Max Martins em 2001
Caros,
Nascido em Belém, o poeta paraense Max Martins (1926-2009) interessou-se desde
muito cedo pela poesia. Autodidata, dedicou-se a fundo ao estudo de literatura,
poesia, artes e filosofia. Funcionário público e exerceu diversos cargos
públicos e fundou em sua cidade um núcleo de cursos voltados para a área da
expressão verbal conhecido como Casa da Linguagem.
Max Martins publicou seu primeiro livro, O Estranho, em 1952. Começou
parnasiano-simbolista. Mas, ao longo de sua trajetória poética, sofreu a
influência de João Cabral de Melo Neto e dos movimentos de vanguarda como a
poesia concreta e o poema processo. Em 1992, sua obra foi reunida no volume
Não para Consolar. Nova compilação de seus escritos apareceu em 2001, em
Poemas Reunidos 1952-2001, publicada pela Editora da Universidade Federal do
Pará.
Para este boletim, contei com a ajuda de Vasco Cavalcante, editor do site
Cultura Pará, no qual destaco a excelente seção
O Poema.
Cavalcante não apenas sugeriu a realização do boletim como me enviou material
sobre Max Martins, além de uma seleção de textos do poeta para orientar meu
primeiro contato. A seleção ao lado aproveita alguns dos poemas sugeridos por
Cavalcante, mas já é resultado de minhas escolhas pessoais.
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Para ler outros textos de Max Martins, assim como ver fotos e colagens do poeta,
visite o site
Cultura Pará na seção a ele dedicada.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
•o•
Age de Carvalho escreve
sobre Max Martins
Após a divulgação deste boletim, recebi uma mensagem do poeta paraense Age de
Carvalho, residente na Áustria. Amigo de Max Martins, Carvalho conviveu com ele
e faz em seu e-mail algumas correções ao texto acima. Eis a mensagem:
Noto a boa intenção e o interesse em divulgar a grande poesia de Max Martins em
seu boletim virtual poesia.net, mas a bem da verdade é preciso corrigir
uma ou outra passagem de seu sucinto texto de apresentação do poeta paraense:
1) Max Martins não "fundou" a Casa da Linguagem, mas exerceu cargo
administrativo nessa instituição criada pelo Governo Estadual do Pará, sendo,
certo, o seu idealizador e primeiro diretor;
2) Max Martins não foi jamais poeta "parnasiano-simbolista" e não há em sua obra
texto em que tal afirmação se assente com propriedade; talvez se possa dizer
mais propriamente que teve em seu primeiro livro "O estranho", de 1952,
influência tardia do Modernismo — ocorrência, aliás, compreensível, já que à
época quase todas as figuras do movimento ainda se encontravam na ativa e
exercendo vigorosa influência no meio literário nacional, entre outras razões
que aqui não cabe discutir;
3) Afirmar que Max Martins "sofreu a influência de João Cabral de Melo Neto e
dos movimentos de vanguarda, como a poesia concreta e o poema processo" é
destacar redutivamente o leque de autores que faziam parte de seus interesses e
dar tamanha importância a João Cabral e a esses movimentos na poesia de MM, onde
há pouquíssimos paralelos; tanto quanto Cabral, Pessoa, Drummond, Murilo, Mário
Faustino, a Poesia Concreta (a Processo, não!) e vários poetas de outras línguas
tiveram presença determinante na obra de MM, sem predominância de um ou outro.
As retificações que aqui faço não pretendem tirar o brilho da homenagem prestada
a Max Martins, louvável e até necessária, em se tratando de poeta de tamanha
grandeza, mas de esclarecer o que me pareceu informação deficiente na matéria
veiculada.
Cordialmente,
Age de Carvalho
•o•
Conversa com escritores
A Rádio Unesp FM, da Universidade Estadual Paulista, vem fazendo um importante
trabalho de divulgação literária. Apresentado pelo jornalista Oscar d’Ambrosio,
o programa Perfil Literário promove conversas com poetas e prosadores.
O programa vai ao ar todos os dias de 00h00 a 00h30 na faixa FM 105,7, na região
de Bauru-SP. Pode também ser ouvido ao vivo pela internet no endereço
http://radio.unesp.br/ouvir.htm. Além disso, as edições ficam disponíveis no
site da rádio. Vários poetas já destacados pelo poesia.net estão lá.
Ouça
os programas já levados ao ar no endereço web do
Perfil Literário.
