Amigas e amigos,
O poeta e tradutor Paulo Henriques Britto (Rio de Janeiro, 1951), cuja poesia já se encontra em circulação há pelo menos 36 anos, desenvolveu
ao longo desse período uma obra marcadamente pessoal.
Estreante em 1982 com o livro Liturgia da Matéria, publicou até hoje mais seis títulos de poesia: Mínima Lírica (1989);
Trovar Claro (1997); Macau (2003); Tarde (2007); Formas do Nada (2012) e Nenhum Mistério (2018).
Também tradutor de verso e prosa, Paulo Henriques Britto verteu para o português numerosos livros, entre os quais obras de William Faulkner,
Elizabeth Bishop e Charles Dickens. Britto é ainda professor da PUC-Rio, nas áreas de tradução, criação literária e literatura brasileira.
O poeta já esteve aqui nesta página na edição n. 45,
com poemas dos livros Macau e Trovar Claro. Retorna agora com textos de seus
dois títulos mais recentes.
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Comecemos com dois poemas de Nenhum Mistério. O primeiro é a parte “IV” da série “Nenhuma Arte”. Atrelado a um ponto de vista que
enxerga a vida sempre na perspectiva do fim, o poeta glosa em oitavas o mote “nada do que te pertence é teu”.
É inevitável observar os títulos deste poema e do livro: “Nenhuma Arte” e Nenhum Mistério. Ambos parecem fazer referência ao
poema “Uma Arte”, da americana Elizabeth Bishop, de quem Paulo Henriques Britto traduziu parte substancial da obra.
Em seu famoso
poema, Bishop afirma que “a arte de perder não é nenhum mistério”. Britto vai além e não encontra
no exercício da vida “nenhuma arte”.
Pelo que se pode deduzir dos versos de sua coletânea mais recente — e também de outros livros anteriores —, a lógica é simples:
se viver é quase sinônimo de perder, então cadê a arte?
O segundo poema é também uma parte, a número “VII”, da suíte chamada “Nenhum Mistério”, que dá título ao livro. Neste texto,
destacam-se sinais de velhice e da finitude do corpo: “Chega um momento em que as mãos /
já não querem cumprir ordens”. Não só as mãos: também os olhos, os pés, o rosto. A conclusão, cruel mas verdadeira, é de que
em breve “não será mais preciso / fingir-se de morto”.
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Os três próximos poemas vêm do livro Formas do Nada. Comecemos com a parte “III” do bloco “Seis Sonetos Soturnos”. Neste
soneto, pode-se observar uma característica central da poética de Paulo Henriques Britto. Além
de preferir as formas fixas (a exemplo
de sonetos e versos medidos), o poeta trata de assuntos sérios — e às vezes filosoficamente intrincados — sem abrir mão da linguagem
coloquial.
Neste soneto soturno n. “III”, todo o desenvolvimento se dá com expressões do dia a dia — “durma-se com um barulho desses”,
“final feliz”, “noves fora”, “Inês é morta”, “mãos à obra”, “conforme o combinado”. Os leitores que apreciam situações idílicas
e desfechos mais amenos certamente vão concluir que o poeta é um “pessimista”. Mas quem não olha a vida com lentes cor-de-rosa
sabe que esses versos são apenas retratos da realidade. O poema “Madrigal” bate na mesma tecla: “As cartas estão marcadas: /
vai dar desgraça na certa”.
Encerremos nossa seleção em altíssimo estilo como o poema “Pós”. Nele o poeta, brilhante, trabalha com antíteses estonteantes,
que provocam no leitor uma cascata de epifanias. Prefiro não citar trechos do poema e deixar que vocês mesmos/as o degustem,
por inteiro, com a sequência de zigue-zagues e indecisões que todos conhecemos vida afora.
Se eu tivesse de escolher um poema nos dois livros mais recentes de Paulo
Henriques Britto, provavelmente apontaria este.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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