Eduardo Sterzi
Caros,
Nascido em Porto Alegre, em 1973, o poeta e ensaísta Eduardo Sterzi mora em São
Paulo desde 2001. Doutor em literatura, escreveu trabalhos acadêmicos sobre
Murilo Mendes e sobre a origem da lírica moderna em Dante Alighieri. Ainda como
ensaísta, organizou o livro Do Céu do Futuro (Marco Editora, 2006), que
reúne estudos em torno da poesia de Augusto de Campos.
Em parceria com o poeta Tarso de Melo, Sterzi fundou a revista de poesia
Cacto, que circulou entre 2002 e 2004, com quatro números muito
representativos do que se vem produzindo neste início de século. Como poeta,
Sterzi só publicou um livro até agora, Prosa, que saiu em Porto Alegre,
em 2001. Isso, sem contar os poemas que ele tem espalhados, em jornais e
revistas especializadas e também na internet. Agora, o poeta anuncia que já tem
prontos os originais de novo livro de poesia, intitulado Aleijão.
Poeta de feição erudita, Eduardo Sterzi exercita-se no diálogo com outros
poetas. Na miniantologia aqui apresentada, há dois exemplos explícitos desses
diálogos, os poemas "Outro Cacto" e "Outro Tigre". No primeiro, ele revisita o
poema "O Cacto", de Manuel Bandeira, publicado originalmente em Libertinagem
(1930). No outro, Sterzi retoma o célebre "O Tygre", do romântico inglês
William Blake.
Também agradam a Eduardo Sterzi as construções metapoéticas, nas quais ele
especula sobre as incursões do poeta — qualquer poeta — na "praia pedregosa da
palavra" (veja "Música"). Nos novos poemas de Aleijão, o poeta faz
uma escolha diferente. Deixa um pouco de lado as referências cultas e investe
num discurso mais voltado para o cotidiano. É o que se pode notar em poemas como
"Vapor e Cimento", "17h36" e "Trovoadas", todos integrantes desse novo livro.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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Quinta poética
Uma dica para os leitores de São Paulo, capital: amanhã, quinta-feira, 1º de
março, realiza-se a Quinta Poética, na Casa das Rosas (Av. Paulista, 37). Os
poetas convidados são Carlos Felipe Moisés, Mary Castilho, Zé de Riba e Reynaldo
Damazio. O encontro começa às 19 horas e a entrada é gratuita.
•o•
Alguma poesia
Entre fevereiro de 2006 e fevereiro de 2007 (valor do dia 24/2), o número de
visitas diárias ao site
Alguma Poesia, que
abriga o boletim poesia.net, passou de 212 para 720
— um salto de
quase três vezes e meia.
No gráfico acima,
pode-se observar que as visitas diárias cresceram com firmeza entre fevereiro e
novembro. Em junho e julho, houve um pequeno recuo, determinado pela Copa do
Mundo. Em dezembro e janeiro, meses de férias, nova queda. Em fevereiro, o
número já sugere uma retomada. Nesta edição, os recebedores diretos do boletim,
via e-mail, já entraram na faixa dos 2.200. |
Na praia da palavra
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Eduardo Sterzi |
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OUTRO CACTO
Abstrai, se alcanças, o cacto de Bandeira,
imponente em sua queda de colosso.
Abstrai toda paisagem
e, sobretudo,
toda contaminação
humana.
Pondera o cacto
pequeno,
sem flor mas também sem deserto:
cacto de vaso,
de apartamento:
cacto sem metáfora.
Em sua matriz esquálida,
mas por isso ideal,
molda, a partir de agora,
teu viver —
Tu, forma vaga,
pretensão
de aspereza.
ARGUMENTO
Dionysos pressupõe esquecimento.
Toda forma de vida exige a morte
da morte,
e o seu desprezo.
(Sob a pedra cinza, vórtice de todo o pátio,
resiste o animal minúsculo. A tarde feroz
me aprisiona numa cama de hospital. Espero,
tranqüilo, pelo instante do gozo.)
OUTRO TIGRE
Tigre, diamante vertebrado,
nenhuma jaula poderá
reter, inflexível, a fria
fúria do teu olhar.
Nosso inútil terror de humanos
extrairá, do mundo em que vives,
a força líquida (flutíssona) de
músculos invisíveis.
Tigre, metáfora do tempo,
demônio cego da distância:
que ser, ferido de beleza,
te admira em segurança?
MÚSICA
a musa voluptuosa
pede passagem
e lhe damos —
prosa:
qualquer imagem
vale mais
que a floração sentimental de uma
rosa:
gás lacrimogêneo,
luto, melancolia,
estrofe, catástrofe,
catarse:
deposita-se, linear
(limpa e suja como um verso)
pela praia pedregosa da palavra
— esta espuma.
EXEGESE
Interpreto o teu corpo,
descerro a castanha do metacarpo
em flor, tempestade e sensação.
Ouço o martelar dos cascos
sobre o zinco da vontade.
Sinceramente, estou morto.
Poeta —
o que não tem palavras.
PREGÕES DE BEIRA-MAR
Existo-me freqüentemente.
Passeio-me por entre as gentes.
Vez em quando
vou-me ao porto e
colho,
no pomar de tais pregões, multiplicáveis
peixes
de que bebo
a cica
oceânica, feito vinho
sacramental.
VAPOR E CIMENTO
Enquanto deslizo — serpente
metálica — ao longo do arroio,
a proa rasgando o
asfalto, temente apenas
a radares e outros
roedores,
meus olhos se despregam
do fluxo apático
e, de repente,
descobrem, ao fundo,
formações efêmeras
de algodão e
reboco, vapor e
cimento — o assim
chamado «horizonte» —
morrendo em rosa e
cinzento;
poderia ser o fim do mundo,
mas aqueles óculos
mudaram a percepção
de tudo, e ela pôde,
ao meu lado, mesmo
assustada, sorrir,
embora sua fala,
no rapto do instante,
cessasse abrupta, à espera
de alguém — tigre ou
anjo — que, munido
de ferramentas apropriadas,
nos arrancasse
do cerrado cipoal
das ferragens;
poderia ser o fim
do mundo, mas,
hóspede perpétuo
da mais ímpia
masmorra
(onde o chão
morde o teto)
do palácio
gasoso
das lembranças,
fantasio-me liberto,
preso apenas a
um que outro
relâmpago: o prego,
áspero de cimento,
cravado no pé esquerdo;
o primeiro golpe
da adaga (a vítima
sobre a pia,
ao lado de uma
privada); o lustre
de inúteis tentáculos
rebentando no ventre
da sala; tua última
palavra.
17H36
A tarde é ouro falso
vazando para o quarto.
O sangue das cobertas,
coagulado, não veda
as janelas. Dormir,
ainda que por um triz,
adianta o morrer: peixe
arpoado pela luz.
TROVOADAS
Estão de novo arrastando as trovoadas
No andar de baixo minha mãe de pantufas
cuida que se ouça pouco
não mais que o necessário
É tempo de nascer da morte esta fresta
criatura de esgueira
Tebas tem sete portas
que são bocas de mil dentes
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