Solange Firmino
Caros amigos,
Nascida em 1972, a carioca Solange
Firmino é uma poeta dos tempos da internet. Escreve desde a adolescência e
participou, nos anos 90, de várias antologias poéticas. Mas não tem livro-solo.
Seus poemas estão publicados em sites, blogs, fanzines e jornais literários.
Formada em letras, Solange é professora do ensino médio.
Quem tem a oportunidade de ler alguns versos de Solange Firmino percebe, sem
esforço, que ela alimenta uma verdadeira fascinação pela mitologia grega. Isso
fica patente no poema "Esfinge", que abre a pequena antologia ao lado, assim
como em "Geometria de Ícaro", "Fluxo I" e "Fluxo II". É justamente nesses textos
em que a poema atinge seus vôos mais altos. Na pele da esfinge, ela provoca:
"Descobre o segredo que habita / onde me esquivo, / onde a pergunta é só
disfarce, / reverso".
Em "Fluxo", I e II, ela vai buscar inspiração em Heráclito de Éfeso e seu rio em
perpétuo movimento. Já em "Estátua de Mineiro no Rio", a poeta brinca com
referências à obra de Drummond para compor um texto motivado pela estátua do
poeta itabirano na praia de Copacabana.
Encontrei Solange Firmino em minhas deambulações na web à procura de poetas.
Se no verdadeiro aluvião de sites e blogs literários há muita bobagem, muita
coisa que não justifica um só minuto de leitura, há também essas surpresas
gratificantes. Aleluia!
Um abraço, e até
a próxima.
Carlos Machado
ATUALIZAÇÃO
A poeta Solange Firmino tem, hoje, vários livros publicados:
Fragmentos da insônia (2016); Das estações (2017); Geometria do abismo (2017); e
Alguns haicais e mínimos poemas (2018). Mais informações no blog da autora. [31/10/2019]
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EPÍGRAFES
A partir deste número, acato uma sugestão do escritor Valdomiro Santana, de
Salvador, e passo a indicar a fonte das frases e versos usados como epígrafe no
cabeçalho do boletim. A informação vai ser colocada no final do retângulo
bibliográfico, no rodapé da página.
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DRUMMOND E A COPA
A Copa do Mundo de 82 acabou para nós, mas o mundo não
acabou. Nem o Brasil, com suas dores e bens. E há um lindo sol lá fora, o sol de
nós todos.
E agora, amigos torcedores, que tal a gente começar a trabalhar, que o ano já
está na segunda metade?
Carlos Drummond de Andrade,
na crônica "Perder, Ganhar,
Viver", publicada no Jornal
do Brasil em 21/06/1982.
Mude-se a data, e o texto acima vale para hoje. Apenas com uma diferença: na
mesma crônica, Drummond diz que gostaria de passar a mão pela cabeça dos
jogadores de 1982. Não conheço ninguém que tenha um pensamento tão carinhoso
dirigido à pífia e ausente seleção de 2006.
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Geometria de Ícaro
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Solange Firmino |
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Andrew Atroshenko, pintor russo, Isabel
ESFINGE
Decifra meu enigma e toda a verdade,
toda a essência
por trás do verso.
Segue pela trilha do meu corpo e revela a paisagem
escondida. Repousa sem tédio no meu abraço. Implora pelo princípio e fim
de cada ato.
Descobre o segredo que habita onde me esquivo, onde a pergunta é só
disfarce, reverso.
Se me escondo, é para devorar melhor.
Andrew Atroshenko, Sterling (detalhe)
ESTÁTUA
DE MINEIRO NO RIO
A Carlos Drummond de Andrade
Imagem fria e taciturna, cem por cento de bronze. Suporta calada e tímida,
no pedregoso calçadão, a vida que persiste ao redor.
Não profere palavras melodiosas no chão varrido onde pousa sua sombra;
não sabe se é noite, mar ou distância, na espantosa solidão do Rio,
onde voz e buzina se confundem.
Mas está cercada de mãos, afetos, procuras. Sem pensamento de infância
ou saudade, somente a contemplação muda dos ritmos que passam: curiosos
ou indiferentes. Param, fotografam, agridem.
É uma nova categoria de eterno, estar ali sem estar. Legado de bronze
no meio do caminho, entre os homens e o mar, no grande mundo que está
crescendo todos os dias. Eterníssimo.
Andrew Atroshenko, Consciente
GEOMETRIA DE ÍCARO
O céu côncavo
abarca o vôo.
O sol oblíquo
derrete a cera
e o sonho.
O mar convexo
recebe
a queda.
FLUXO
Uma pessoa não entra no mesmo rio duas vezes; na
segunda vez não é o mesmo rio nem a mesma pessoa.
Heráclito de Éfeso, 500 a.C.
Os
dias se movimentam em procissão contínua águas de Heráclito nos
diferentes rios relógios nas longas noites siderais astros e seus atos
em danças geométricas
Estrelas se formam a cada instante que inspiro respiro raios de
sol tocam seus acordes nas frestas dos ventos que copulam nas asas
dos pássaros meu filho sorri no mistério da existência
Silêncio ruído solstício morte nascimento guerra gira o mundo em
ritmo novo repetição sempre igual...
Andrew Atroshenko, Nature
FLUXO II
Nasci na entranha antiga do tempo
pertenço às gerações guardadas no princípio do mundo secreto
Trilho o caminho incógnito que me leva ao destino que não sei se é
finito ou perene
É certo que não decifro a existência hermética presa aos movimentos
dos equinócios antes e depois pulsante vaivém de ontens hojes
amanhãs
Pássaro na gaiola, labirintos me perderam de mim, quero o fio que
Ariadne deu a Teseu.
(DE)COMPOSIÇÃO
A asa é um mistério
elaborado no casulo.
Compõe-se de espera a borboleta. Decompõe-se a lagarta.
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