•o•
Nova ortografia
Não quero ser maçante, nem ficar chorando sobre o leite derramado. Mas me vejo
cada vez mais espantado com a falta de sentido do tal acordo ortográfico. Mais
um exemplo. Fui à nova edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa
(VOLP) — dicionário da Academia Brasileira de Letras que tem peso de lei
— para certificar-me da grafia de "bem-vindo". Esta continua como antes. Mas
"bem-feito", pasmem, virou "benfeito".
Fiquei ainda mais perplexo com o que descobri na mesma página. Se você consultar
o Aurélio, o Houaiss ou outro dicionário (esqueça a nova
ortografia), vai descobrir que "bem-te-vi" tem pelo menos duas acepções. Uma é o
pássaro. A outra é o apelido da ala radical do Partido Liberal no Maranhão, no
período da Regência. Serve também para denominar o membro dessa ala. O nome vem
de
Bem-Te-Vi, o jornal que era publicado por esse grupo político.
Perfeito. Agora, voltemos à nova ortografia. Conforme o VOLP, se
"bem-te-vi" é o pássaro, escreve-se com hifens. Mas se é o membro daquela
facção, grafa-se "bem te vi", sem tracinhos. A regra é risível: o primeiro
bem-te-vi corresponde a "palavra composta que designa espécie botânica ou
zoológica".
Para fazer piada, poderíamos dizer que o bem te vi partidário também é um animal
— político...
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Aproveito para reafirmar: este boletim não vai aderir ao acordo ortográfico até
o último dia em que ele seja opcional.
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Uma estrela trêmula
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Max Martins |
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UMA ESTRELA TRÊMULA
Tuas antenas trêmulas
O som
(subterrâneo)
que o teu silêncio chama
A palavra nenhuma que trazes para o almoço. Pães e peixes
Para quem?
E o poema redemoinha no sono que rasgas.
Como rasgas esta noite enrolada em si mesma.
É
entre centelhas que plantas o teu jorro.
É
entre espinhos e pedras virgens que celebras essa estrela. Todos os astros.
De Colmando a Lacuna
(2001)
O CALDEIRÃO
Aos sessenta
anos-sonhos de tua vida (portas
que se abrem e fecham
fecham e abrem
carcomidas)
ferve
a
gordura e as unhas das palavras
seu licor umbroso, teus remorsos-pêlos
Ferve
e entorna o caldo, quebra o caldeirão
e enterra
teu
faisão de jade do futuro
teu mavioso osso do passado
Agora que a madeira e o fogo de novo se combinam
e o inimigo nº 1 já não te enxerga
ou vai-se embora
varre a tua cabana e expõe ao sol tua língua
tua esperança tíbia
o tigre da Coréia da parede
É
lícito tomar agora a concubina
E despentear na cama a lua escura, o ideograma
De Para Ter Onde Ir
(1992)
SALTIMBANCO
O não mais
espumoso vinho dos abismos
O cauterizado testemunho de um instante de beleza:
O ritmo do oceano
O palco
e a metade da cama para o falso poema
O saltimbanco
Ou o sangramento
da perda de um deus a cada assalto
O cadafalso
O semidestroçado frêmito de um destino cego de antemão
O não mais aceito rito do ofício O
ofício:
esta rasura do corpo sendo esquecido
O esquecimento
O desabitado segredo das palavras
De Marahu Poemas
(1991)
(POESIA)
Teu nome é não em cio e som farpados
Cilício escrito, escrita ardendo, dentro
se revendo
fera
do silêncio úmido se lambendo, lábil
labiríntima
lâmina se ferindo
se punindo
De Caminho do Marahu
(1983)
AMARGO
Há um mar, o dos
velames,
das praias ardendo em ouro.
Há outro mar, o mar
noturno,
o das marés com a lua
a boiar no fundo
o mênstruo da madrugada.
E afinal o outro, o do
amor amargo,
meu mar particular, o mais profundo,
com recifes sangrando, um mar sedento
e apunhalado.
De Anti-retrato
(1960)
NUM BAR
Num bar abaixo do Equador às cinco da manhã escrevo
meu último poema
Arrisco-o
ao azar do sangue sobre a mesa mapa
de crises cicatrizes
moscas
Gravo-o
fala de mim demão e nódoa
nós e tábua deste barco-bar
que arrumo e rimo:
verso-trapézio osso
troço de ser
escada onde
lunar oscilo
solitário
quando
vieram uns anjos
de gravata e me disseram: Fora!
De O Risco Subscrito
(1980)
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