Virna Teixeira
Caros,
Até meados deste ano, eu não conhecia a poesia de Virna Teixeira. E aqui, quando
escrevo conhecer, refiro-me a ler pelo menos um livro inteiro ou um bom punhado
de poemas, o suficiente para que se forme alguma idéia sobre o autor. Então li
Distância (2005), o segundo livro da poeta. Descobri uma poesia
arquitetada com muito cuidado e recursos mínimos. Sem floreios, sem enchimentos
inúteis, sem adiposidades.
Cearense de Fortaleza, da safra de 1971, Virna é neurologista e mora em São
Paulo. Além de escrever seus próprios versos, ela desenvolve intensa atividade
como tradutora de poesia, principalmente do inglês. Publica com freqüência em
revistas literárias e na internet.
A pequena amostra da poesia de Virna apresentada ao lado foi toda extraída de
Distância, seu livro lançado este ano. A economia de meios, como já
ressaltei acima, é talvez o aspecto mais obviamente visível de seus textos. Sem
dúvida, o trabalho de Virna se inscreve na tradição da
poesia enxuta praticada pelo americano William Carlos Williams (1883-1963), já
enfocado aqui no
boletim n. 30.
Em muitos casos, o poema traça apenas uma sugestão, como um
desenhista muito hábil que, em poucos traços, é capaz de definir uma figura
inteira. É isso que se vê em textos como "Calçada", "Noite", "Muros" — e, por
extensão, em praticamente todos os poemas aqui transcritos. A contenção dos
recursos se materializa até nos títulos, dos poemas e dos volumes (seu
primeiro livro, de 2000, chama-se Visita). Uma poesia quase
reduzida ao osso, que deixa ao leitor inteligente a tarefa de recobri-la (será
necessário?), com alguma porção de carne.
Também vale notar que essa poesia feita de escassez e poucas palavras não
resulta de simples acaso. Há aí o esforço e a precisão do relojoeiro, a incisão
certeira do bisturi. Os instantâneos registrados em "Portrait" e em
"Fotografia", por exemplo, não saem das mãos de retratista amador.
Se você quiser conhecer outras facetas do trabalho de Virna Teixeira, visite o
Papel de Rascunho,
seu blog e espaço de experimentação. Lá estão poemas originais e traduções dela,
além de textos de outros autores.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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Em poucas palavras
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Virna Teixeira |
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CALÇADA
pequeno, o
frágil
corpo
soluça
vermelha,
a flor
entre os
dedos
NOITE
branca, a sala
a cor desta
ausência
teto
inalcançável
sofá, o vulto
imaginário
de um corpo
LISBOA
os pés
caminham,
molhados
entre óculos
analíticos e
gabardinas
pela ladeira
a chuva
escoa
saudade
mágoas
PORTRAIT
os olhos dele
uma gaiola
onde um
pássaro
às vezes,
canta
FOTOGRAFIA
a solidão dele
na cozinha,
perto
da janela
um vaso de
tulipas
MUROS
Depois
do portão
as lágrimas
deságuam
DISTÂNCIA
um telefonema de
três minutos
depois,
o silêncio
do outro lado
da linha
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