Luiz Roberto Guedes
Caros amigos,
Poeta, contista, tradutor, jornalista e letrista de música popular, o paulistano
Luiz Roberto Guedes (1955-) publica livros desde 1975, quando estreou com o
conto
"É a Guerra, Meu General", na antologia Contos Jovens
(Brasiliense).
Sua poesia veio a público pela primeira vez na antologia Maus Modos do Verbo,
de 1976, escrita com outros poetas, entre os quais Glauco Mattoso. Em anos mais
recentes, o poeta publicou obras como Planeta Bicho (FTD, 1996), com
poemas para crianças. Em seguida, foi a vez de seu
Calendário Lunático — Erotografia de Ana K (Ciência do
Acidente, 2000), uma coleção de poemas em forma de plaqueta.
Em 2004, Guedes organizou a antologia Paixão por São Paulo (ed. Terceiro
Nome), que reúne textos de 71 poetas em comemoração aos 450 anos da
cidade. Como tradutor, colaborou com o poeta Claudio Daniel em Geometria da
Água & Outros Poemas (2000), Rupestres (2001) e Madame Chu e
Outros Poemas (2003), todos com coletâneas de versos do cubano José Kozer.
Como letrista de música popular, Luiz Roberto Guedes é parceiro de nomes como
Beto Guedes e Thomas Roth.
Dos poemas mostrados ao lado, o primeiro, "Almanárquico", vem da antologia Na
Virada do Século — Poesia de Invenção no Brasil, organizada e publicada
pelos poetas Claudio Daniel e Frederico Barbosa (2002). Os três seguintes são
inéditos cedidos pelo poeta. E "Errata" foi extraído do já citado Calendário
Lunático.
Uma característica que salta nos poemas de Luiz Roberto Guedes parece ser a sua
visualidade descritiva. Com um indisfarçável pendor para a fotografia, o poeta
traça instantâneos com palavras, verdadeiros retratos falados. Um exemplo
acabado disso é o texto "Nudista em Revista" que, como o título sugere, resulta
da observação da foto de um grupo de nudistas. O andamento descritivo predomina
também nos poemas "Tempo de Cometa" e "Ut Pictura Est".
A ironia é outro traço marcante do trabalho de Guedes. É ela que dá o tom no
pequeno "Errata" e de "Almanárquico", uma enumeração de esquisitices praticadas
por grandes poetas do passado.
Um abraço,
Carlos Machado
• • • |
Fotografias com palavras
|
Luiz Roberto Guedes |
|
ALMANÁRQUICO
verlaine na prisão escrevia
com um palito de fósforo
molhado em café
rimbaud cultivava piolhos
e forjava brilhos homicidas
com frios olhos azuis
baudelaire tinha cabelos verdes
e nerval passeava um lagostim
pelas ruas de paris |pour épater.
c'est le style, celéstine|
edgar lúgubre poe
mallarmé enigmático
valéry lúcido
trakl drogado
o fantasmário mascarado
baila no sarau do século
e até agora te assombra
poète qualquer, mon frère
NUDISTA EM REVISTA
sete naturistas contra o dia azul |quatro homens três mulheres| tableau
vivant debaixo do sol |e como estão vivos em praia exclusiva| da direita
para a esquerda a primeira mulher |torso franzino seios pequenos| se coloca
entre dois homens |o primeiro enlaça sua cintura| ela ergue-se na ponta dos pés
|alçando a bundinha à altura da pança do parceiro| e apóia seu braço esquerdo
nas costas retas do segundo homem |cinqüentão de traseiro magro e pernas finas|
e logo reluz |coroa solar| a segunda mulher |no centro da cena| morena opulenta
|postada de perfil| sorriso brilhante ombro dourado um seio iluminado |o bico
oculto na sombra projetada pela aba do chapéu da mulher a seu lado| o ventre
venusto glúteos e coxas de bronze brunido |solvidos na sombra entre dois corpos|
enquanto a terceira varoa tem óculos escuros ombros rendados de luz |coada pela
aba do chapéu| e corpo maduro |de alvor imponente| damas desenvoltas que
eclipsam os dois últimos homens |figurantes na composição| dois traseiros
sedentários dois chapeuzinhos de turista
[26.04.2005]
TEMPO DE COMETA
o cometa chispa
e já foi embora
flecha cíclica
em fuga elíptica
mais veloz
que o flash
da metáfora
rasga o céu comum
do pensamento
num piscar de
olhos imantados
risca o poema pul
veriza o pulsar em
treva |sem verbo|
queda no silêncio de
palavras sideradas
|entreato
cósmico|
feche os olhos
considere
espere o
próximo
UT PICTURA EST
os olhos
recolhem
a pomba
esmagada
no asfalto
uma asa
impressa
brancovermelho
sobre preto
o brilho vítreo
a gota límpida
de um
olho
fixo
•
errata: onde
se lê: eros
leia-se: erros
ou vice-versa
|