosos sinais de interrogação. Em muitos casos,
o poema inteiro é uma sucessão de indagações. Um exemplo, é o texto "Eliana e
seu Reino", transcrito ao lado.
Eliana mostra também a propensão de Emílio Moura para a criação de mitologias.
Eliana é uma mulher inventada, que engloba em si uma companheira terrena, a
bem-amada, e ao mesmo tempo, um ser ideal e inatingível. “Mito e milagre /
aurora e sonho”.
Atenta aos estados d’alma, a poesia de Emílio Moura tem o tom de música suave e
nunca se lança em arroubos tonitruantes. Para Drummond, tanto a pessoa de Emílio
Moura como sua poesia poderiam ser resumidas como música de câmara. “Peculiar
surdina, íntimo violino, jeito manso de ser”.
É uma poesia que, mesmo situada no campo da música, prefere a voz do silêncio:
“Tocai, tocai, ó flautas que ninguém ouve”, escreve Moura no poema “Noturno”.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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10 ANOS
Agradeço as quase duas centenas de mensagens saudando os 10
anos do poesia.net.
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poesia.net entra
em recesso
A todos os leitores do poesia.net desejo um ano novo
com muita saúde, paz e poesia.
O boletim não
circulará no período das festas.
FELIZ 2013!
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LANÇAMENTO
Myriam Fraga
• Uma
Casa de Palavras ‒
25 Anos Depois
Dica para quem mora ou está em Salvador: a poeta Myriam Fraga lança nesta
quarta-feira o livro Uma Casa de Palavras
‒
25 Anos Depois, que conta a trajetória da Fundação Casa de Jorge Amado.
Myriam Fraga já foi destaque em duas edições deste boletim,
n. 13 e
n. 273.
Data: 19/12, quarta-feira
Hora: Das 10h00 às 13h00
Local: Fundação Casa de Jorge Amado
Pelourinho ‒
Salvador
‒
BA
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ADEUS A ILKA LAURITO
O poesia.net registra, com pesar, o falecimento da poeta paulistana Ilka
Brunhilde Laurito, ocorrido no dia 11 deste mês. Nascida em 1925, Ilka estreou
em 1948 com o livro Caminho. Professora, publicou, além de poesia,
contos, crônicas e ficção juvenil. Para ler alguns poemas de Ilka Laurito, veja
o boletim
n. 117. |
Sob o signo da pergunta
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Emílio Moura
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CANÇÃO
Viver não dói. O que dói
é a vida que se não vive.
Tanto mais bela sonhada,
quanto mais triste perdida.
Viver não dói. O que dói
é o tempo, essa força onírica
em que se criam os mitos
que o próprio tempo devora.
Viver não dói. O que dói
é essa estranha lucidez,
misto de fome e de sede
com que tudo devoramos.
Viver não dói. O que dói,
ferindo fundo, ferindo,
é a distância infinita
entre a vida que se pensa
e o pensamento vivido.
Que tudo o mais é perdido.
Helena Wierzbicki, argentina,
Healing emotion, acrílico sobre tela
ELIANA E SEU REINO
Entre o sonho e a aurora,
forma-se a rosa,
mito e milagre,
aurora e sonho.
Entre o sonho e a aurora,
forma-se um reino,
alto, invisível,
teu reino, Eliana.
Eliana, filha da aurora,
Eliana, sílfide,
asa de ânfora, Eliana.
Quem descobriu Eliana?
Aves, que emudecestes:
Quem deu voz a Eliana?
Brisa sobre a relva:
Quem deu asa a Eliana?
E vós, tardes de abril,
manhãs de maio:
Quem deu alma a Eliana?
Eliana, corpo mágico:
salta da terra, é fonte,
voa da terra, é asa.
Se Eliana é a forma que não morre,
como atingi-la ou compreendê-la?
Se transcende a si mesma,
como invocá-la com palavras?
Aurora?
Fonte?
À medida que Eliana ascende,
como a luz é mais luz
e o tempo estático!
NOIVA
Caminhas para mim como uma colegial em férias.
Teu sorriso é tão puro que te ilumina toda.
És mito, mas toco-te;
realidade, te elevo e te transformo em sonho.
Por que não me revelas de onde surgiste e de que elementos te formaste?
Teus cabelos são nuvens?
Tua voz é de orvalho?
Quantas vezes me torturei inutilmente porque ainda estavas irrevelada,
— fonte oculta na mata, ária
adormecida, estrela entre nuvens...
Dormias, Noiva?
Meu apelo te acorda e eis que sorris, de súbito.
E é como se eu nascesse agora.
SOLIDÃO
Trêmulas jangadas,
sempre sossegadas
sobre as ondas mansas:
por que não partis?
Que áureas esperanças
sopram no mar largo,
chegam como pássaros,
ninguém sabe de onde?
Trêmulas jangadas,
sempre sossegadas
sobre as ondas mansas:
que evocais ao luar?
Velhas esperanças,
chama que se finda,
ou vossa amargura,
mais íntima e pura,
vem da luz que ainda
bóia sobre o mar?
Trêmulas jangadas,
sempre abandonadas:
por que não largais?
Que áureas esperanças
vão para o mar largo,
voam como pássaros,
sobre as ondas mansas
para nunca mais!
NOTURNO
Tocai, tocai, ó flautas que ninguém ouve.
Silenciosas palavras que vos impregnais de eternidade:
falai ao nosso espírito.
Que carícia inesperada, que doçura tímida
nos pensamentos de jamais que ora regressam de ignorados ermos!
(Por que esta paisagem não se transfigura como se não houvesse tempo?)
Tocai, tocai, ó flautas que ainda guardais os velhos ritmos
de doces e antigas árias: tocai, tocai, de novo,
tocai até que a noite
seja apenas o antigamente
de vossa aérea e solitária música.
Casa onde nasceu Emílio Moura, em
Dores do Indaiá, MG
ÀS VEZES
Às vezes, subitamente, a poesia te visita.
Pura.
Infinitamente pura.
Como uma rosa.
Melhor ainda:
como a idéia de rosa.
A FÁBRICA DO POETA
Fabrico uma esperança
como quem apaga
algo sujo num muro,
e ali, rápido, escreve:
Futuro.
Fabrico uma pureza
tão menina,
tão cristal e tão fonte
que, de repente,
É meu todo o horizonte.
Fabrico uma alegria
que é de ver as coisas
como se só agora
é que nascesse
a aurora.
Fabrico uma certeza
exata
para cada instante.
A vida não está atrás,
Mas adiante.
Fabrico com o que tiro
de mim mesmo e do mundo
meu dia.
E ao que, em síntese, sou
junto o que queria.
Fabrico uma hora densa,
como quem te descobre.
Ah, quem diria
que essa hora imensa
já é poesia?
POESIA
Poesia, face secreta,
mas tão luz, se concebida.
Poesia, sentido pleno
do que há de vida na vida.
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