Oswald, por Tarsila do Amaral, 1923
Caros,
O paulistano Oswald de Andrade (1890-1954) foi, como se sabe, uma das figuras
mais importantes de nosso modernismo. Poeta, romancista e ensaísta, fundou em
1911 o jornal semanal O Pirralho. Em 1912, viajou à Europa e lá tomou
contato com as novas idéias literárias. De volta ao Brasil, continuou no
jornalismo e passou a escrever os primeiros poemas e romances.
No final dos anos 10, conheceu Mário de Andrade e Di Cavalcanti. Assim começou a
discussão de idéias que iria desaguar na Semana de Arte Moderna. Polemista,
impiedoso na crítica, Oswald foi o limpa-trilhos do modernismo. Sarcástico, seus
manifestos (Manifesto
da Poesia Pau-Brasil, 1924;
Manifesto Antropófago, 1928) são demolidores.
Os dois únicos livros de poesia publicados por Oswald de Andrade foram
Pau-Brasil (1925) e Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade
(1927). A influência do poeta estende-se claramente até os dias atuais. Após sua
morte, escritores como José Paulo Paes, os poetas concretos e os escritores da
chamada poesia marginal beberam extensamente nas idéias do modernista.
José Paulo Paes e, posteriormente, os poetas marginais dos anos 70 e 80
praticaram o poema-piada, recurso lançado por Oswald. Os concretistas, por seu
turno, valorizavam em especial a concisão do texto e o discurso anti-retórico
presentes na poesia de Oswald de Andrade.
Naturalmente, os pontos abraçados por esses poetas representam o pomo da
discórdia com as correntes literárias que se opõem a eles. O poema-piada, por
exemplo, é abominado. Quem o critica entende que fazia sentido no primeiro
momento do modernismo, quando um dos pontos-chave era manifestar a recusa à
linguagem tradicional, ao "lado doutor", como ironiza Oswald no "Manifesto
Pau-Brasil". Mas, passada essa fase, o poema-piada teria perdido o sentido com a
consolidação das liberdades de expressão artística conquistadas pelo modernismo.
Ironicamente, o primeiro crítico do poema-piada foi exatamente Mário de Andrade,
um modernista de primeira hora. Vale ressaltar que, a partir de certo momento,
os dois Andrades da Semana de Arte Moderna colocaram-se em campos estéticos
opostos. E também em rumos pessoais bem diferentes, já que os dois romperam a
amizade em 1929. "O poema-piada é um dos maiores defeitos a que nos
levaram a poesia contemporânea", escreve Mário no ensaio "A Poesia em 1930", a
propósito do volume Alguma Poesia, de Carlos Drummond de Andrade.
Segundo Mário, "o poema-piada é a única restrição de valor permanente que se
possa fazer a Alguma Poesia". Escrito durante os anos 20, o primeiro
livro do poeta itabirano tem de fato essa característica protomodernista.
(Há quem diga que os poemas-piada de Bandeira e Drummond são de outra estirpe.
Mas não vamos entrar nisso, que é outra história.)
Fora da poesia, as idéias estéticas de Oswald de Andrade também tiveram forte
reverberação na música popular, no fim dos anos 60, com o tropicalismo. Oswald
está presente em várias canções do movimento, como "Tropicália" (Caetano
Veloso), "Marginália II" e "Geléia Geral" (Gilberto Gil e Torquato Neto).
Em "Geléia Geral", a colagem do letrista Torquato Neto inclui
explicitamente mais de uma referência oswaldiana.
Lá está, por exemplo, "A alegria é a prova dos nove", frase que Oswald repete
como um refrão no Manifesto Antropófago. Também lá se encontra a expressão
"Brutalidade jardim", que vem do romance experimental Memórias Sentimentais
de João Miramar
(1924). Além disso, há todo um clima pau-brasil em "Marginália II": "entre
cascatas, palmeiras / araçás e bananeiras / ao canto da juriti". Dois dos poemas
ao lado, "Escapulário" e "Relicário", foram também musicados, respectivamente,
por Caetano Veloso (LP Jóia, 1975) e João Bosco (CD
Dá Licença, Meu Senhor, 1995).
Na pequena amostra ao lado, procurei destacar alguns dos pontos centrais da
poesia oswaldiana. De saída, encontra-se a ironia na "Balada do Esplanada":
"Eu qu'ria / Poder / Encher / Este papel / De versos lindos / É tão distinto /
Ser menestrel". Há também exemplares do poema-piada, como "Relicário",
"Senhor Feudal", e ainda exercícios líricos marcados pela linguagem enxuta do
autor: "3 de Maio", "Ditirambo" (Meu amor me ensinou a ser simples / Como um
largo de igreja") e outros. Mas o supra-sumo da concisão está em "Amor", poema
de uma só palavra.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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O antimenestrel
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Oswald de Andrade |
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BALADA DO ESPLANADA
Ontem à noite
Eu procurei
Ver se aprendia
Como é que se fazia
Uma balada
Antes de ir
Pro meu hotel.
É que este
Coração
Já se cansou
De viver só
E quer então
Morar contigo
No Esplanada.
Eu qu'ria
Poder
Encher
Este papel
De versos lindos
É tão distinto
Ser menestrel
No futuro
As gerações
Que passariam
Diriam
É o hotel
Do menestrel
Pra m'inspirar
Abro a janela
Como um jornal
Vou fazer
A balada
Do Esplanada
E ficar sendo
O menestrel
De meu hotel
Mas não há poesia
Num hotel
Mesmo sendo
'Splanada
Ou Grand-Hotel
Há poesia
Na dor
Na flor
No beija-flor
No elevador
Oferta
Quem sabe
Se algum dia
Traria
O elevador
Até aqui
O teu amor
RELICÁRIO
No baile da Corte
Foi o Conde d'Eu quem disse
Pra Dona Benvinda
Que farinha de Suruí
Pinga de Parati
Fumo de Baependi
É comê bebê pitá e caí
3 DE MAIO
Aprendi com meu filho de dez anos
Que a poesia é a descoberta
Das coisas que eu nunca vi
DITIRAMBO
Meu amor me ensinou a ser simples
Como um largo de igreja
Onde não há nem um sino
Nem um lápis
Nem uma sensualidade
ESCAPULÁRIO
No Pão de Açúcar
De Cada Dia
Dai-nos Senhor
A Poesia
De Cada Dia
AMOR
Humor
SENHOR FEUDAL
Se Pedro Segundo
Vier aqui
Com história
Eu boto ele na cadeia
OCASO
No anfiteatro de montanhas
Os profetas do Aleijadinho
Monumentalizam a paisagem
As cúpulas brancas dos Passos
E os cocares revirados das palmeiras
São degraus da arte de meu país
Onde ninguém mais subiu
Bíblia de pedra-sabão
Banhada no ouro das minas
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