Número 142 - Ano 3

São Paulo, quarta-feira, 9 de novembro de 2005 

«O tempo é a distância mais longa entre dois lugares.» (Tennessee Williams)
 


Virna Teixeira


Caros,

Até meados deste ano, eu não conhecia a poesia de Virna Teixeira. E aqui, quando escrevo conhecer, refiro-me a ler pelo menos um livro inteiro ou um bom punhado de poemas, o suficiente para que se forme alguma idéia sobre o autor. Então li Distância (2005), o segundo livro da poeta. Descobri uma poesia arquitetada com muito cuidado e recursos mínimos. Sem floreios, sem enchimentos inúteis, sem adiposidades.

Cearense de Fortaleza, da safra de 1971, Virna é neurologista e mora em São Paulo. Além de escrever seus próprios versos, ela desenvolve intensa atividade como tradutora de poesia, principalmente do inglês. Publica com freqüência em revistas literárias e na internet.

A pequena amostra da poesia de Virna apresentada ao lado foi toda extraída de Distância, seu livro lançado este ano. A economia de meios, como já ressaltei acima, é talvez o aspecto mais obviamente visível de seus textos. Sem dúvida, o trabalho de Virna se inscreve na tradição d
a poesia enxuta praticada pelo americano William Carlos Williams (1883-1963), já enfocado aqui no boletim n. 30.

Em muitos casos, o poema traça apenas uma sugestão, como um desenhista muito hábil que, em poucos traços, é capaz de definir uma figura inteira. É isso que se vê em textos como "Calçada", "Noite", "Muros" — e, por extensão, em praticamente todos os poemas aqui transcritos. A contenção dos recursos se materializa até nos títulos, dos poemas e dos  volumes (seu primeiro livro, de 2000,  chama-se Visita). Uma poesia quase reduzida ao osso, que deixa ao leitor inteligente a tarefa de recobri-la (será necessário?), com alguma porção de carne.

Também vale notar que essa poesia feita de escassez e poucas palavras não resulta de simples acaso. Há aí o esforço e a precisão do relojoeiro, a incisão certeira do bisturi. Os instantâneos registrados em "Portrait" e em "Fotografia", por exemplo, não saem das mãos de retratista amador. 

Se você quiser conhecer outras facetas do trabalho de Virna Teixeira, visite o Papel de Rascunho, seu blog e espaço de experimentação. Lá estão poemas originais e traduções dela, além de textos de outros autores.


Um abraço, e até a próxima.

Carlos Machado



 

Em poucas palavras

Virna Teixeira

 



CALÇADA

pequeno, o
frágil
corpo
soluça

vermelha,
a flor
entre os
dedos



NOITE

branca, a sala
a cor desta
ausência

teto

inalcançável

sofá, o vulto
imaginário
de um corpo



LISBOA

os pés
caminham,
molhados

entre óculos
analíticos e
gabardinas

pela ladeira
a chuva
escoa

saudade

mágoas



PORTRAIT

os olhos dele
uma gaiola

onde um
pássaro

às vezes,
canta



FOTOGRAFIA

a solidão dele
na cozinha,
perto

da janela

um vaso de
tulipas



MUROS

Depois
do portão

as lágrimas
deságuam



DISTÂNCIA

um telefonema de
três minutos

depois,
o silêncio

do outro lado
da linha
 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2005

•  Virna Teixeira
    In Distância
   
7Letras, Rio de Janeiro, 2005