Amigas e amigos,
Poeta e pintor, o lisboeta Mário Cesariny de Vasconcelos (1923-2006) é considerado a principal figura do surrealismo português. Influenciado pelo
poeta francês André Breton, teórico do surrealismo, a quem conheceu em Paris em 1947, Cesariny criou em Lisboa mais de um grupo surrealista.
Divulgador desse movimento, colaborou ativamente em jornais e revistas, promovendo suas ideias plásticas e literárias. Numa entrevista, afirmou: “Poesia
que, aliás, é sinônimo de Surrealismo. Não vamos dizer surrealismo. Vamos dizer poesia. Porque surrealismo é o que existe de mais parecido com a poesia”.
Cesariny era convicto de sua adesão ao surrealismo. No livro Verso de Autografia / Mário Cesariny (2004), de Miguel Gonçalves Mendes, o poeta declara:
“Eu acho que se se é surrealista, não é porque se pinta uma ave, ou um porco de pernas para o ar. É-se surrealista porque se é surrealista!”
Mas a ditadura salazarista não estava muito interessada em sua arte e vigiava de perto os passos de Cesariny, submetendo-o a perseguições e frequentes interrogatórios
e tratando-o como suspeito de “vagabundagem”. O verdadeiro motivo: sua homossexualidade. O artista só se livrou desses atos de intolerância após a Revolução
dos Cravos, em 1974, que pôs fim ao regime salazarista.
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Especificamente em poesia, Cesariny publicou uma obra extensa, na qual destacam-se os seguintes títulos: Corpo Visível (1950); Discurso Sobre
a Reabilitação do Real Quotidiano (1952); Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos (1953); Manual de Prestidigitação (1956);
Pena Capital (1957); Alguns Mitos Maiores e Alguns Mitos Menores Propostos à Circulação Pelo Autor (1958); Antologia do Cadáver-Esquisito
(1961); Antologia Surreal/Abjecion(ismo); (1963); A Intervenção Surrealista (1966); e Titânia e a Cidade Queimada (1977).
Falecido em 2006, Mário Cesariny não é muito conhecido no Brasil. Os poemas apresentados neste boletim foram extraídos do livro Poesia, uma reunião
quase completa de sua obra poética, lançado em 2017 pela editora portuguesa Assírio & Alvim, com edição, prefácio e notas do crítico e especialista em
surrealismo Perfecto E. Cuadrado. Não tenho elementos para afirmar, mas aparentemente não há obras de Cesariny publicadas no Brasil.
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Uma observação interessante: esta é a primeira vez no poesia.net em que o poeta e o autor das imagens ilustrativas têm a mesma assinatura.
O fato de Mário Cesariny ser poeta e pintor possibilitou essa curiosa exceção.
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Passemos à miniantologia desta edição do boletim. No primeiro poema ao lado, “História de Cão”, o poeta relata, em tercetos rimados, a memória que guarda
de alguém numa “extensa praia” onde havia uma “grande casa amarela”. E o cão do título? “o cão atesta esta história/ sentado no meio da estrada/ mas de
nós não há memória”.
Vem a seguir o poema “Voz numa Pedra”. O ambiente é tipicamente surrealista. O texto passa, com ironia, por personagens chamados Osíris e Ísis, homônimos
do casal de deuses egípcios, de passagem cita Sócrates (“sei que não sei nada”) e segue com uma série de enigmas. “Os pregadores de morte vão acabar?/
Os segadores do amor vão acabar?” Outra indagação: por que essa voz vem de uma pedra?
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O próximo poema, “Pastelaria”, é menos misterioso. Sarcástico, afirma que o mais importante não é a literatura, nem o negócio, nem a fome etc. Importante,
mesmo, é rir de tudo, com “muitos dentes brancos à mostra”. O nível de sarcasmo é o mesmo em “Rua da Bica Duarte Belo”. Nesse texto curto, o poeta se diverte,
mostrando a triste combinação entre um anúncio imobiliário (“prédios quase de graça”) e a “gente engraçada” que passa: “um estudante sem livros” e
“um operário desempregado”.
No poema “Todos por Um”, os toques de zombaria se voltam para os poetas românticos, coitados, ameaçados pelos perigos mortais de uma manhã especialmente triste.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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